Vitorino Paiva Castro Neto e Marcos Antonio Campacci
Foto/photo: Sergio Ararujo
Vitorino Paiva
Trabalhando juntos ou sozinhos, eles vêem estudando as espécies brasileiras há 20 anos, sempre preocupados com a correta identificação e ocorrência de nossas orquídeas. Os gêneros Bifrenaria, Pabstia e Encyclia mereceram especial atenção mas gêneros tais como Oncidium, Promenaea e Pleurothallis são também objeto de seu trabalho.
Recentemente, eles descreveram mais de 25 novas espécies brasileiras.
Nesta entrevista, eles esclarecem dúvidas sobre sinônimos, falam de seu método de trabalho e sobre os mais recentes trabalhos concluídos, Icones Orchidacearum Brasiliensis I e Flora Brasileira, Orquídeas 1 (CD Room)

Foto/photo:  não fornecido/not avaiable
Marcos Campacci


 
Orchid News: Como vocês começaram a se interessar pelo estudo das orquídeas? Primeiro foram orquidófilos e depois orquidólogos?

Marcos A. Campacci: - É mais ou menos isso mesmo que aconteceu. Por volta dos anos 80, eu pertencia, como até hoje pertenço, ao Círculo Paulista de Orquidófilos e, depois de uma certa experiência com as orquídeas, comecei a perceber as grandes confusões existentes com relação a essas plantas. Assim, tanto a sua identificação, quanto os hábitos, ocorrência, etc. me traziam muitas dúvidas que normalmente não eram solucionadas pelos companheiros mais experientes.
Sempre tive bom relacionamento com o pessoal do Jardim Botânico de São Paulo, que me ajudava sempre que possível, mas muitas vezes isso era muito difícil.
Nosso companheiro Eduardo L. M. Catharino, que também fazia parte do quadro do Jardim Botânico de SP e que muitas vezes ia conosco (ele, eu, Vitorino, Pedro Vedovello, Artur N. Heger, entre outros) a excursões às nossas matas, me apresentou o saudoso Guido Pabst e com isso passei a consultá-lo com freqüência, tornando-nos bons amigos.
Com isso comecei a entrar mais profundamente nesse mundo maluco das orquídeas...
Quando Pabst faleceu nos sentimos um tanto quanto órfãos e aí comecei a trabalhar sozinho e, também com alguns outros companheiros, principalmente com o Vitorino Paiva Castro Neto.


Vitorino Paiva Castro Neto: Bem, foi uma série de circunstâncias. Primeiro o contato com orquídeas advindas de uma coleta na região de Ubatuba, em seguida o conhecimento e o contacto com o Circulo Paulista de Orquidófilos, através do qual fiz conhecimento do Eduardo Catharino, Marcos Antonio Campacci, Pedro Vedovello, Arthur N. Herger e outros.
O grande incentivador nesse início foi o Eduardo Catharino que já tinha um maior conhecimento das espécies de orquídeas e era estudante de Agronomia e tinha muito contacto com o pessoal do Jardim Botânico.
Havia nessa época uma grande motivação para coletar orquídeas na Serra do Mar e identificar o seu nome, sendo em grande parte solucionado pelo saudoso Guido Pabst, apresentado pelo Eduardo Catharino.
Com o falecimento do Pabst, ficamos órfãos, sendo, portanto, compelidos a iniciar estudo próprio e com outros companheiros, sobretudo, com o Marcos Campacci.



ON: Qual é a formação profissional de vocês? Vocês têm outras atividades ou se dedicam exclusivamente ao estudo das orquídeas?

MAC: Sou formado em Artes Plásticas (desenho, gravura, fotografia e pintura) pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e durante muito tempo trabalhei em agência de publicidade.
Agora me dedico principalmente ao estudo das orquídeas, e para sobreviver trabalho por conta própria com computação e também com o comércio e cultivo de orquídeas e bromélias, tendo há anos atrás participado da criação do Projeto Caapora do qual me afastei alguns anos depois da implantação.


VPCN: Sou engenheiro químico com mestrado em química têxtil na França, tendo sido professor da Faculdade de Engenharia Industrial durante 13 anos na cadeira de química dos tratamentos têxteis e química dos corantes.
Trabalhei também durante anos em indústrias correlatas e atualmente sou engenheiro credenciado junto as Alfândega de Santos e de São Sebastião.



 
ON: Embora tenham se dedicado muito às Bifrenarias, espécies de diversos gêneros e de diversas origens foram descritas por vocês. A lista é grande: Promenaea, Pabstia, Catasetum, só de Zygopetalum foram dois (silvanum e sincoranum), Oncidium (chapadense, ouricanense, silvanum, schunkeanum). Como se dá isto?
 
  Oncidium ouricanense
(clique na foto para vê-la ampliada)
Zygopetalum silvanum
(clique na foto para vê-la ampliada)
Encyclia dasilvae
(clique na foto para vê-la ampliada)
 
VPCN: O estudo das bifrenárias começou, inicialmente, com o estudo da seção Stenocoryne. Nessa época tive grande auxílio de Rolf Grantsau, renomado ornitólogo e naturalista, que desenhou todas as espécies dessa seção.
A descrição das várias espécies teve várias origens: umas através de várias visitas a habitats, outras de material recebido, sobretudo, de Edmundo Ferreira da Silva.
A primeira orquídea descrita, Oncidium schwambachiae, junto com Antonio Toscano de Brito, foi possível graças a uma planta fornecida por Roberto Kautsky e pelo fato de possuir em coleção os Oncidium pumilum e O. morenoi, possibilitando as devidas comparações.


MAC: Eu me dediquei mais aos gêneros Oncidium, Promenaea, Cattleya, Encyclia e mais recentemente Pleurothallis. Comecei fazendo os desenhos de tudo que aparecia pela minha frente (quando possível) e fui acumulando-os para poder chegar a uma conclusão mais clara sobre as espécies e ainda continuo fazendo isso. Eventualmente aparece uma ou outra planta que não deixa dúvidas quanto a ser nova. Aí faço um trabalho específico em cima dessa determinada planta, muitas vezes em conjunto com outra pessoa.
 
Assim foi o caso da primeira espécie que descrevi, junto com Pedro Luiz Vedovello (companheiro do CPO já falecido), a Cattleya tenuis Campacci & Vedovello. Essa planta era tão comum nas exposições e ninguém tinha se dado conta da novidade. Chamavam-na de "Cattleya bicolor de Pernambuco", isso devido a muitos e sucessivos enganos, uma vez que ela é nativa da Chapada Diamantina na Bahia e não tem nenhuma semelhança com a Cattleya bicolor Lindl., nem no porte vegetativo, pois ela é muito característica e facilmente reconhecível mesmo sem flores. Depois vieram muitas plantas descritas com o Vitorino, principalmente do gênero Encyclia, do qual ainda temos 2 espécies novas para descrever.
Cattleya tenuis - foto/photo: M.A.Campacci

 
Ao mesmo tempo houve outras:
descritas com Roberto Anselmo
Kautsky do Espírito Santo tem a
Eltroplectris assumpcaoana e
a Maxillaria schunkeana
(clique para ver a foto aumentada);
Maxillaria schunkeana - Photo: M.A.Campacci
 
com Eduardo L. M. Catharino do Jardim Botânico de São Paulo,
o Oncidium schunkeanum
(clique para ver a foto aumentada);
Oncidium schunkeanum - Photo: M.A.Campacci
  com Carlos Espejo da Venezuela,
o Oncidium pabstii
(clique para ver a foto aumentada)
Oncidium pabstii - Photo: M.A.Campacci
  e com Roberto Takase, o Phragmipedium chapadense (clique para ver a foto aumentada).
Phragmipedium chapadense - Photo/foto:  Roberto Takase

 
ON: Campacci, a ocorrência do Phragmipedium chapadense é muito curiosa, o que você pode nos esclarecer a respeito?
 
Phrag. vittatum (Vell.) Rolfe (foto: Roberto Takase)
(clique para ver a
foto aumentada)

MAC: Bom, se você observar atentamente, no livro Orchidaceae Brasilienses vol. I - pag.176, o desenho que consta como sendo Phragmipedium vittatum, trata-se na realidade do novo Phrag. chapadense.
Esse engano deve-se provavelmente ao fato de que o Phrag. vittatum é muito abundante na Chapada dos Veadeiros e, por não se observar mais atentamente as plantas ou pelo pouco conhecimento que se tinha desse gênero naquela época.
Todas as plantas que vinham daquela região eram tidas como sendo
Phrag. vittatum
, sem que fosse dada uma maior atenção a respeito.

 
ON: Vitorino, você que fez um estudo sistemático do gênero Pabstia, tem alguma coisa que destacaria neste estudo?

VPCN: Às vezes eu me pergunto se as coisas acontecem por acaso, ou se existe alguma coisa guiando.
Já ha algum tempo vinha me dedicando e acumulando informações sobre o gênero Pabstia, xerocando as descrições originais das publicações existentes na biblioteca do Jardim Botânico e guardando em álcool as flores dos exemplares que possuía ou tinha obtido de outros, foi então que uma série de acontecimentos me proporcionaram o aprofundamento no estudo deste gênero.
No fim dos anos 80, em visita ao Orquidário Binot, encontrei uma Pabstia florida que nunca tinha visto, solicitei ao Maurício que me vendeu a planta, inicialmente pensei tratar-se de um híbrido, porém não tinha como relacioná-la com as espécies que conhecia, de modo que ficou em espera para saber se correspondia a uma espécie já descrita ou era uma nova espécie. A confirmação de que se tratava de Pabstia triptera veio com o exame que fiz, em Kew, do holótipo.
Em dezembro de 1991, quando em visita ao orquidário de Vital Schunk, deparei com várias plantas de Pabstia, tendo adquirido estas, de modo que após florescerem em meu orquidário pude observar que se tratava de nova espécie, Pabstia schunkiana.
Em Kew foi possível também analisar todos os tipos ali existentes e tirar então as conclusões para completar o trabalho
.

 
ON: Isto significa que recebem muitas plantas para identificar, do Brasil todo ou fazem muitas visitas a hábitats?

MAC: Quanto a receber plantas de muitos lugares diferentes do Brasil, a resposta é afirmativa, assim como visitar muitos hábitats.


ON: Quem seriam estas pessoas? E quais seriam os hábitats?

MAC: Bom, recebemos plantas de muitos lugares do Brasil, principalmente do João Batista Ferreira da Silva (do Pará) e do Edmundo Ferreira da Silva (sul da Bahia). Existem muitos outros, de forma esporádica, por exemplo: Roberto Kautsky (do Espírito Santo), Antonio Antonelli (de Sorocaba), Erwin Bohnke (de Alagoas e São Paulo), Antonio Prenholato (de Brasilia), Arnaldo Martinho (de São Paulo), Jaci Barbosa (de Ponta Grossa - Paraná), Pedro Oseis Maifrede (de Rondônia), etc., além da nossa própria procura junto aos orquidários comerciais (Binot, Aranda, etc.)
Os principais hábitats que visitamos dizem respeito à própria Mata Atlântica em primeiríssimo lugar, depois têm os campos rupestres paulistas de altitude (muito pouco conhecidos), as serras altas de Minas Gerais, restingas litorâneas de vários estados, região da mata no nordeste, Chapada Diamantina (aqui, só o Vitorino; eu não conheço ainda esse local), regiões de cerrados (tanto em Minas Gerais, Goiás, Tocantins e mesmo alguns em São Paulo). São mais de 20 anos percorrendo esses locais, que sempre nos brindam com grandes surpresas...



ON: Nota-se que Edmundo Ferreira da Silva é uma figura "recorrente" nas espécies descritas por vocês? Vocês poderiam falar alguma coisa sobre ele?
O Zygopetalum silvanum foi encontrado por ele? Quantas espécies já descobertas foram encontradas por ele?

 
MAC: O Edmundo é um amigo do CPO, nascido na Bahia, e que sempre apareceu com novidades trazidas daquele estado, não só orquídeas. Ele descobriu realmente muitas plantas novas, algumas passadas para nós (Vitorino e eu), as quais descrevemos homenageando-o.
Assim, existem entre outras:
  Edmundo Ferreira da Silva - Photo: M.A.Campacci
Zygopetalum silvanum , Oncidium silvanum , Oncidium ouricanense (descritas pelo Vitorino junto comigo);
Maxillaria silvana (descrita por mim);
Promenaea silvana (descrita pelo Fábio de Barros junto com o Eduardo L. M. Catharino);
Bifrenaria silvana (descrita pelo Vitorino);
Aspasia silvana (descrita pelo Fábio de Barros);
Epidendrum silvae (descrito pelo Eric Hágsater junto com o Vitorino);
Rauhiella silvana (descrita pelo A. L. Toscano de Brito);
além da Encyclia fowliei , da Encyclia unaensis e do
 
Epidendrum successivum , que ele descobriu e não levou a fama.
Não sei se ainda falta alguma, da qual no momento não me recordo.

 
ON: Qual o método de trabalho, visitas aos hábitats, aos herbários?

MAC: A pesquisa realmente é muito complexa, abrangendo visitas aos hábitats, aos herbários (os que são possíveis, é claro), consulta a muitos herbários fora do Brasil, através da ajuda de alguns amigos (por exemplo Gustavo Romero, de Harvard), consultas às bibliotecas especializadas, além da assinatura de muitas publicações e compra de livros referentes ao assunto. Mas o que acho mais importante é a longa e constante vivência junto às plantas, com participação ativa nas exposições, visitas a orquidários, e principalmente o exame criterioso das plantas na natureza. Não acredito numa pesquisa só baseada em literatura, sem aprofundar-se na vida real das plantas, ou seja, sem um bom conhecimento dos hábitats.


ON: Vocês dois já têm um longo caminho juntos nestes estudos? Como funciona esta parceria?

MAC: Nós trabalhamos juntos com algumas descrições, mas em muitos casos nossas opiniões são discordantes, embora é claro sem nenhum conflito. Faço minhas pesquisas de forma isolada e só quando temos uma planta que coletamos ou que recebemos juntos, ou ainda quando existe uma interseção positiva para o trabalho, é que nos unimos para tal.

VPCN: O que posso acrescentar em tudo que o Marcos já disse, é a afirmação do Gustavo Romero "Somente um trabalho conjunto, entre um botânico de gabinete que possui as facilidades de obter os tipos e as descrições originais, e um pesquisador do país pode elucidar a confusão existente no mundo das orquídeas".
No caso específico das Encyclias, tenho recolhido, desde o inicio dos anos 80, fotos, descrições originais, livros e material em álcool de todas as espécies.



ON: Vocês fizeram um estudo bem abrangente das espécies do gênero Encyclia e notei outros detalhes interessantes que gostaria que fossem esclarecidos. Quer dizer, muitas destas espécies foram descritas mais de uma vez. Por exemplo, a Encyclia advena (Rchb. f. ) C. Porto & Brade seria a nossa conhecida Encyclia megalantha, então este nome não é válido?

VPCN: Sim, depois de muita observação lendo e relendo a descrição original e tendo recebido o desenho, enviado pelo Gustavo Romero, do holótipo do Herbário de Reichenbach, não me restou mais dúvidas.
Alguns pontos da descrição da Encyclia advena, flor relativamente grande, bonita e com veias escuras nas pétalas, já faziam crer tratar-se de Encyclia megalantha.


MAC: De minha parte não estudei o assunto para poder lhe dar uma resposta. No final tudo volta ao que foi abordado acima. Acho que a definição exata de toda essa nomenclatura ainda vai demorar a ser concretizada, mesmo porque como dito anteriormente é artificial, portanto passível de mudança a qualquer momento.


ON: E as Encyclia piracanjubensis, perazolliana e meneziana seriam a Encyclia argentinensis (Speg.) Hoehne?

MAC: Na minha opinião, sim.

VPCN: Sim, o que sempre digo é que na análise de uma planta encontrada para futura publicação de uma nova espécie, é preponderante ter conhecimento da área de dispersão, do seu porte, folhas, pseudobulbos, inflorescência, distribuição das flores, correlação entre as partes dos componentes florais, época de floração etc., Às vezes, as flores em si são o menos importante, tendo em vista a própria variação natural das flores que podem variar de ano para ano.
Devemos dizer que tal espécie é encontrada em tal região, com tal tipo de clima, tendo a seguinte área de dispersão. Duas espécies próximas, que floresçam em mesmo período, certamente tenderão a hibridar e as duas espécies deixaram de existir como espécies separadas.



ON: E a Encyclia euosma seria a Encyclia flabellifera? A Encyclia cardimii seria a oncidioides?

MAC: Na minha opinião, o nome correto é Encyclia euosma e não flabellifera. A Encyclia cardimii eu considero como válida, pelo menos até um estudo melhor.

VPCN: Eu recebi do João Batista F. da Silva, quando do seu retorno de Kew, alguns slides do Herbário de Reichenbach que ilustravam bem a Encyclia euosma, podendo-se observar que a mesma correspondia à Encyclia flabelifera Hoehne, embora não esteja de acordo com muita coisa no livro das Encyclias de Karl Hithner, com relação a Encyclia euosma somos concordantes.
Quanto a Encyclia cardimii, analisei pessoalmente o holótipo no Herbário Bradeanum e não tenho mais dúvidas quanto ao fato de ser Encyclia oncidioides Lindl.
O Marcos acha que dentro do grupo Encyclia oncidioides devem existir 2 espécies, eu sou reticente, pois enquanto não encontrar os elementos essenciais que caracterizem as 2 espécies pretendidas, para mim vai continuar sendo uma coisa só.



ON: Vocês consideram que Encyclia patens é o nome válido e não E. odoratissima? Certos autores as consideram como duas espécies diferentes. O que leva vocês a concluírem que se tratam da mesma espécie?

VPCN: Hoje em dia não se tem mais dúvida quanto à prioridade de Encyclia patens hook. em relação a Encyclia odoratissima Lindl.

MAC: Ainda não tenho uma definição a respeito, embora esteja usando o nome patens para designar essa (qual?) espécie.


ON:Observo que algumas espécies descritas mais recentemente não estão no Icones, como, por exemplo, a Encyclia tocantinensis V. P. Castro & Campacci e o Epidendrum presbyterio-ludgeronis Gomes Ferreira. Por que?

MAC: Encyclia tocantinensis V. P. Castro & Campacci é sinonímia de Encyclia gonzalezii L. C. Menezes, descrita meses antes. Quanto ao Epidendrum presbyterio-ludgeronis Gomes Ferreira, trata-se de uma planta que não conhecemos muito bem e existem dúvidas e questionamentos complexos com relação às espécies afins do Epidendrum nocturnum Jacq., de maneira que preferimos analisar melhor esse grupo para chegarmos a uma conclusão. Pode ser que existam até outras espécies.


ON- Por falar em sinonímia, me vêm à cabeça, Bifrenaria, um gênero cujas espécies já foram conhecidas Epidendrum, como Maxillaria, depois como Stenocoryne, ora como Adipe, como Lycaste e até como Dendrobium, percebi que tanto no CD quanto nos Ícones, vocês mantiveram todas as espécies no gênero Bifrenaria. Qual a opinião de vocês sobre a nomenclatura deste gênero, vocês não concordam com a migração para Cydoniorchis como é o caso da B. tetragona e B. wittigii (l994).



MAC: Acho uma bobagem de gabinete. Alguns autores nem sempre têm muito material novo para pesquisa e ficam ora dividindo gêneros, ora juntando, sem critérios bem definidos ou por puro preciosismo. Acho que muitas vezes usam pesos e medidas diferentes para chegar a uma conclusão um tanto quanto forçada. Não devemos esquecer que a nomenclatura das plantas é uma coisa totalmente artificial, sendo que na natureza não existem nem gênero, nem família, e, podemos dizer, nem espécie, apenas indivíduos, os quais o homem insiste em querer agrupar, classificar e nomear segundo regras que podem ser verdadeiras segundo determinados prismas, mas que com certeza não são naturais. É uma questão que tem muito mais de filosófico do que de científico...
É uma característica da vaidade humana querer se perpetuar de alguma forma. Então, colocamos nossos nomes nas coisas, nas pedras, nas lápides, nas orquídeas, etc., etc., iludindo-nos com essas atitudes. Quando não existirem mais plantas para se descrever, então se inventará uma nova forma de classificação, e a coisa recomeça.



ON: Em entrevista para o Orchid News, n.º 7, Lou Menezes falou sobre a dúvida existente a respeito da Laeliocattleya albanensis (híbrido de Laelia grandis e Cattleya warneri) e a Cattleya silvana Pabst. Ela mesmo encontrou Laelia grandis e Cattleya warneri floridas no mesmo hábitat, fez o cruzamento e quando formou-se a cápsula e mandou para o Jorge Verboonen (Orquidário Binot) e quando as plantas floriram revelaram-se igualzinhas à Cattleya silvana. No CD do Campacci, ele apresenta fotos da Cattleya silvana. Isto quer dizer que vocês as consideram diferentes? Vocês concordam que a aparência da Cattleya silvana lembra muito o gênero Laelia?

MAC: Bom, as plantas que eu vi daquele cruzamento não são iguais àquelas que eu conheci de Cattleya silvana encontradas pelo Edmundo na natureza, muito embora o Maurício Verboonen (Orquidário Binot), as chame de Cattleya silvana. Acho que ele as deveria chamar de Lc albanensis, pelo menos é o que elas realmente são, como que muitos outros amigos nossos também concordam. De qualquer forma eu ainda não tenho uma definição sobre o assunto. Pode ser que se tenha realmente que considerar como um híbrido natural, mas pode ser que seja uma planta que, mesmo tendo surgido na natureza do cruzamento acima referido, esteja se especializando e ai penso que já poderia ser considerada como espécie. Caso semelhante ocorre com as plantas rupícolas mineiras do gênero Laelia. Será que todas são realmente espécies, ou será que é um grupo ainda não definido? Existe um outro caso muito interessante que é o da Cattleya x dukeana Rchb. f., que ocorre no litoral sul paulista. Essa planta é um híbrido natural da Cattleya guttata Lindl. com a Cattleya bicolor Lindl. Toda a população existente é desse híbrido e não encontramos mais nenhuma das suas progenitoras na sua forma pura, existindo indivíduos que tendem para uma e outros que tendem para outra. E então, essa planta não se encontra em pleno processo de especialização? Quando deixará de ser considerada um híbrido e se tornará uma espécie?



ON: Qual foi a descoberta mais importante que vocês fizeram?

VPCN: As coisas são relativas e a importância que se dá a uma ou outra descrição é muito subjetiva, talvez o caso da Bifrenaria stefanae seja um fato a ser comentado.

MAC: Eu considero todas as descobertas de igual tamanho... Talvez citasse a Cattleya tenuis Campacci & Vedovello, por ser uma planta de um gênero tão estudado e que passou desapercebida pelos olhos de muitos pesquisadores. Dessa planta depois foi descrito um híbrido natural, a Cattleya x tenuata V. P. Castro & Campacci ex Braem, sobre cuja descrição e publicação existe uma historinha um tanto quanto esdrúxula a ser contada... Não agora!



ON: Você poderia explicar o que quer dizer este "ex" que aparece na nomenclatura da Cattleya tenuata?

MAC: Um dos casos principais é quando algum autor faz uma pesquisa sobre nova espécie e não a completa totalmente e o trabalho de publicação é feito por outra pessoa, é colocado esse ex.
Assim temos Cyrtopodium polyphyllum (Vell.) Pabst ex F. Barros, porque o Pabst já estava chegando à conclusão de que o Cyrtopodium paranaense era na realidade o C. polyphyllum, mas ele não chegou a publicar esse trabalho, o qual foi feito depois pelo Fábio de Barros, que muito honestamente manteve o nome do Pabst.
Com a nossa Cattleya x tenuata, o caso não é bem esse, por isso é que tem uma historinha...



ON: Pois é, como se explica o fato de que a Bifrenaria stefanae V. P. Castro só tenha sido descrita em 1991 quanto ela tem uma razoavelmente ampla distribuição geográfica, nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. E Catasetum x pohlianum, em Parati, Estado do Rio?
Todos eles estados já bastantes estudados desde o século XIX. E o porte da planta e da flor não é tão pequeno assim. Já o caso da Bifrenaria silvana V. P. Castro, eu o considero diferente pois seu hábitat, pelo menos, onde foi encontrada até agora, é bem mais restrito
.

MAC: O problema todo reside no fato de que as nossas plantas em sua maior parte receberam seus nomes dados por pesquisadores estrangeiros, e todo acesso a esse material e a informações relativas a esses trabalhos é um pouco difícil. Alie-se a isso as informações desencontradas que já vêm ocorrendo a mais de um século e aos enganos de identificação feitos por muitos pesquisadores, enganos esses motivados pelas mais variadas dificuldades, e ter-se-á um panorama da situação confusa com relação às nossas plantas. No Congresso Mundial realizado no Rio de Janeiro, dizia-nos Gustavo Romero: - "Imaginem um arquivo onde estão as fichas de todas as orquídeas já descritas no mundo. Abra uma das gavetas quaisquer desse arquivo. Coloque seu dedo sobre um ponto qualquer e nesse ponto, seja ele qual for você terá muitos problemas para resolver." Ou seja, os problemas existem em qualquer grupo de orquídeas que você se proponha a estudar...

VPCN: Como o Marcos comentou, as descrições das espécies de orquídeas, em grande parte, foram feitas no século passado, por botânicos estrangeiros, em geral sucintas, e sem a devida ilustração; existia também dificuldade de comunicação entre eles, de modo que espécies foram redescritas.
Muitas vezes, quando os botânicos faziam uma obra de revisão geral não se davam conta e representavam desenhos de uma espécie como sendo de outra, este é o caso de Bifrenaria stefanae apresentada na Flora Brasilica F. Hoehne como Bifrenaria vitellina Lindl.
Como as duas são amarelas e parecidas só uma análise detalhada de alguém que esteja estudando o gênero percebe a diferença entre elas.
Isto é só um caso de plantas relativamente grandes. Estenda o caso para outros gêneros e, sobretudo, para os gêneros de flor pequena (Pleurothalis etc...) para ter uma idéia da confusão que deve existir.

  Maxillaria schunkeana - Photo: M.A.Campacci
ON: Vocês têm descrito várias espécies do Espírito Santo, estado já também tão visitado. A que vocês podem atribuir "esta distração" dos pesquisadores?
Marco, em artigo sobre Kautskya espirito-santensis, você falou sobre este assunto dizendo que a grande quantidade de espécies novas se deve à peculiar conformação geográfica e ao clima ideal.
Descoberta recente destas espécies, inclusive de gênero novo, se deve ao fato de serem praticamente micro-orquídeas como é o caso
  da Kautskya e da Maxillaria schunkeana.
 

MAC: Primeiramente um esclarecimento, a Kautskya espirito-santensis não é uma espécie válida, uma vez que foi descrita poucos meses antes na Alemanha com o nome de Schunkea vierlingii Senghas. A história sobre esse fato é lamentável, não para mim, mas sim para as outras pessoas envolvidas com o fato. Enfim isso é uma outra história, para outra ocasião...
Quanto ao Espírito Santo, realmente é um estado com uma geografia interessante o que propicia realmente a existência de muitos ecossistemas diferentes, gerando muitas espécies endêmicas. Mas, hoje, particularmente, considero o estado do Rio de Janeiro mais interessante em termos ecológicos do que o Espírito Santo, além do fato de que a destruição ambiental naquele estado está me parece um pouco fora de controle. Quanto ao fato de serem plantas pequenas, acho que não vem ao caso, pois elas são muito (e cada vez mais) admiradas pelos pesquisadores e colecionadores.


VPCN: Acho que o Marcos já respondeu bem a esse respeito.
Com relação à discussão cientifica, apresentei minha discordância na World Conference que teve no Rio em setembro de 1996, tendo sido publicada nos Anais do Congresso.



ON: Vitorino, uma vez você me contou uma história a respeito da Encyclia fowliei. Você se lembra?

VCPN: A Encyclia fowlie deveria chamar-se Encyclia silvana, tendo sido combinado na época que o Francisco Miranda se encarregaria de sua descrição, infelizmente o tempo passou e outros se aproveitaram da lacuna para fazer a descrição da mesma.


ON: As espécies de Encyclia encontradas por Alex Primão na região da Casa Branca em SP, seriam sinônimos? Não haveria nenhuma espécie nova como ele julgou, a princípio?

MAC: Não, não há nada de novo naquilo que ele escreveu. Aliás achei aquele trabalho muito, como direi... estranho!

VPCN: Na realidade, só para completar o que o Marcos disse, são apenas citações, porque nem descrição latina é apresentada.
Eu achei até interessante porque veio contribuir no sentido de mostrar a grande variabilidade de Encyclia argentinensis.



ON: Por que o Epidendrum begotii (boletim CAOB 04/12/95) não foi incluído nos Icones?

MAC: É uma sinonímia de Epidendrum dentilobum Ames, Hubbarb. & Schweinf.


ON: Da década de 80 para cá, tem-se descrito muitas espécies novas principalmente na Amazônia, Bahia (Chapada da Diamantina), lugares antes pouco pesquisados, embora também em outras áreas apareça uma ou outra coisa. Isto é sintoma de que ainda teremos mais surpresas em termos de novas espécies?

MAC: Sem dúvida nenhuma. O João Batista anda pesquisando muito na Amazônia e tem encontrado muitas ocorrências novas para o Brasil e também espécies ainda desconhecidas. Considero que o Brasil como um todo ainda tem muita coisa para nos oferecer em relação a novas espécies e ocorrências. O país é ainda, apesar de tudo, muito pouco conhecido.

VPCN: Posso acrescentar que talvez existam ainda 30% de novas espécies a serem descobertas.


ON: Com relação aos hábitats que vocês percorreram e as espécies que estudaram, quais estão em perigo real de extinção?

MAC: Todos, infelizmente. Mas, parece que já há uma conscientização geral da maioria, ou pelo menos de boa parte dos brasileiros, no sentido da preservação ambiental.


VPCN: Sem dúvida a devastação é grande, principalmente no sul da Bahia conforme tem denunciado Edmundo Ferreira da Silva. Espero uma maior conscientização das gerações futuras para que estes hábitats, que são a maior riqueza brasileira, sejam um dia totalmente preservados.


ON: E o CD-ROM "Flora Brasileira - Orquídeas de A a L" que você acabou de lançar? Poderia nos falar um pouco sobre ele?

MAC: O CD-ROM é resultado de muito tempo de trabalho e pesquisa sobre as orquídeas. A idéia é fazer uma obra dinâmica, coisa que a informática nos permite realizar, sem custos excessivamente elevados. Assim esse primeiro CD já pressupõe um segundo (orquídeas nomeadas de M a Z, se couber num só volume) e posteriormente modificações e acréscimos aos dois anteriores.
A forma como foi elaborado dirige-se a um público bem diversificado, sempre em linguagem fácil e com informações básicas ou essenciais sobre as várias espécies abordadas. Procurei mostrar o maior número de espécies e algumas de suas variedades, sem me preocupar apenas com "qualidade de flor", dando ênfase para as principais características das espécies. Em alguns casos, as fotos podem não ser de boa qualidade, mas o espírito é exatamente o de mostrar da melhor forma possível também o maior número de espécies.
Considero ser melhor mostrar-se uma foto um pouco medíocre, entre muitas de boa qualidade, do que simplesmente deixar de mostrar uma determinada espécie apenas porque sua foto não é muito boa.
A resolução usando monitor configurado para 640 X 480, tem o mesmo espírito, ou seja, fazer com que num mesmo espaço caiba muito mais material, porque existe um limite de espaço físico dentro do CD. Se fizéssemos com outra resolução, a quantidade de fotos cairia para 1/4 da atual, o que não acho compensador para o trabalho.
Além da abordagem das espécies, mostro também alguns hábitats, classificação da família orquidácea segundo os últimos conceitos, faço uma homenagem a algumas personalidades ligadas às orquídeas, etc.



ON: Como surgiu a idéia do trabalho "Icones Orchidacearum Brasilienses I" ?
Vocês partiram de que princípio? É fruto de um trabalho de quantos anos?


MAC: A idéia surgiu há muito tempo em conjunto mas é fruto de trabalho do Vitorino e eu tenho participação apenas com parte dos desenhos ali existentes.
 


VPCN: O trabalho no seu total durou 2 anos e meio e a idéia surgiu da necessidade de se criar alguma obra que pudesse, em parte, dar seqüência ao levantamento das orquídeas brasileiras realizado por Guido Pabst em sua obra Orchidaceae Brasilienses.
Foi também utilizado, e se constitui um dos propósitos, o estudo sistemático de alguns gêneros como, Bifrenaria, Pabstia e Encyclia, de modo a aproveitar o que eu já tinha sido feito e publicado e oferecer um trabalho exaustivo aos interessados.
No caso das Encyclias, apresentei um compendio de 34 espécies que facilitarão o reconhecimento das espécies pelos interessados, mas pretendo no futuro lançar um livro ilustrado e detalhando sobre o assunto, expondo minhas idéias sobre o gênero e o modo como este gênero deve ser analisado e como distinguir as várias espécies.
Convém salientar que o trabalho não seria possível sem a grande maioria dos desenhos feitos pelo Marcos e sua cooperação no sentido do manuseio e opinião sobre todo o processo.

 
Devo salientar o auxílio recebido de Gustavo Romero, quanto ao precedimento descritivo, e a grande colaboração do Sr. George Carr que me auxiliou por mais de 1 mês na correção das descrições em inglês.
Existem ainda muitas outras espécies que não foram incluídas neste Icones e que deverão constar em um segundo ou terceiro Icones.


ON: Muito obrigado.