Lou, quais são os trabalhos que você que vem desenvolvendo no IBAMA?

Entre os trabalhos que venho desenvolvendo há alguns anos, no IBAMA, tem um projeto que se chama "Orquídeas do Brasil". Foi criado, aqui em Brasília, o Orquidário Nacional do IBAMA, que tem como objetivo servir de infra-estrutura para as pesquisas.
De acordo com o desenvolvimento de um determinado projeto, a coleção de orquídeas cresce. Por exemplo, eu fiz um estudo sobre Cattleya labiata, então tem uma boa coleção desta espécie. Assim como tem uma boa coleção de Cattleya warneri, Laelia purpurata, Cyrtopodium em função dos trabalhos realizados. O orquidário é muito grande e tem crescido, como disse, de acordo com estes projetos.
Por outro lado, depois de muita luta, eu cheguei à conclusão que o melhor trabalho de preservação que eu poderia fazer seria sob a forma de publicação. Uma maneira de deixar às gerações futuras, através de livros, amostras do que havia ou ainda haverá naquela época, no Brasil, em termos de orquídeas. Este projeto engloba também o programa de educação ambiental sob a forma de posters.



Como está sendo a política para distribuição e divulgação destes cartazes educacionais?

Independentemente da distribuição do IBAMA, que encaminha lotes para as superintendências estaduais, eu também tenho procurado distribuir estes cartazes diretamente. As superintendências mandam para as escolas mas ainda não é uma coisa muito bem feita. Eu distribuo nas exposições que vou e procuro distribuir, via Correios, para pessoas que tenham influência em sociedades orquidófilas e peço que procurem distribuir estes posters. Muitas vezes, infelizmente, eles vão para mão de pessoas que se preocupam em recortar as figuras para usar. É outro problema paralelo mas não se pode restringir tudo. É uma dificuldade muito grande.
Além destes trabalhos, este projeto também se diversifica em outros setores. Por exemplo, a ECT sempre me liga para eu propor idéias ou então desenvolver trabalhos com orquídeas.
Cyrt. inaldianum Além disto, o projeto auxilia muitos pesquisadores no exterior que estudam nossas espécies e seus trabalhos são publicados com ilustrações ou informações que eu mando. Eu não me nego a ceder meus slides para ninguém, além do mais que, no exterior, os pesquisadores são muito decentes, muito sérios pois você pode mandar uma foto que seu crédito sempre sai. Freqüentemente, eu recebo da Alemanha, da Suíça, da França , dos Estados Unidos, da Inglaterra solicitações de slides referentes a tais e tais espécies brasileiras e eu atendo, gastando inclusive do meu próprio bolso mas é uma contribuição.
Agora, por exemplo, eu estou colaborando com o Dr. Carl Withner, no trabalho sobre Encyclias. Além, é claro, dos meus próprios trabalhos que são publicados no exterior.

Onde você publica seus trabalhos? Com que revistas você contribui?

Eu sempre publico meus trabalhos no Brasil, Alemanha e Estados Unidos. Para não correr risco nenhum e evitar que digam que não houve registro lá fora, eu os publico nas revistas alemãs Die Orchids e Schlechteriana. Nos Estados Unidos, na Orchid Digest ou na Orchids, da American Orchidy Society - AOS. No Brasil, no Boletim Caob e, às vezes, na revista Orquidário. Enfim, eu estou sempre procurando mandar o trabalho para os quatro cantos do mundo, aí ficou ressalvada, todo mundo viu onde ocorreu. Sempre contribuo com estas revista e também na Venezuela com a Orquideophilo, da Sociedad Venezolana de Ciências Naturales - Comité de Orquideologia.

E na Bradea?

Praticamente parou. Eu liguei para lá alguns meses atrás pois eu precisava fazer uma publicação mas não consegui viabilizar.

Cyrt. poecilumVocê encontra dificuldades para realizar seus projetos?

Estou passando por alguns problemas devido ao meu pique de trabalho. Eu venho produzido muito, angariando algumas antipatias, principalmente no Brasil, já que eu publico muito mas eu publico muito porque tenho condições satisfatórias ou excelentes de trabalho.
Trabalhando no IBAMA, eu gozo de certas facilidades, de certos recursos e depois, eu tenho tempo disponível. E por outro lado, eu resumo meu trabalho numa frase: Eu me sinto emocionalmente dependente das orquídeas. Eu não tenho feriado, carnaval, sábado ou domingo. Eu venho sempre ao IBAMA quando não estou viajando. O meu trabalho depende todo de mim: fotografias, adubação, plantio, reprodução através de cápsula. Eu não faço a reprodução propriamente dita mas envio as cápsulas para os 4 cantos do mundo e atualmente estou colaborando com a Chácara Bela Vista na reprodução de Cyrtopodium por sementes. Tudo que eles pedem, eu ponho aqui no SEDEX e mando para eles. Não quero nada em troca, isto é só uma colaboração com eles para a preservação destas espécies. Os comerciantes podem até vender mas não quero nada, eu só mando as cápsulas.

De uma maneira ou de outra, você consegue fazer no IBAMA tudo aquilo que você planeja. Como é isto?

De uma maneira, às vezes, até inexplicável, eu consegui um status, uma posição de independência que eu já faço meus trabalhos independentemente do IBAMA.
Tudo o que faço, mesmo os trabalhos publicados lá fora, eu atrelo ao IBAMA porque é minha casa, porque eu gosto dele. Sempre trabalhei nesta área. Eu era do IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) e depois da junção dos órgãos, foi criado o IBAMA, de modo que sempre estive nesta casa.
Sob o ponto de vista de trabalho, eu gosto do IBAMA ao qual estou atrelada mas, mesmo aqui dentro, eu luto com muitas dificuldades. Eu estou sempre batendo de frente com o presidente, com meu diretor, bato de frente com todos que tentam inviabilizar meus projetos, minhas atividades. Dizem que não gostam do meu trabalho, da maneira como trabalho pois não dou satisfação, não dou confiança, sou muito independente mas no Brasil só produz quem fizer assim. Se eu me colocasse na situação de aceitação do "status quo", na situação de autêntica servidora pública, estaria vivendo aquele marasmo, aquele estágio de esperar a morte chegar, sem produzir absolutamente nada. O meu pique de vida é outro. Sou extremamente dinâmica, não tolero a inércia, o marasmo, ficar de braços cruzados. Eu jamais viria para o serviço público para tomar café, ler o jornal, esperar o ônibus para voltar para casa e pegar meu salário no final do mês. Eu teria um infarto.
Um aspecto que eu preciso abordar é a importância do que me é proporcionado pelo IBAMA, como as viagens e diárias para ir a habitats longínquos, distantes. Estes contatos em áreas praticamente virgens corroboraram para completar minhas pesquisas, para o desenvolvimento dos meus trabalhos e para fazer descobertas. Se eu quero ir para o Pantanal, ficar uma semana lá, eu vou. Existem problemas mas como eu já tenho um certo nome, as coisas acabam acontecendo a meu favor. Isto é muito importante. Agora o resto é por minha conta: publicação, gastos pessoais. Por exemplo, eu tenho máquinas Nikon com lentes especiais, que foram presentes de meu pai, para me ajudar no trabalho e quando vou ao exterior e recebo para dar palestras, eu corro e compro mais material para ser usado em minhas pesquisas.

Você já falou sobre o projeto educacional através dos cartazes. O que mais tem sido feito além disto? Quais os projetos e quais os resultados que vocês conseguem efetivamente? Enfim qual é o "modus operandis" do IBAMA?

Sobre o ponto de vista de preservação propriamente dita, só ficam preservadas (e assim mesmo entre aspas) as orquídeas que se encontrem dentro das áreas protegidas do IBAMA sob a forma de parques e reservas. Fora deste contexto, é praticamente impossível proteger. Este é um assunto que eu tenho debatido muito.
As sociedades orquidófilas precisam se conscientizar da necessidade de um programa de educação ambiental para os seus associados. As atividades orquidófilas estão sempre voltadas para a coleta e coletas indiscriminadas. É comum as pessoas irem ao mato, coletarem além de suas necessidades e muitas vezes, quando eu pressionei algumas pessoas sobre este aspecto, elas me disseram que queriam deixar um lote no chão do orquidário para fazer trocas com outras regiões do Brasil.
Então a coleta é sempre depredatória e eles ainda se baseiam naquela velha premissa, que hoje é motivo de riso para nós. Elas alegam que tiram as orquídeas antes que a mata seja derrubada. Baseado nesta proposição, então, já imaginou, sempre que alguém chegar num local, vai tirar tudo muito rápido porque amanhã esta floresta pode não estar mais aí. Acho que este não é um caminho correto. As sociedades orquidófilas não desenvolvem nenhum programa de educação ambiental.

Apreensão feita por equipe do IBAMA chefiada por Lou Menezes.
Comércio ilegal de orquídeas e pedras retiradas de áreas de preservação

Além disto, fazemos atividades repressoras. Há quinze dias atrás, comandando um grupo de fiscalização do IBAMA, apreendi uns caminhões de pedras de área de preservação com as orquídeas. Nós conseguimos apreender como pode ser visto nas fotografias. Mas, na verdade, hoje em dia eu luto por publicação. Embora sofra por não poder fazer mais, porque existem as áreas de preservação, mas assim mesmo entre aspas, porque há invasão, há roubo, há corrupção de funcionários do IBAMA. Os guardas, às vezes, recebem propinas para coletar plantas, aí pelos interiores perdidos, para orquidófilos. São eles próprios que contam isto. Dizem que o IBAMA não faz nada e que conhecem gente que ofereceu propinas para guardas em reservas distantes, longínquas e eles, por alguns trocados, deram as plantas. Então o problema é extremamente complexo.
O IBAMA necessita de pessoas para tornar mais efetiva a fiscalização. Nós temos parques e reservas onde existe só uma pessoa tomando conta de milhares e milhares de hectares. Outros que não tem ninguém, só tem a área demarcada. É impossível haver um controle. Existem pesquisadores que, na verdade, são pesquisadores entre aspas pois são coletores comerciantes de orquídeas. Tudo isto em acontecido. Há alguns anos atrás eu fiz uma apreensão numa exposição do Espírito Santo que deu um blá-blá-blá terrível. Fui até atacada pela imprensa daquele estado. Há pessoas que vivem sob uma aura de pesquisadores, conseguem um status irreal de pesquisador, quando na verdade são comerciantes e gozam, na imprensa, de prestígio como grandes colecionadores, grandes pesquisadores.
O IBAMA tem sempre estas atividades mas tudo é extremamente difícil.
Eu acho que um outro grande objetivo seria se dar prioridade à reprodução das espécies em laboratório para que a coleta de plantas nativas seja definitivamente proibida. Isto seria uma conscientização em alto nível que, dificilmente, nos próximos anos será alcançada. O orquidófilo precisa se conscientizar que só deve comprar planta nativa reproduzida em laboratório, mas ele tem um conceito esdrúxulo sobre isto, ele acha que a planta reproduzida em laboratório não é mais a mesma nativa do mato. Ele quer a do mato, ele não quer a do laboratório.
Existem orquidófilos que tem uma renda, além de suas atividades orquidófilas, uma atividade paralela como coletores para os orquidários comerciais.
Outro aspecto de depredação diz respeito aos modismos. Se instituiu, de 4 ou 5 anos para cá, o modismo no Brasil que é o cultivo das Catasetineas. Está um desastre. Há colecionadores que se desfizeram de todas as plantas que tinham para ficar só com o Catasetum, porque a paixão é Catasetum. Resultado,em Mato Grosso do Sul e outras áreas aqui perto de Brasília, em Anápolis, há uma devastação que não tenho sequer cálculo da sua grandeza. Coletam, coletam e coletam Catasetum.
Nós temos denúncia aqui no IBAMA de que em São José do Rio Preto, duas pessoas montaram orquidários gigantescos e estão recebendo caminhões de Catasetum vindos do Mato Grosso. Ainda não pudemos fazer nada, mas vamos fazer.
Alguns desses líderes-cultivadores de Catasetum se dizem preservacionistas. Para mim, eles fazem um discurso ecologicamante perfeito, de que estão protegendo, de que estão reproduzindo, mas não é verdade. Eles estão limpando as áreas. Recentemente, o Dr. Cleber Lacerda, que é o grande conhecedor das Catasetineas, junto com o Francisco Miranda, diz que hoje ele chora e se arrepende de ter levado algumas pessoas nos habitats que só ele conhecia porque eles voltaram depois e limparam as áreas que vão desde a Amazônia até Minas e Brasil Central, que são áreas de grande ocorrência de Catasetum. Estes modismos são extremamente prejudiciais. Ainda existem algumas particularidades envolvendo este modismo com as quais eu não concordo e não vou deixar de expor meu ponto de vista quando eu acho que as coisas não estão sendo bem conduzidas. Eu acho que a prioridade deve ser dada à reprodução de espécies nativas e cruzamento de variedades de Catasetum.
Para que se dedicar ao cruzamento de Catasetum com Galeandra, que é uma coisa aberrante, estranha, que não leva a nada? Não há muita lógica nisto, os americanos e japoneses já estão cem anos na nossa frente com estes cruzamentos exóticos. Nós estamos vivendo um momento crucial de preservação e conservação da natureza. Que as pessoas reproduzam as espécies e enviem cápsulas aos quatro cantos do mundo, esta deve ser a prioridade.

Você realmente briga pelo que você acredita.

Claro! E o que mais quero? A primeira coisa que quero é viver muito mas, antes de morrer, quero ver meu caminho pavimentado de publicações sobre a flora de orquídeas do Brasil. Este é o meu objetivo básico. Produzir muito, apesar minhas deficiências porque todo mundo tem seu limite, mas eu gozo de um privilégio cultural porque eu venho de uma família de pai e mãe cultos, intelectuais, eu recebi uma educação esmerada, tenho uma boa base cultural, disponho de tempo. Estas facilidades me ajudam a caminhar mais rapidamente neste setor. Estudei quatro a cinco anos de Latim para poder desenvolver minhas diagnoses e assim mesmo eu submeto todas elas ao Padre Gonzalez. Às vezes, ele brinca e escreve que a discípula já ultrapassou o mestre. Apenas por carinho, porque ele é um erudito, quem me dera ter aquela cultura, grego, latim, tudo ele sabe.
Eu vivo este lema, eu vivo esta situação, eu sou dependente emocionalmente das orquídeas.

Qual a sua posição em relação à preservação da Dicksonia, ao uso do xaxim?

Este é outro problema crucial pois o xaxim é excelente, é uma dádiva de Deus, ele é quase insubstituível e muito pouco está sendo feito.
A extração da Dicksonia selowiana tem sido um problema eterno para o IBAMA. É proibido mas o comércio ilegal, por debaixo dos panos, existe. Às vezes, eu vou nas floriculturas aqui em Brasília para fazer levantamento e fico abismada com a quantidade de mudas adultas que vêm do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, principalmente de Santa Catarina. Eu acho que deve se implantar também a reprodução dele em larga escala, mas nós temos aquele problema difícil de ser superado pois, muito mais que as orquídeas, o xaxim é de um crescimento de lesma. E nós vivemos uma política imediatista, o brasileiro é imediatista. Mas temos que começar. Se nossos pais, nossos antepassados tivessem começado, já estaríamos colhendo os frutos. É necessário que se desenvolva um processo de reprodução de xaxim. Alguma coisa tem sido feita, mas é efêmera, é mínima. Acho também fundamental que se desenvolvam substratos alternativos, é preciso se instituir uma pesquisa nesta busca como o coxim, por exemplo, que tem sido desenvolvido pelo Professor Augusto Burle, de Recife.

Afinal, existe ou não um projeto de manejo de xaxim? Não está se fazendo nada?

Eu não estou bem a par disto mas algumas firmas de Santa Catarina estão fazendo. Elas querem comercializar e então apresentam propostas mas eu não sei bem, pois este setor específico não é o meu. Mas a coisa é débil, não tem consistência, nós ficamos nesta dependência financeira, de pessoal, de empenho e dedicação.

Nós tivemos notícias de que o IBAMA tem conhecimento da existência de carimbos falsos usados para exportação. É verdade?

Isto sempre existiu e o IBAMA luta contra tudo isto mas a falsificação em todos os meandros das sociedades é uma realidade e aqui, infelizmente, não poderia ser uma exceção. Falsificação de guias de madeira, de extração de madeira na Amazônia, vemos todos os dias nos jornais.

Cyrt. poemilum var. fulvumO que falta ao IBAMA para uma luta mais eficaz? É verba? São pessoas qualificadas, honestas?

É tudo isto. Na verdade falta material humano, digamos assim. Para uma fiscalização mais efetiva precisaria o que? Aumentar o quadro de fiscais do IBAMA mas isto não é possível pois nós estamos com restrições às contratações, a concursos públicos por causa do programa do governo. Segundo, precisaríamos ter pessoas sérias envolvidas no problema de preservação. Eu sempre digo que o IBAMA precisa de naturalistas que vivam a causa ambiental, com amor, com dedicação. Chega de burocratas que cumprem a lei e as obrigações de forma fria, como verdadeiros robôs.
Assim como eu sou pelas orquídeas, existem outros por outros setores e o progresso se faz de pequenas coisas, ele não é uniforme. Se eu tenho esta loucura por orquídeas, esta dedicação, outros tem por outras coisas. Nós temos aqui, na parte de piscicultura, um rapaz que é muito dedicado. No setor de madeiras, temos outro que é grande especialista em mogno, em manejo florestal, que é o Antonio Bezerra, também engenheiro florestal. O IBAMA tem excelente pessoal técnico mas muitos não são corretamente, devidamente aproveitados e há deficiências de ordem pessoal, de ordem financeira, como salários defasados. Este é o grande problema: o aproveitamento do pessoal é inadequado.
Principalmente nesta causa ambiental, é preciso colocar pessoas certas nos lugares certos. Os cargos deveriam deixar de ser usufruídos por políticos que não foram eleitos. Este é também um problema crucial.
Agora mesmo estamos vivendo um drama aqui. Qual vai ser o destino do IBAMA? Vai se tornar o quê, uma agência? Não tem nada ainda definido por causa da reforma do governo. Eu, pessoalmente, tenho uma posição crítica, sob o ponto de vista político, embora o servidor público seja violentamente contra, eu sou a favor do governo Fernando Henrique Cardoso. Este meu posicionamento é muito contestado mas eu tenho grande simpatia por ele, acho que nunca tivemos um presidente tão sério, tão bem intencionado. Em todas as reformas, em qualquer lugar, para que um país alcance um estágio de melhoria de qualidade de vida e de riqueza, como todo mundo sabe, os projetos, os programas, as reformas sacrificam parte da população. Mas é aquilo que já falei, tudo tem que ser imediato, o brasileiro é imediatista, não se quer dar prazo. Já vivemos há 3 anos com moeda estabilizada, mas existem sempre as cassandras dizendo que mais um mês ou mais dois meses, o real vai para o brejo. Existem aqueles políticos e empresários que estão torcendo mesmo para que isto aconteça, pois só assim aparecem, só assim poderão ganhar mais dinheiro. Eu sou totalmente favorável à política governamental. As deficiências no serviço público são calamitosas, só desenvolve um trabalho quem ter amor ao que faz. Eu acredito que 40% ou 30% dos servidores públicos realmente desenvolvam um trabalho consciente e sério, o resto é alegoria.

Como você consegue publicar seus trabalhos aqui no Brasil?

Devido ao destaque que dou, as pessoas pensam que meus trabalhos são bancados pelo IBAMA. Absolutamente, ele não paga nenhuma publicação. Todos os meus livros e publicações são bancados por empresas particulares e instituições. Meu livro Laelia purpurata teve o projeto todo bancado pela Ceval. Simplesmente eu tenho um jogo de cintura muito grande, eu me viro daqui e d'acolá e meus livros são todos pagos por empresas ou instituições científicas. Mas lá fora, eu deixo que esta imagem seja aceita e reconhecida.

Quais são as condições de cultivo de orquídeas aqui em Brasília?

Em Brasília, nós gozamos de um privilégio. Estamos a 1.000m de altitude e podemos cultivar quase tudo, até as plantas de nível do mar vão bem aqui. Isto é muito interessante, não é? Cyrt. cachimboense

A que você atribui isto? A esta queda noturna constante de temperatura tão importante para a floração?

Exatamente! Esta diferença é muito importante - dias quentes, noites frias. Veja as Laelias rupícolas em Minas Gerais, de dia, elas torram, de noite, vem a umidade, o orvalho e a queda de temperatura. Eu subi numas pedras onde havia Laelias rupícolas, em Minas, eu estava de botas e sentia o calor que saía das pedras, coloquei a mão e pensei como é que estas orquídeas estão aqui e de noite fez um frio miserável.
Brasília dá certo por causa disto mas o único problema é que os orquidários não podem ser abertos, têm que ser fechados para poder reter umidade e com rega automática. No nosso orquidário, optamos por colocar bastante vegetação no chão para conseguirmos a umidade relativa em virtude da evapo-transpiração e fechá-lo todo com sombrite. Desta maneira, tudo dá certo muito embora nós nos deparemos com algumas dificuldades, como algumas plantas da Amazônia que são difíceis de serem cultivadas. Isto é devido à necessidade de uma umidade ambiental muito elevada e não ao frio, pois, ao contrário do que as pessoas acham, na Amazônia à noite, faz frio. Eu vou sempre lá mas na primeira vez que fui, quase morri de frio num barco, no rio Trombetas. Não levei casaco e era um barco aberto. Durante 5 horas tremi de frio. O frio de Brasília é sequíssimo com umidade relativa atingindo até 10%, quase deserto.

Então as espécies de Dendrobium devem se dar muito bem aqui?

Eles vão muito bem aqui, todos maravilhosos por causa do frio de junho/julho, mas eu só gosto dos cachos.

Como você se interessou por orquídeas e qual é a sua formação?

Comecei a me interessar pelas orquídeas na minha adolescência, aos 14, 15 anos. Aquele interesse, muito mais do que simples curiosidade, por causa daquela atração que a orquídea exerce sobre algumas pessoas mas não sobre todo mundo. Orquídeas exercem um fascínio sobre um grupo de pessoas e eu faço parte deste grupo. Então eu comecei tendo uma plantinha, outra e muita curiosidade nas minhas andanças pelo mato.
Quando entrei para a universidade, onde acabei me formando em Engenharia Florestal, Ecologia e Botânica, fui, sem querer, chamada para trabalhar no IBDF. São estas coisas que acontecem, pois nem estava procurando emprego. Estava terminando o curso de Ecologia, já era formada em Engenharia Florestal, e um amigo me chamou para trabalhar no Departamento de Parques, do antigo IBDF, hoje IBAMA. Cheguei lá e fiquei completamente desorientada com aquela papelada, um pouco aturdida sem saber o que fazer com processos, dar andamento e outros coisas. Com o tempo, eu descobri que eu podia conciliar meu hobby de colecionar orquídea com a pesquisa propriamente dita. Timidamente iniciei meus primeiros trabalhinhos e, logo no primeiro, eu fui surpreendida porque foi aceito no exterior, pela Orchid Digest. Primeiro engatinhando, depois já andando, aos poucos, eu fui desenvolvendo trabalhos, me aprofundando nas espécies, mantendo uma correspondência intensa com outros estudiosos. Com as publicações fui me tornando paulatinamente conhecida. Veio meu primeiro livro "Cattleya labiata" e de lá para cá, as coisas já são bem conhecidas. Já comecei me voltando para o exterior, aí talvez tenha sido a minha grande sorte.
Tudo isto foi um verdadeiro milagre que ocorreu na minha vida, pois feliz daquela pessoa que trabalha naquilo que gosta. Este trabalho feito com tanta dedicação é fruto desta situação. Eu trabalho com o que gosto.
Eu viajo constantemente e estou bem familiarizada com a flora do Brasil, sei que muita coisa ainda tem que ser feita, muita coisa tem que estudada, registrada e é a isto que me proponho: dar continuidade ao trabalho que venho fazendo.
Às vezes até as pessoas no IBAMA me perguntam: - E depois, quando você morrer? O que vai ser?
Eu procuro levar tudo na brincadeira, na ironia e como eu sei que infelizmente no Brasil nós vivemos sempre aquele lema de que nada tem continuidade, digo sempre: Depois de Lou, o dilúvio. É triste esta realidade. Se eu pressentir que eu estou prestes a morrer ou quando eu envelhecer, eu garanto que eu faço uma doação da minha coleção para grandes centros no exterior porque no Brasil não há credibilidade, não há nada. Lá fora, eu sei que as coisas estarão mais garantidas. Não se sabe o que será o amanhã, mas, nesta parte de pesquisas de orquídeas, há muito poucas pessoas sérias envolvidas. O IBAMA mesmo, não sei o que será de seu amanhã. Nós vivemos um período de mudanças e muitos consideram que pesquisa dentro do IBAMA é uma coisa que não deveria existir pois, para eles, o IBAMA seria meio e não fim. Eu acho isto uma bobagem. Eu poderia até ir para um centro de pesquisa mas o importante é que não interessa onde eu esteja, o importante é que eu tenho conseguido fazer alguma coisa, tenho produzido, tenho criado, tenho conseguido cada vez mais facilidade pois depois que você se torna um pouco conhecida, as portas se abrem mais facilmente mas este é um processo a longo prazo, ainda falta muito para que eu obtenha as coisas com mais facilidade ainda. Só com tempo vai-se chegando onde se quer.


Entrevista realizada no IBAMA - DIREN / DIREF
Diretoria de Recursos Naturais / Departamento de Recursos Florestais.