Orquídeas das margens do rio Bananal
Entrevista com Maria da Penha Fagnani
Eu sempre achei que na OrquidaRio (Orquidófilos Associados do Rio de Janeiro), deveria ser nossa preocupação maior efetuar o levantamento das orquídeas do estado do Rio de Janeiro, das orquídeas fluminenses. Começamos, quase que acidentalmente, pelas orquídeas de Massambaba, porque nos gostávamos de ir lá para tomar banho de lagoa e fazer piquenique, além de olhar as orquídeas. Quando eu comecei a estudar sistemática botânica, comecei a me interessar em fazer a identificação das espécies.
Há muito tempo que o falecido colega da OrquidaRio, Nilson Moneró, alertava que esta região às margens do Rio Bananal era extremamente rica em orquídeas, só que eu estava envolvida com a restinga de Massambaba, e eu dizia sempre para nós esperarmos até que tivesse definido e completado o que achei que era o expressivo da restinga de Massambaba para começarmos Guapimirim.
Quando terminamos o levantamento da restinga de Massambaba, apareceu a oportunidade de trabalhar no município de Guapimirim porque temos um colega orquidófilo, também da OrquidaRio, que tem uma casa lá, bem próxima do local que nos exploramos. Então nossa base de operação passou a ser a casa do Jorge e dali, nós subimos ou descíamos e sempre tínhamos um lugar para tomar banho, trocar uma roupa e eventualmente até dormir.
Assim foi feito, Jorge, Carlos Ivan, eu, João Marcelo e Maximo Bovini começamos o trabalho.
Qual foi a área pesquisada em Guapimirim?
Pesquisamos a partir 210m, onde passa a estrada em direção à
nascente . Na lista das orquídeas, o código SM quer dizer floresta
sub montana (até 500m), o código M é de floresta montana
(500m para cima). Na parte baixa do rio, até 600m, eu andei pelas pedras
e graças ao auxílio de um colega, que morava no local, pude chegar
a algumas trilhas que acabavam levando ao rio, trilhas a 5m da beira do rio, portanto
estávamos dentro daquela margem estabelecida de 0 a 30m . Eu fui até
mais ou menos 600, 700m de altitude. A parte de alpinismo, de escalada, eu não
fiz, eu ficava embaixo, eles subiam pela água, arriscando-se bastante e
eventualmente caindo pois as margens do rio não oferecem condições
de caminhada. A partir destes 700m , o acesso é muito difícil e
arriscado. A nascente é um filete de água a quase dois mil metros,
onde só alpinistas do mais gabaritados conseguiriam chegar, mas até
onde dava para ir, mais ou menos a 1.400m., a pesquisa foi feita pelo grupo dos
mais jovens e mais altos, Jorge Figueiredo, Maximo G. Bovini e João Marcelo.
São pessoas com mais de 1,80m., magros e com muito condicionamento aéróbico.
Nestas grandes altitudes a coisa foi feita assim, iam por dentro da água,
subiam nas pedras e coletavam o que estava próximo ou o que estava pendurado
sobre o rio.
E foi exatamente assim que encontraram Pabstia, Masdevallia, alguns Epidendrum
e várias outras plantas que estão assinaladas na lista. Muitas delas
foram encontradas nestas altitudes mais elevadas. Imagino que nestas áreas
mais afastadas do espelho d'água, do curso do rio, possa ter até
planta nova, mas não era possível o acesso, porque para andar dentro
o rio, eles andavam descalços, com calção, como eles poderiam
entrar na mata, como os pés descalços, sem uma roupa apropriada
As condições eram difíceis, precárias. À medida
que se sobe, as margens e o leito vão se transformando numa escarpa, como
o Dedo de Deus.
Como é o índice de umidade nesta região?
Na parte baixa da mata, submontana, em alguns locais, durante
o dia, a umidade é até pequena porque a evaporação
é muito grande, mas à medida que se sobe, quanto
mais próximo do rio se fica, então a umidade se
mantém elevada.
Veja o caso da Comparettia coccinea, ela estava num lugar onde durante
o dia a secura era extrema. Desde a estrada, de 210 até 400m, há
uma secura relativa no meio dia, embora se esteja perto do rio. Então eu
descobri por que eu não conseguia cultivar a Warmingia eugenii.
Esta
espécie se tornou muito interessante para mim naquela região, porque
Guido Pabst, em seus dois volumes da Orchidaceae Brasiliensis, não assinala
a Warmingia eugenii como fazendo parte da flora fluminense. No entanto,
nós a encontramos sobre o rio só que a uma certa altura e a uma
certa distância, e numa altitude de aproximadamente 300 e poucos metros,
onde a secura ainda era relativa. É uma orquídea epífita.
À noite, ela recebe uma umidade grande pois tem o rio embaixo mas durante
uma certa hora do dia, ela tem a secura total que precisa. É por isto que
eu perdi umas três ou quatro. Eu insistia em mantê-las úmidas,
porque quem me vendia dizia que ela gosta muito de umidade, mas não explicava
os detalhes.
Qual a importância do rio Bananal para o ecossistema do Rio de Janeiro ?
A cabeceira e as margens do rio Bananal são muito importantes
para todo o ecossistema da Baia da Guanabara, pois ele vai desembocar
no rio Guapi, que faz parte do único sistema remanescente
de mangezais conservados na Baia da Guanabara. Se houver a destruição
total da flora da sua cabeceira e de suas margens, a água
ficará poluída. Isto vai se refletir nos mangezais
que acabarão sendo descaracterizados e destruídos.
É muito importante que nas margens do rio a vegetação esteja intacta. Na margem direita, olhando para a nascente, entre 210m até 400m, a região antigamente era povoada por índios e depois houve, no século passado, um assentamento de uma fazenda de café.
Esta antiga fazenda virou um condomínio. Foram construídas muitas casas de veraneio. As pessoas destas casas tem uma boa visão ecológica e mantiverem estas grandes árvores que margeiam o espelho d'água até uns 10m, depois eles destruíram para fazer suas casas mas a maioria conservou a flora nos seus terrenos, muitas destas grandes árvores foram conservadas. Essas pessoas tinham uma consciência ecológica apreciável.
Hoje fiquei muito contente de ver que uma das Laelias crispa mais bem conservadas
que existem, está justamente num terreno de um destes veranistas, mais
ou menos a 400m, onde ninguém mexe, está lá aquele monumento
naquela árvore enorme. Ouvir dizer que a partir de 210m até o nível
do mar, as margens estão depredadas mas como não passei por lá,
não posso afirmar.
Numa das fotografias feitas pelo Carlos Ivan numa altitude de
230, 320 m , já tem lavadeira, gente tomando banho porque
é uma parte bem baixa, é o início do condomínio. Entre 400 e 600 m, não há nada.
Então qual o papel importante desta flora para esta
bacia hidrográfica, para a qualidade da água na
bacia hidrográfica? É pelo seguinte: as raízes
retêm e filtram os sedimentos, então a água
chega limpa ao rio. É mantida a qualidade, a potabilidade
desta água através da existência desta flora,
destas grandes árvores, destas grandes raízes. A
flora é necessária, é fundamental para manter
esta qualidade da água. Protegendo e mantendo um manancial
potável, você protege inclusive a fauna.
Como você classificaria a mata às margens do rio Bananal ?
Inicialmente o projeto era chamado mata ciliar do rio Bananal,
mas mudou de nome por se considerar que ela está incluída
no contexto da floresta pluvial tropical, portanto não
é ciliar, faz parte da mata Atlântica.
Na realidade eu não chamo a mata do Rio Bananal de ciliar
porque determinou-se que mata ciliar seria somente a que margeia
um rio fora da Mata Atlântica. Por exemplo, nos cerrados,
uma mata que margeia um rio, é uma mata ciliar. Por isto
abandonei o ciliar e ficamos só com Mata Atlântica.
A mata, a medida que vai subindo, vai se tornando mais rala
e a partir de 1.200 m. ela já vai ficando mais baixa. De
1.400m. para cima, já são arvoretas.
Você citou uma outra pesquisa que já foi feita na restinga de Massambaba. Esta pesquisa já foi publicada ?
A pesquisa de Massambaba já foi publicada nas revistas da OrquidaRio e o material, fotos e texto, já foi enviado para ser publicado na edição dos Anais da 15a Conferência Mundial. Ele foi traduzido e vai ser publicado
em inglês e em português, em volumes separados.
Eu acho que este material tem que ficar agora descansando.
Em compensação, este de Guapimirim só foi publicado na revista da OrquidaRio e depois foi exposto como painel no saguão do Hotel Glória, junto com outros painéis, durante a 15a Conferência.
Você já descobriu alguma espécie?
Eu sou muito exigente, até agora tudo o que achei que era novo quando eu fui investigar descobri que não era, alguém já tinha descrito antes, nem que fosse há 150 anos atrás. Em Guapimirim têm umas espécies, alguma coisa em cima de Gomesa e Pleurothallis, que eu coloquei na lista como "spp" pois não cheguei a nenhuma conclusão. Eu não coloquei "sp nv" porque eu estaria dizendo que uma espécie nova e eu iria descrever depois. Preferi dizer "spp" pois eu não sei o que é, ainda estou procurando.
Você acha que pode existir ainda alguma espécie nova, não descrita?
Na Serra do Órgãos, estivemos trabalhando numa área
já muito caminhada, onde tem o Parque Nacional e, muito
embora Guapimirim tenha sido menos visitada, eu acho que as chances
são poucas.
Mas em lugares como o Município de Santa Maria Madalena, que são mais remotos, ou em lugares como Angra dos Reis, é provável que exista. Na própria restinga de Massambaba tem uma planta lá que pode ser uma coisa nova. Eu devo voltar lá para ir novamente ao lugar onde existe ou existia esta plantinha pois fiquei sabendo que estão construindo uma escola estadual bem próxima do local.
Felizmente um orquidófilo, o Sílvio, tem uma muda na casa dele, que está viva. Esta planta não está ainda nas outras listas da restinga de Massambaba, nem na minha nem na de outros. Embora haja outras listas feitas no simpósio sobre restingas do Rio de Janeiro, feito pela UFF (Universidade Federal Fluminense), nossas listas não batem totalmente, embora não haja nada novo em nenhuma delas.
A grande diferença é que a lista deles foi de material de herbário, eles pesquisaram os herbários todos do Rio de Janeiro e anotaram tudo que constava como procedente da restinga de Massambaba. A minha pesquisa foi de atualização, é o que se tem agora, não o que havia há 150 anos atrás. Pode estar havendo uma diferença, coisas que eu não encontrei e que já podem ter desaparecido.
Não consegui encontrar aquilo tudo que eles falaram ou não encontrei
em flor, como, por exemplo, algumas terrestres como Habenaria, esta planta
está faltando, esta coisinha estranha que é menor que Pleurothallis.
Por isto é que bom mantermos as plantas vivas, as espécies vivas.
Para evitar situações de existir uma planta que você não
sabe o que é, não chegou a identificar e passar um trator e acabar
com ela pois só tinha naquele lugar.
Se você tem a planta viva, ela floresce e alguém rapidamente faz
uma cápsula e você pode manter aquela planta. Nestas orquídeas
das margens do Rio Bananal, tem uma planta que só existe naquele pedacinho,
o Epidendrum hololeucum Barbosa Rodrigues, só existe naquele tipo
de área. Pode ser que exista, por exemplo nas margens do rio Soberbo, ainda
não fiz este levantamento será sempre nestas áreas. É
um trecho curto, um habitat restrito, bem especificado, endêmico para o
Rio de Janeiro, para aquele local. Se acabarem estas áreas, acabou o Epidendrum,
então temos pelo menos um registro dele.
Para terminarmos, qual foi a equipe que esteve envolvida neste trabalho ?
Além de mim, estiveram envolvidos neste trabalho Jorge
Reis de Figueiredo, João Marcelo Alvarenga Braga, Massimo
G. Bovini, e Carlos Ivan da Silva Siqueira.
Estaremos apresentando, nesta sessão, orquídeas de cultivadores profissionais e amadores do Rio de Janeiro. As informações que serão apresentadas com a foto serão: o nome da planta e do orquidário/cultivador. Caso você deseje expor sua orquídea, clique aquí para saber como. NÃO SE TRATA DE CONCURSO! As orquídeas não serão comparadas e julgadas com outras.Trata-se apenas de um espaço para exposição. |
Espécie | Floração | Altitude * | Substrato |
Bifrenaria harrisoniae (Hook) Rchb .f | Outubro | SM | rupícola** |
Bifrenaria tetragona (Lindl.) Schltr. | Janeiro | SM/M | rupícola/epífita |
Campylocentrum lansbergii (Rchb.f) Schltr. | Março | SM | epífita ** |
Campylocentrum Ulaei Cogn. | Março | SM | epífita ** |
Campylocentrum Sellowi (Rchb.f.) Rolfe | Agosto | SM | epífita ** |
Comparettia coccinea Lindl. | Março | SM | epífita |
Cyclopogon argyrifolius Barb. Rodr. | Outubro | SM | terrestre |
Cyclopogon congestus (Vell.) Hoehne | Julho | SM | terrestre |
Cyclopogon elatus (SW) Schltr. | Julho | M | epífita/terrestre |
Cyclopogon longibracteatus (Barb. Rodr.) Schltr. | Agosto | M | terrestre |
Dichea graminoides Lindl. | Março | SM | epífita |
Dichea pendula (Aubl.) Cogn. | Novembro | SM/M | epífita |
Elleanthus brasiliensis Rchb.f | Fevereiro | SM | epífita ** |
Epidendrum armeniacum Lindl. | Novembro | M | epífita** |
Epidendrum difforme Jacq. | Fevereiro | M | epífita |
Epidendrum Barb. Rodr. | Julho | M | epífita |
Epidendrum imbricatum Lindl. | Setembro | SM | epífita |
Epidendrum klueppelianum Pabst | Julho | M | epífita |
Epidendrum latilabre Lindl. | Junho | M | epífita |
Epidendrum ochrochlorum Barb. Rodr. | Junho | M | epífita** |
Epidendrum ramosum Jacq. | Janeiro | M | epífita ** |
Epidendrum Schomburgkii Lindl. | Junho | SM | epífita ** |
Erythrodes arietina (Rchb. F & Warm.) Ames | Outubro | M | terrestre |
Epidendrum schlecheriana (Hoehne) Pabst | Agosto | M | rupícola |
Eurystyles cotyledon Wawra | Abril | M | epífita |
Epidendrum lorenzii (Cogn.) Schltr. | Agosto | M | epífita |
Galeandra Beryrichii Rchb. f | Janeiro | SM | terrestre |
Gomesa Barkeri Regel | Maio | M | epífita |
Gomesa crispa (Lindl.) KI. & Rchb. f | Agosto | M | epífita |
Gomesa Fischeri Regel | Janeiro | M | epífita |
Gomesa foliosa Klostzch & Rchb. f | Julho | M | epífita |
Gomesa laxiflora (Lindl.) KI. & Rchb. f | Agosto | M | epífita |
Gomesa planifolia (Lindl.) KI. & Rchb. f | Junho | M | epífita |
Gomesa recurva R. Br. | Agosto | M | epífita |
Gomesa spp | |||
Gongora bufonia Lindl. | Novembro | SM/M | epífita |
Hapalorchis lineatus (lindl) Schltr. | Julho | M | terrestre |
Isochilus linearis (Jacq. ) R. Br. | Outubro | SM | epífita |
Laelia crispa (Lindl.) Rchb. f | Fevereiro | SM | epífita |
Lankesterella ceracifolia (Barb. Rodr.) O Ames | Julho | SM | epífita |
Liparis nervosa (Thunb.) Lindl. | Março | SM | rupícola ** |
Masdevallia infracta Lindl. | Novembro | M | epífita |
Maxillaria acicularis Herb | Setembro | SM | epífita |
Maxillaria crassifolia Rchb. f | Julho/outubro | SM | epífita ** |
Maxillaria leucaimata Barb. Rodr. | Fevereiro | M | epífita ** |
Maxillaria rufescens Lindl. | Novembro | SM | epífita |
Miltonia clowesii Lindl. | Fevereiro | SM | epífita ** |
Octomeria linearifolia Barb. Rodr. | Novembro | M | epífita/rupícola |
Oncidium pubes Lindl. | Julho | SM | epífita |
Ornithidium chloroleucum Barb. Rodr. | Março | SM/M | epífita |
Pabstia viridis (Lindl.) Garay | Dezembro | M | epífita |
Pleurothallis arcuata Lindl | Junho | M | epífita** |
Pleurothallis caespitosa Barb. Rodr. | Maio | M | epífita |
Pleurothallis curtibradei Pabst | Outubro | M | epífita ** |
Pleurothallis glumacea Lindl. | Novembro | M | epífita ** |
Pleurothallis hypnicola Lindl. | Julho | SM/M | epífita ** |
Pleurothallis pelioxanta Barb. Rodr. | Fevereiro a Julho | M | epífita |
Pleurothallis spp. | |||
Polystachya Estrellensis Rchb. f | Março | S/M | epífita |
Prescottia plantaginea Lindl | Julho | SM | terrestre |
Promenaea stapelioides Lindl. | Dezembro | M | rupícola/epífita |
Sarcoglottis fasciculata (Vell.) Schltr. | Setembro | SM | terrestre |
Sarcoglottis grandiflora (Hk.) KI | Maio | SM | terrestre |
Tetragamestus modestus Rchb. f. | Maio | SM | epífita |
Trizeuxis falcata Lindl. | Novembro | SM | ep |
Xylobium variegatum (Ruiz e Pavon)) Masnf. | Julho | SM | epífita |
Warmingia eugenii Rchb. f. | Outubro | SM | epífita |
Warrea tricolor Lindls | Fevereiro | SM/M | terrestre |
* | SM = abaixo de 500 m. |
M = acima de 500 m. | |
** | orquídeas crescendo diretamente sobre a água. |