Durante esta minha estadia na Austrália, tive a oportunidade de juntar-me a um grupo de orquidófilos australianos e sul-africanos para ir visitar a Malásia e participar do 17º Conferência Internacional de Orquídeas (17ª WOC), em abril passado.
A excursão foi organizada pela Easy Orchids, de Woodburn, NSW, dos meus amigos Murray e Jean Shergold. Esta foi a minha primeira viagem em grupo e também minha primeira experiência na Ásia.
Neste artigo estarei narrando a excursão extra-WOC.

  Nossa entrada no país foi através do moderníssimo aeroporto de Kuala Lumpur (conhecida por todos como KL), mas já na manhã seguinte embarcamos para a ilha de Penang, no noroeste da Malásia.
Ao chegarmos fomos levadas por ônibus para a "Hutam Sipan Kekal Gunung Jerai", uma reserva permanente de floresta, no continente, onde o calor e a umidade eram intensos. Pequenas vans nos levaram até o topo da montanha, a 1200m de altitude, através de uma sinuosa estrada que corta uma bonita floresta tropical, mais densa na região mais baixa e que vai modificando de estrutura à medida em que subimos.
A pluviosidade anual na área da floresta é de cerca de 1000mm, mas no topo da montanha a neblina parece ser bem frequente e quando chegamos estávamos no meio das nuvens.
Enquanto esperávamos o almoço, que nos ofereceram no velho hotel local, comecei a minha exploração, mesmo vendo que a vegetação na parte mais alta já havia sido bastante alterada.
Mas, como tudo era novo, a curiosidade não me deixou ficar sentada esperando.
Há poucos metros do hotel, além de uma família de macacos aparentemente bem mais agressivos que os nossos micos, encontrei uma árvore baixa e com galhos bem expostos ao sol, que estava coberta por uma orquídea de folhas filiformes e eretas, que ninguém soube identificar e que seria a única orquídea epífita que veríamos ao longo do caminho.

  Depois do almoço um mateiro trouxe da floresta cerca de oito espécies de orquídeas diferentes.
Entre as oito plantas reconhecemos duas espécies de Bulbophyllum, duas de Eria e uma outra espécie em flor, mas o mateiro só falava malaio e só soube nos dizer que eram orquídeas e que iria prendê-las nas árvores locais. Mas deu para sentir que encontraríamos muito pela frente.
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga Planta em flor coletada por mateiro no
"Hutam Sipan Kekal Gunung Jerai"
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Bromhedia finlaysoniana
Logo que começamos a descer, num barranco ensolarado e coberto por Sphagnum, vi folhas suspeitas - sim, era uma touceira com hábito semelhante a um Epidendrum terrestre, com mais de 1m de altura e com uma flor única, apical, com cerca de 6cm de diâmetro, branca com o labelo rajado de vermelho, que identificamos como Bromheadia finlaysoniana, planta comum em várias áreas do sudeste asiático.
 
Ao longo de toda
a descida a variedade
e quantidade da
carnívora Nepanthes
encantava a todos.


 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga A planta-carnívora Nepanthes sp
  Até cerca de 800 m de altitude, enquanto a floresta é baixa e aberta, encontramos entre 10 e 15 espécies de diferentes orquídeas, mas todas sem flor e que não puderam ser identificadas. Vários Dendrobium, Bulbophyllum e Eria, entre outras micro-orquídeas crescendo sempre próximo a base dos troncos, associadas a musgos e à matéria orgânica e, às vezes, cobrindo grande extensão do barranco.
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga Bulbophyllum sp., com inflorescência menos de 2cm de comprimento
  À medida que descíamos e que a floresta ficava mais alta e densa, as orquídeas foram ficando mais escassas e aparentemente as plantas epífitas em geral eram poucas.
Em Penang visitamos o orquidário "Orchid Park", onde as orquídeas mais atraentes eram enormes exemplares de Grammatophyllum speciosum e o Jardim Botânico da cidade.
No "Penang Botanical Garden", cercado de linda mata tropical, as orquídeas estão tanto no antigo "Orchidarium", uma estufa-jardim de muita umidade, com um grande número de espécies estabelecidas (nem todas crescendo em boas condições), como na "Orchid Shop", próxima ao portão principal, onde estão a venda um grande numero de bonitas mudas de híbridos.
O orquidário e a loja estão fechados às terças-feiras.


 
É fácil constatar que
as orquídeas fazem
parte do cotidiano
na Malásia: na parte
velha da cidade,
mercados de flores
expõem lindos arranjos
de dendrobiums e
vandáceas híbridos,
em formas de colares,
para ornamentarem
altares de templos
hindús e chineses.
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga Mercado de flores em Penang
  De volta a Kuala Lumpur, visitamos um novo orquidário comercial, o "Serendah International Orchid Park", à 1h30min de KL, inaugurado para receber os participantes do WOC.
Ofereceram-nos uma bonita recepção e um almoço delicioso, mas não consegui ficar bem impressionada com o que vi.
Os ripados, onde irão cultivar milhares de híbridos de Dendrobium, Vanda, Aranda, Ascocenda, Cattleya e Cymbidium (só Phalaenopsis está sob estufa coberta) foram todos construidos em terrraços, no topo de morros anteriormente cobertas por rica floresta.
Os sinais da destruição ainda estão bem visíveis e será necessário um intenso trabalho de recuperação ambiental, para evitar que as chuvas tropicais não continuem causando erosão num empreendimento que contou com grande quantidade de dinheiro público.
A propaganda que nos deram fala de um futuro parque natural, mas o que vimos está distante da proposta.
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga Construção de estrada no
"Serendah International Orchid Park"

  Como um grupo normal de turistas, fizemos o "tour" pela multirracial cidade de KL e, já que a 17ª WOC havia sido a grande razão da visita à Malásia, participamos da cerimônia de abertura e tivemos acesso ao show antes da abertura ao público.

Mas a 17ª WOC é uma outra história...

O que faz parte desta história, e que aconteceu durante o primeiro dia de palestras, foi a rápida conversa que tive com Peter O' Byrne, que ministrou a palestra inaugural e é autor do livro "A to Z South East Asian Orchids Species".
O'Byrne trabalha atualmente na vizinha Singapura, mas há anos pesquisa orquídeas na região. Ao falar da riqueza da flora de orquídeas da Malásia, ele mostrou sua grande preocupação com a atual taxa de derrubada de florestas primárias no país e a total ausência de projetos de conservação.

 
No terceiro dia da WOC
alguns de nós já estávamos
na estrada novamente.
Desta vez nosso destino
era a região da
Cameron Highland,
à 2horas de KL.
Ao pé-da-serra (temperatura alta
e grande umidade), paramos
para visitar um artesão local e
nos deslumbramos com vários
exemplares de
Cymbidium finlaysonianum
,
em flor e fruto, crescendo
epífitosem várias árvores
locais juntoa espécies de
Dendrobium
não identificados.
 

Cymbidium finlaysonianum

 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Grammatophyllum speciosum,
à venda na beira da estrada.
  Ao longo de toda estrada, desde a região baixa até as montanhas, flores isoladas de Arundina graminifolia despontavam entre a vegetação.
No meio da subida, um vendedor de beira da estrada oferecia uma grande planta, aparentemente arrancada do mato, de Grammatophyllum speciosum em flor.
Cameron Highland é uma região montanhosa, para onde os ingleses se dirigiam nos fins-de-semana, fugindo do calor de KL. Além da beleza natural, a região é conhecida como uma região produtora de chá, flores e verduras.
A pluviosidade no local é de cerca de 2000mm e pegamos chuvas torrenciais durante os dois dias que estivemos lá. Em vários locais observamos trabalhos de terraplanagem em andamento e com as fortes chuvas, grande quantidade de solo era levado para os rios, que apresentavam grande quantidade de barro em suspensão - como inúmeros outros rios que cruzamos durante a nossa estadia de 10 dias na Malásia.
Chovia quando entramos na "Mentigi Forest Reserve", a 1400 m de altitude, uma floresta pluvial tropical exatamente com a mesma fisionomia da nossa Mata Atlântica: epífitas, trepadeiras e cipós nas árvores, musgos, samambaias e muita matéria orgânica no chão.

 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Liparis purpureoviridis
  O nosso guia foi um estudante de pós-graduação de Singapura, que tem trabalhado com as orquídeas da região há anos e sabia apontar todas as populações de orquídeas ao longo do caminho.
No chão úmido e sombrio cresciam: a orquídea saprofítica Lecanorchis pauciflora, sem folhas, só com a haste floral acima do solo e botões terminais, Liparis purpureoviridis, em flor, com labelo rendado, Calanthes nicolae e Calanthes sp.,
esta última com botões amarelos, nas margens inundáveis do pequeno córrego
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Calanthes sp.
  e, ainda mais na sombra, embaixo de outras folhagens, Goodyera procera, uma "jewel-orchid" com suas lindas folhas escuras e listas douradas. Todas as terrestres, sujeitas à coleta fácil e a pisões desprevinidos, tem populações bem limitadas na região.
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Goodyera procera
  Entre as epífitas vimos: a comum Eria obliterata e E. flavescens, Dendrobium acerosum (em galhos expostos a maior luminosidade) e Dendrobium excavatum, Bulbophyllum angustifolium, B. flavescens e B. lobbii - mas nenhuma delas em flor. A única epífita em flor que encontramos foi Dendrobium reseatum, com lindas flores brancas.
Tanto Bulbophyllum lobbii quanto Dendrobium reseatum são espécies em perigo de extinção, devido à pressão de coleta. Como a "Mentigi Forest Reserve" é reserva e não parque, a coleta não é proibida nem fiscalizada. Não existem parques na região.

 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Variedades de Paphiopedilum barbatum
Uma orquídea antes considerada comum nas matas da Cameron Highlands é Paphiopedilum barbatum. Não tivemos oportunidade de ver nenhum exemplar crescendo na natureza, mas fomos visitar um orquidófilo local, que trabalhou durante anos como madeireiro na região e que, apaixonado por Paphio. barbatum, conseguiu juntar mais de 110 variedades, coletando as plantas em locais que a mata estava sendo derrubada. O pico de floração é em janeiro e ele só pode nos mostrar cinco variedades bem distintas, mas que foi uma amostra da riqueza local.
  Ainda na região serrana e ainda sob intensa chuva, paramos na pequena vila de Kea Farm para uma visita ao orquidário "Taman Orkid Liar Dan Ros".
  Todas as plantas à venda são plantas adultas que, possívelmente, foram coletadas há alguns anos das matas vizinhas.
Não existe nenhum trabalho de propagação em andamento.
Muitas orquídeas não estão identificadas mas o número de espécies é realmente impressionante. São diversas espécies de Dendrobium, Dendrochillum, Coelogyne, Callanthes, Eria e Bulbophyllum, entre outros gêneros, num total aproximado de 500 espécies diferentes, espalhadas por diversos ripados. Muitas delas estavam em flor, como o interessante Bulbophyllum lemniscatoides. Voltando a KL e após o término do WOC, fiquei na cidade ainda mais um dia antes de voltar para Brisbane.
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Bulbophyllum lemniscatoides
  Como não podia deixar de ser, aproveitei o último dia para visitar o "The Kuala Lumpur Orchid Garden", ao lado do "Hibiscus (flor nacional da Malásia) Garden", no parque "Lake Gradens".
 

Phalaenopsis violacea
A exuberância dos canteiros de orquídeas
realmente encanta e atrai um grande público.
No final de abril as espécies em flor eram:
Cymbidium finlaysonianum, Dendrobium acerosum
e Dendrobium cruentum, Phalaenopsis cornucervi,
Phalaenopsis equestris
e Phalaenopsis violacea.

 
Mas a grande atração são os coloridos canteiros de híbridos de Vanda, Ascocenda, Dendrobium, Aranda e Monara.
 
Foto/Photo: Rosário Almeida Braga
Canteiro de híbridos no"The Kuala Lumpur Orchid Garden"
  Foram 10 dias de muitas orquídeas e sei que apenas vislumbrei a riqueza da flora da península maláia. Além disto, ainda existem dois grandes estados na ilha de Bornéo: Sabah (onde fica o famoso Pq. Nacional de Mt. Kinabalu) e Sarawak, habitat de muitas outras espécies famosas, raras e/ou ainda nem descritas.
Mas o que esta viagem me fez ver bem claramente foi a minha grande paixão por Conservação. Mais uma vez confirmei a minha vontade de envolver-me efetivamente, pessoalmente e através do meu orquidário, na conservação do que resta da nossa Mata Atlântica, na "porta de casa" e das orquídeas em geral.


  Referência:
O'Byrne, P. 2001. A to Z South East Asian Orchid Species. Singapure, Orchid Society of South East Asia. 168pp.
Fotos: Maria do Rosário de Almeida Braga

  Foto?Photo:?  Manipulação digital/Digital manipulation: Sergio Araujo Rosário é carioca, bióloga, com mestrado em Botânica Marinha.

Entre 1988 e 1994 viveu no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, litoral sul de SP, quando começou a interessar-se pela conservação da Mata Atlântica.

Em setembro de 1994 começou a trabalhar no Orquidário Quinta do Lago, encantando-se imediatamente pelas orquídeas.

Desde então vem aprendendo sobre diversos aspectos das orquídeas e sobre seu comércio.

É mãe de 3 meninos e casada com o ecólogo australiano Tim Moulton, que este ano está trabalhando em Brisbane, Austrália.


  Nota do Editor: No próximo número de Orchid News teremos uma nova matéria de Rosário de Almeida Braga. Será sobre a 17ª WOC.


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