ON: Você atribui a quê esta presença simultânea de plantas da região Amazônica?
Qual seria a explicação fitogeográfica?
O Catasetum macrocarpum, por exemplo, é muito interessante pois ele tinha sido relatado para o norte e o nordeste do País.
No Espírito Santo é uma ocorrência nova.


Cláudio: No Espírito Santo? Sim. Novas ocorrências para o Espírito Santo são muitas. Porque depois do Ruschi, só eu fiz estudos nesta região. Ele ficou muito mais na Mata Atlântica e eu fui fazer a restinga.
Mas Catasetum macrocarpum ocorre no sul da Bahia, coletei em Trancoso. Bahia é nordeste, isto é verdade, e o Espírito Santo é sudeste, mas esta floresta do sul da Bahia chega até o Rio Doce (Estado do Espírito Santo), mais ou menos, então seria a Hiléia baiana também no Espírito Santo.

 

ON: Então esta ocorrência seria na divisa com o Estado da Bahia?

Cláudio: Esta divisa é mal feita.

  ON: Você também constatou a ocorrência de Habenaria fastor, que é coisa nova para o Espírito Santo.

Cláudio: Habenaria fastor não é coisa nova. Existe um erro no livro do Pabst que tem passado despercebido de muita gente. Tem que se prestar atenção numas coisas que acho que vale a pena até falar.
O livro do Pabst dá uma distribuição geográfica para algumas plantas e dá a lista de sinônimos. Habenaria fastor tinha sido descrita por Ruschi como Habenaria nabucoi. Habenaria nabucoi e Habenaria fastor são a mesma planta. O Pabst chegou a esta conclusão. Na verdade, ele nem usou fastor, usou sartor. Fastor é o nome verdadeiro. Mas se ele chegou a esta conclusão que uma planta é sinônimo da outra, como é que o seu sinônimo não está na distribuição geográfica? Aquele estado não está escrito ali, mas não significa que seja uma citação nova.

Habenaria fastor
 

ON: Então ela teria sido registrada anteriormente para o Espírito Santo com o nome de Habenaria nabucoi?

Cláudio: Sim, foi registrada com outro nome. As sinonímias que o Pabst fez para grande parte do Brasil como um todo, acabaram não entrando necessariamente na região de distribuição geográfica da espécie. Este é um caso que eu me lembro agora, não vou me lembrar de todos. Mas realmente citações novas para o estado do Espírito Santo vão ter muitas. Por quê? A restinga do Espírito Santo internamente tem estes dois tipos de florestas diferentes, ou seja, onde acaba a floresta de tabuleiro, começa a mata atlântica de encosta. Esta restinga teve influência disto tudo, vão ter coisas que só vinham até aqui e agora aparecem aqui. Coisas que só vinham até aqui e agora aparecem lá.
Não se espante de poder encontrar Cattleya forbesi em Presidente Kennedy, próximo à divisa com o estado do Rio. Foi uma área que, em minha tese de mestrado, ainda ficou pouco explorada, é a última restinga do Espírito Santo. A gente não tem certeza de até aonde ela penetra na restinga do Rio de Janeiro. Pode ter lá.

ON: Então você não considera que seu inventário sobre a restinga foi exaustivo?

Cláudio: Se foi exaustivo? Eu considero que sim.
Pelo tamanho da área e pelo tempo que tive, eu coletei bem para caramba.
Agora você não pode cercar todas as plantas, em todas as épocas de floração. Eu não criei um orquidário em casa trabalhando com orquídeas, prensei as plantas e depositei no herbário assim como deve ser cientificamente.
Hoje, para a tese de doutorado, se tiver recursos para manter plantas em coleção viva, numa instituição científica que seria o Jardim Botânico, eu poderia coletar planta estéril, coisa que nunca fiz. Posso ter visto uma Cattleya no sul do estado e não ter sabido o que era, como de fato aconteceu. Eu vi Cattleya no sul do estado quando coletei Cattleya guttata, mas era uma Cattleya pequena. Que pode ser Cattleya harrisoniana ou

ON: Cattleya forbesi...

Cláudio: ou...

ON: Cattleya intermedia, não?

Cláudio: A gente não sabe.

ON: Cattleya intermedia até agora nunca tinha sido encontrada no Espírito Santo.

Cláudio: Nunca, mas este trabalho do mestrado foi um primeiro passo para estas coisas.
As divisas dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro serão efetivamente trabalhadas agora no meu doutorado. Pode-se dizer que o inventário de 48.600 hectares em dois anos é exaustivo.

ON: É muita coisa.


  Cláudio: É muita área. Na restinga, há aqueles dois cordões arenosos, um mais próximo da praia e um atrás, no meio deles, o brejo que é a maior parte. Se eu andar em apenas uma parte dele, eu consigo coletar todas as espécies de Habenaria porque o brejo ele é muito uniforme. A propósito, Habenaria fastor, por exemplo, é um planta de brejo.
 

Habenaria repens

Habenaria leptoceras

Habenaria parviflora

Habenaria fastor

 

ON: Você não encontrou Bletia catenulata nas restingas do Espírito Santo?

Cláudio: Eu nunca encontrei esta planta no Espírito Santo mas ela chega na Bahia...

ON: Chega aqui no Estado do Rio de Janeiro, também. Na restinga de Massambaba tem.

Cláudio: Me disseram que tem em um lugar, aqui no Município do Rio de Janeiro.

ON: Esta ocorrência, eu não conheço.

Cláudio: Eu não tenho certeza, não fui ver. Pela descrição seria isto. Bletia catenulata é uma planta muito ingrata de ver quando está estéril, de vigiar sua floração.

ON: Ela perde as folhas...

Cláudio: Ela perda as folhas e não tem pseudobulbo, um verdadeiro cormo com parte subterrânea. Por isto, ela é muito difícil de ser vista quando estéril. Eu, especificamente, procurei Bletia catenulata no sul do Espírito Santo e nunca vi. Fui na época de sua floração nos municípios de Presidente Kennedy, Marataíses, Itapemirim e nunca encontrei. Seriam regiões com brejos similares.

ON: Estas espécies que você encontrou nas restingas, elas são mais limitadas às restingas ou têm uma distribuição ao longo do Espírito Santo?

Cláudio: A maioria das espécies do litoral norte também ocorre nas florestas de tabuleiro que estão atrás da restinga do norte. A maioria das espécies do litoral central sul, onde tem a Mata Atlântica de encosta, é mais específica. Das espécies que ocorrem nas restingas, 27 ocorrem simultaneamente na floresta de tabuleiro, 15 ocorrem simultaneamente na floresta de encosta, 14 ocorrem em ambos ecossistemas e 17 são exclusivas da restinga. Este é o tipo de relação que encontrei no meu mestrado, mas grande parte das plantas tem também em outros ecossistemas, não sendo restritas à restinga. Aí tem o dado que falta na minha tese, pode ser que eu contemple agora usando unidades amostrais na Mata Atlântica de encosta e na mata de tabuleiro. Só fui ver o que tinha na restinga que já havia sido coletado na Mata Atlântica. Agora para o doutorado, para fazer uma análise estatística bem diferente do que já trabalhei, vou coletar na Mata Atlântica tudo que aparecer e aí vão aparecer as outras coisas, além das que têm na restinga.


  ON: Voltando às ocorrências curiosas, tem também a Dimeranda emarginata...
 
Dimeranda
emarginata
 

Cláudio: Muito curiosa, mas é uma planta que tem no nordeste, no sul da Bahia.

ON: Tem também no Amazonas... Mas não deixa de ser curiosa apesar de não ser um registro novo de ocorrência.

Cláudio: Está no livro do Pabst


  ON: Coryanthes speciosa também é uma coisa curiosa...

Cláudio: Muito, muito, esta eu acho que é a coisa mais curiosa, pois não é só ela que está aparecendo no norte do Espírito Santo e sul da Bahia. É Coryanthes speciosa, Epidendrum imatophyllum e uma Piperaceae, sabe estas piperômias que vendem nas floriculturas?
Estas três plantas, duas orquídeas e uma outra plantinha, se associam e nascem em cima de um formigueiro. É tudo disjunto, a formiga, o formigueiro e as três plantas. Ocorrem aqui e lá.
Se pegar o livro do Dressler, de l981, tem uma foto que se você colocar Espírito Santo como legenda, qualquer um acredita, qualquer um, não, pois é pouco conhecido
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Coryanthes speciosa
  Mas a planta é disjunta com Epidendrum imatophyllum, se bem que Epidendrum já é uma planta com maior distribuição e também ocorre fora do formigueiro. Agora Coryanthes speciosa, só dá em cima de formigueiro, um negócio impressionante

ON: A grande dificuldade do cultivo de Coryanthes é esta: como colocar a formiga? Como criar ali um formigueiro?

Cláudio: São plantas que não sofrem uma pressão grande de coleta, porque, apesar de serem interessantes, ninguém consegue coletar para levar para casa. Se levarem, ela morre.

ON: Mas tem gente que consegue. Lou Menezes cultiva Coryanthes macrantha.

Cláudio: Esta espécie eu não sei se ocorre no formigueiro.

ON: Epidendrum coronatum também, pois só havia registro de ocorrência para Amazonas, Pará e Mato Grosso.

Cláudio: Nossa... Eu só encontrei esta planta num lugar na restinga.

ON: Só num lugar? Então é um habitat bem restrito mesmo.

Coryanthes speciosa

 

Cláudio: É, eu só encontrei em Jacaraípe, mas ela ocorre também na reserva da Vale do Rio Doce e na reserva de Linhares. Jacaraípe é o início da restinga do norte do Espírito Santo.


  ON: E a Galeandra stangeana também é registro novo de ocorrência?

Cláudio: A Galeandra stangeana, na verdade, já foi coletada como Galeandra dives pelo Ruschi. Ela é muito confundida com a Galeandra dives, mas é uma outra planta diferente. Efetivamente é a Galeandra stangeana.

ON: Parece que a Galeandra dives nem ocorre no Brasil.

Cláudio: É um erro.


 

Trichocentrum cornucopiae

ON: O que conhecíamos até agora com esta nomenclatura seria, na verdade, a Galeandra claesii.
E o Trichocentrum cornucopiae? Hoje em dia já considerado sinônimo de Trichocentrum fuscum.

Cláudio: Trichocentrum cornucopiae talvez seja sinônimo do Trichocentrum fuscum que ocorre no Rio de Janeiro.

Pelexia maculata

ON: E a Pelexia maculata que era dada apenas para Pará e Amazonas?

Cláudio: Esta também é uma coisa de doido, uma planta de folhas douradas.
É muito bonita, ela é imaculada de dourada.
Você está falando de plantas do norte do Espírito Santo, são plantas restritas ao norte do Espírito Santo.


 

ON: Esta presença de plantas da Amazônia na região Espírito Santo/Bahia me aguçou a curiosidade. Pelo que você está dizendo, esta região seria como uma continuação da Hiléia Baiana. Por que?

Cláudio: Muita gente já falou sobre isto. Martius já disse isto. O nome Hiléia Baiana é uma anologia com a verdadeira Hiléia, que é na Amazônia. A questão é interessante porque na orquídea, tem-se a sensação de que o evento migratório é muito possível. A semente é leve, muito fácil de sair voando e tudo. Numa análise onde você vê que ela está se comportando da mesma forma que as árvores, você diz: " - Espera aí. Se ela veio por migração, por que a Lecyitidaceae não veio por migração (Lecyitidaceae é abricó macaco, sapucaia).
Aquilo não vai pelo vento, mas apresenta o mesmo tipo de coisa que apresentam as orquídeas no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo.
Existem plantas disjuntas com a Amazônia. Qual seria a melhor explicação se não for migração? O cerrado começou a se estender num determinado momento da história da terra, depois a caatinga venho se estendendo atrás dele, é uma zona área que separou os dois grandes blocos de floresta. Talvez tenha sido um dos últimos pontos a se desligar e manteve uma ponte de espécies que continuam vivas até hoje e podem estar, inclusive, se especiando ou podem estar funcionando de uma forma muito parecida nos dois lugares. Não temos respostas para isto. Isto é especulação. Existem dois termos, que até usei na tese, se não é migração, é vicariâcia. São plantas que estão em locais diferentes e mostram que estes locais, um dia, foram juntos. Esta é a explicação que prefiro e adotei na tese. Eu descartei a migração. Ruschi optou por migração. Sei que, na Amazônia, Pedro Ivo Soares Braga estudou migração, o Fábio de Barros fez uma discussão sobre migração. Agora, pela região que estudei, eu prefiro acreditar em vicariância, que era o que Briegeri já dizia no passado.

ON: Quer dizer que a floresta Amazônica já veio até o norte do Espírito Santo e sul da Bahia?

Cláudio: Veio. Um dia elas estiveram juntas, a zona árida cresceu no meio separando as duas grandes florestas. Aí têm as peculiaridades de solo, é um solo argiloso, com muita areia, é sedimentar e de baixada, plano, igual à Amazônia. A maior diversificação se deu na encosta.

ON: Mas não seria uma floresta igual.

Cláudio: Igual não, mas se elas estavam ligadas, elas...

ON: Mas seriam diferentes. Seriam muito diferentes.

Cláudio: Mas elas mantiveram por mais tempo as mesmas características, enquanto a Floresta Atlântica de encosta possibilitou o surgimento de grande de habitats, o que justifica o surgimento de novas espécies. É uma das explicações.
Você quer uma resposta definitiva? Não existe.


ON: É, mas não deixa de ser muito interessante e curioso, pois você vê a planta lá no Amazonas e aqui no sul da Bahia/norte do Espírito Santo. É muito doido isto.

Cláudio: Muito doido, por isto eu quero ir até o sul da Bahia, até Salvador para que, no futuro, eu possa fazer a análise da restinga do Pará ao Rio Grande do Sul. Parece que Salvador é uma barreira de plantas.
Para caminhar mais ainda com o meu estudo, além do meu doutorado, seria preciso começar a estudar as bacias hidrográficas. Então as restingas não estariam limitadas em regiões simplesmente municipais, estas a gente sabe que não, mas em relação às florestas (estou fazendo uma divisão muito simplista, simplória, floresta de tabuleiro, Floresta Atlântica) e estas bacias hidrográficas desta Floresta Atlântica, será que têm influência na florística da restinga? Podem ter.

ON: Você acha que vai viver quantos anos? Com todos estes seus projetos aí... Você precisaria viver duzentos anos, numa boa.

Cláudio: O mestrado levou seis e o doutorado, quatro.

ON: Sim, mas você tem depois o projeto das bacias hidrográficas...

Cláudio: Não, a da bacia hidrográfica eu não faria, mas é um gancho que meu trabalho poderia gerar.
Na verdade, quando se faz uma análise, pode-se fazer sob um ponto de vista apenas, mas está se fornecendo os dados gerais para num futuro fazer, neste caso, as bacias hidrográficas desta floresta.
Eu não vou esconder dados. Vou falar que a planta está aqui, aqui e não está ali. Isto vai estar indicado e qualquer um que quiser trabalhar com bacia hidrográfica e perceber que aquilo que eu apresentei vale a pena ser analisado, vai pegar meu dados e não vai precisra ir para o mato. Eu vou estar usando dados de muita gente para o doutorado. Ou você acha que vou conseguir coletar Rio de Janeiro e sul da Bahia? Dorothy Sue Dunn Araujo já fez metade do trabalho para mim aqui no Rio de Janeiro, coletando na restinga. As orquídeas estavam coletadas e sem determinação, o que foi executado por mim. Se eu tiver que analisar as plantas do Rio, eu já tenho a contribuição de uma grande botânica.

ON: Recentemente nós abordamos a presença das orquídeas nas restingas do Rio de Janeiro, principalmente na de Massambaba, onde usamos os dados de Maria da Penha Fagnani e também da pesquisa de Dorothy Sue Dunn Araujo. O que você encontrou de comum nas restingas do Espírito Santo e do Rio de Janeiro? Elas são mais ou menos uniformes, são parecidas?


  Cláudio: São, mas ocorre aquilo que já falei: a substituição de espécies. Espécies que ocorrem na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, mas não ocorrem na Mata Atlântica do Espírito Santo, ou talvez aquelas espécies de Mata Atlântica que estão vindo do sul para o norte, mas que o limite de distribuição acaba no Rio. Como as que ocorrem na restinga do Rio de Janeiro, por exemplo, a Cattleya intermedia, a Cattleya forbesii.

Cattleya forbesii

Cattleya intermedia
  Quem substitui a Cattleya intermedia no Espírito Santo?
A Cattleya harrisoniana, que vem até Campos.
É a ocorrência de substituição de espécies que ocorre na restinga e são espécies diferentes.
Se especiaram assim, elas ocupam o que a gente chama de mesmo nicho ecológico, mas são duas coisas diferentes.
Por que?
Porque uma é de lá e a outra é de cá.

Cattleya harrisoniana


parte três