Jorge Verboonen
Raimundo Mesquita

No folclore da OrquidaRio, pelo menos na época em que me tornei sócio, existia uma lenda sobre a dificuldade de trato do clã dos Verboonen, proprietários do orquidário Binot, que era quase tratado e referido como uma sociedade secreta, onde só os eleitos e escolhidos tinham acesso e guarida...
Isto só fazia aguçar a minha curiosidade de iniciante que se orientava pelo "faro", tendo como única regra de orientação nas minhas escolhas e preferências, em matéria de orquídeas, seguir e observar a única norma que, ainda hoje, considero válida: a beleza.
Lá um dia me decidi a visitar o estabelecimento que, para mim tinha um ar de parádoxo: casa de comércio e, ao mesmo tempo, meio hermética, mercê do temperamento dos donos. Estacionei meu carro no pátio e fui entrando atraído pela beleza e quantidade de plantas floridas: passei, primeiro pela sala de vendas, cheia de plantas floridas. Não havia ninguém. Fui seguindo adiante, entrando onde as portas estavam abertas - e estavam todas! Para um sociedade secreta estava até aberta demais...
Entrei numa sala grande, espécie de galpão, onde havia grande movimentação, muita gente ocupada em embalar plantas, remessas para clientes, exposições, revendas, sei lá, havia uma quantidade enorme de flores gigantes, grande preferência na época: Pastoral, Turandot, Culminant...
Senti-me invisível, já que circulava por ali e ninguém me interpelava querendo saber o que eu queria ou o que estava fazendo ali, numa área restrita.
Deparei-me na barafunda de tantas flores, com uma linda touceira, intensamente florida de Cattleya bowringeana e, meio sem jeito, perguntei a um rapaz alto (que, bem depois, descobri chamar-se Maurício...), que parecia comandar os trabalhos, se aquela planta estava reservada ou, caso não, se me podiam vender.
Resposta: - Aqui não tem planta reservada, ou está vendida ou se vende e como essa não está vendida...
Comprei, paguei e pedi que ficasse num canto até o fim do meu passeio pelas estufas (aí eu já me sentia autorizado...).
Photo: Raimundo Mesquita Numa estufa pequena deparei como uma grande quantidade de Masdevallias, que não conhecia e demorei-me na contemplação de uma que me agradava especialmente.
De repente uma voz suave e plácida vinda de traz de mim, me perguntou:
- Gosta de Draculas? Essa aí é a lotax, das poucas, senão a única, que também ocorre no Brasil.
Respondi que sim, que gostava, pedi informações sobre cultivo e conclui que tinha condições de cultivá-la no sítio que tenho na serra dos Órgãos. Perguntei o preço e ouvi a resposta que não ia me custar nada, era um brinde da casa porque era a minha primeira visita (pensei, também, que no fundo ele estava pensando que como eu ia matar a plantinha...).
Agradeci e me apresentei e ouvi de volta o seu nome: Jorge Verboonen.
Materializava-se para mim, ali, um dos grandes nomes da orquidofilia brasileira de então, ao lado de Rolf Altenburg, de Guido Pabst e mais uns poucos, que, como depois descobri, são as referências internacionais da orquidofilia brasileira. Quando se chega na Europa sobretudo e sabem que você é brasileiro e orquidófilo ou mencionam os outros dois, ou falam no Jorge Verboonen, grande conhecedor de orquídeas e descobridor de muitas espécies. Observo que é uma presença mais constante e mais discreta, como era o Jorge.
Vejam que usei o verbo da última frase já em tempo pretérito, porque acabamos de perder o último dos grandes nomes de uma geração privilegiada de cultivadores, sobretudo de conhecedores de orquídeas e com ele vai-se uma época...
Quero, no entanto, dizer ao Jorge que ainda hoje tenho uma boa quantidade de touceiras daquela Dracula lotax…