por Delfina de Araujo


  Desde que o primeiro híbrido artificial, uma Calanthe (*), feito em l853 e registrado em l856, floriu, o homem não parou mais em sua tentativa de fazer o papel do Criador.
O resultado desta busca é que, hoje em dia, existem mais de 100.000 híbridos artificiais e este número aumenta a cada ano devido ao alto grau de compatibilidade entre as diversas espécies e até mesmo entre diferentes gêneros.
Os híbridos primários são o resultado de cruzamento entre duas espécies do mesmo gênero ou de gêneros diferentes desde que compatíveis entre si. O processo parece simples: o pólen de uma flor é colocado no estigma da outra flor, se a fecundação for bem sucedida, em pouco tempo o ovário começa a intumescer e meses depois (o tempo de maturação varia de acordo com o gênero e a espécie) a cápsula torna-se madura e as delicadas sementes (às vezes milhões), parecendo poeira, podem ser colocadas em um meio-ambiente que propicie condições para germinar.
As plantas decorrentes podem ser sucessivamente re-cruzadas com uma das espécies envolvidas ou outra espécie ou ainda com outros híbridos numa proporção aritmética infinita. Os híbridos são registrados na Royal Horticultural Society (Órgão oficial internacional para fins de registro) e desta maneira, em qualquer época , pode-se fazer um rastreamento das espécies envolvidas num determinado híbrido, mesmo que ele seja um híbrido complexo de diversas gerações.
O híbrido também tem dois nomes (do mesmo modo que as espécies naturais), mas o segundo nome não é apresentado em itálico e nem é latinizado.
Em cruzamentos de espécies do mesmo gênero, o nome do gênero não muda, como por exemplo: Cattleya guttata e Cattleya aurantiaca, que resulta na Cattleya Chocolate Drop.

 
Photo/Foto: Sergio Araujo
C. guttata
+
Photo/Foto: Sergio Araujo
C. aurantiaca
=
Photo/Foto: Sergio Araujo
C. Chocolat Drop

 

Quando há o cruzamento de espécies de gêneros diferentes, como por exemplo: Brassavola com Laelia , o nome se altera e o gênero decorrente é Brassolaelia. A Brassolaelia Morning Glory, por exemplo, é o resultado do cruzamento de Brassavola nodosa com Laelia purpurata.
Com os sucessivos cruzamentos, tornou-se necessário criar outros nomes como Potinara, que é o resultado do cruzamento de Brassavola, Cattleya, Laelia e Sophronitis. Para se evitar um nome muito longo carregando todos os gêneros utilizados, convencionou-se acrescentar ao final o sufixo "ara" ao final do nome escolhido.
Cada espécie contribui com uma característica única que influencia o resultado final de uma combinação que leva tempo para ser concretizada. Nunca se sabe qual será o resultado de um cruzamento até que se veja a primeira floração e, mesmo assim, num mesmo lote de plantas advindas do mesmo semeio, o resultado pode variar muito. Por esta razão, os hibridadores sempre ficam com um lote de 50 plantas, pelo menos, pois sabem perfeitamente que dali poderão surgir coisas muito díspares, como os filhos de um mesmo casal, que são parecidos mas não são iguais.
Para se obter uma planta com flor exatamente igual é preciso recorrer à clonagem (meristema), só assim se obtêm uma réplica exata.
Refazer um mesmo híbrido a partir de outras matrizes (sobretudo de outras variedades ou outros cultivares) pode resultar em flores bastante distintas. Apesar da criteriosa escolha das matrizes, o resultado é sempre uma loteria e a busca pela perfeição não acaba nunca, outros podem repetir o mesmo híbrido com outras matrizes (com o objetivo de aperfeiçoamento) ou cruzar aquele híbrido com outro para obter uma nova planta e assim por sucessivas gerações.
A hibridação permite o cruzamento de espécies que jamais existiriam naturalmente em função de serem originários de habitats diferentes, de florirem em épocas diversas e também por não possuírem o mesmo polenizador.


Qual a razão para a hibridação?

Seria principalmente por razões comerciais, tais como: a possibilidade da floração em diferentes épocas do ano, a antecipação e postergação do período de floração, o cultivo mais fácil (plantas menos exigentes do que as espécies), a diminuição do tempo de espera para floração, o surgimento de plantas mais resistentes e vigorosas, a diminuição do porte proporcionando condições para se cultivar um número maior de plantas ou permitir seu cultivo em espaços mais reduzidos, o aumento do período de floração, a maior adaptação às condições mais adversas de temperatura, tornando-as mais tolerantes ao calor ou ao frio (cruzamento de espécies de clima quente com as de clima mais ameno)?
Ou seria a eterna procura do ser humano pela beleza, no caso com o melhoramento das flores, procurando reproduzir as melhores características das matrizes, obter um melhor formato da flor, cores mais vibrantes, um florescimento mais freqüente e ampliação da gama cores com diferentes formas, assim como aumento substancial do tamanho de flor.

A dúvida permanece. Por que fazer híbridos?

Deixemos de lado todo este aspecto comercial, todas estas divagações e vamos no deliciar com o trabalho de dois hibridadores que se destacam no cenário brasileiro.
O primeiro no passado (ainda que recente) e o outro no presente:

Rolf Altenburg, da Florália, pois quando se fala em híbridos de Cattleya, não se pode deixar de mencioná-lo, devido a sua grande atuação, entre as décadas de 50 e 80 e

Roberto Agnes, da Aranda, com seu trabalho sobretudo em Cattleya, mas também em Oncidium.

Assim como eles, outros se destacaram: Waldemar Silva, do Orquidário Brasil (mais de 100 híbridos, de l953 a l981), Sergio Barani, com mais de 70 híbridos, Roland B. Cooke, com mais de 40 híbridos, Alex Sauer (10), Orquidário Quinta do Lago (4) , Álvaro Pessoa (10) e o orquidário Florália.

(*)Calanthe Dominyi (Calanthe furcata x Calanthe masura), no orquidário James Vietch & Sons, por John Dominy

Bibliografia:
Antoine des Épinards, em tradução de Raimundo Mesquita (Orquidario volumes 8/3 e 4, volume 9/2),
Orchidées, de David Menzies, editora Solar
Orquídeas de Jack Kramer, editora Salamandra
Orchid Growing in the Tropics, Orchid Society of South East Asia.
Orchids, Care and Cultivation, Gérald Leroy-Terquem & Jean Parisot , edições Cassell.




 
Photo/Foto: Sergio Araujo
Roberto Agnes, diretor técnico da Aranda.

ON: Roberto, recentemente você registrou quase 100 hibridos de Cattleya e criou quase uma dinastia dando o nome de Samba a maior parte deles. Os resultados já estão aparecendo e um dos seedlings de Slc. Samba Princess, florescendo pela primeira vez, foi premiado em São Paulo com HCC/AOS, em 2000. Para nos dar uma idéia de como esse processo de hibridação funciona, diga-nos qual foi a sua intenção ao cruzar Blc. Williette Wong com Blc. Toshie Aokie 'Pizzaz' que recebeu o nome de Blc. Hans Kunning?

ROBERTO: Eu quis pegar uma planta muito próxima da Blc. Toshie Aoki, sem ser ela mesma e dar uma injeção de sangue novo para revigorar o seu crescimento. Por isto utilizei a Blc. Williette Wong, que é 50% Blc. Toshie Aoki e cruzei de volta com Blc. Toshie Aoki.

  Então o que aconteceu? As plantas crescem com mais facilidade e elas florescem todo ano e elas continuam amarelas com o labelo vermelho como era a intenção. Em alguns casos, o vermelho é quase um veludo e em alguns casos você tem os dois olhos amarelos que remetem à influência da Cattleya dowiana  var. aurea que tem aqueles dois lindos olhos amarelos na garganta do labelo. É simplesmente isto, eu queria continuar com esta linha de amarelo com vermelho, mas ter uma planta um pouco mais vigorosa do que a planta Blc. Toshie Aoki sem perder o colorido e o formato da flor. Estas plantas florescem no verão (janeiro, fevereiro, março), época em que você não tem tanta variedade de Cattleya assim e agüentando o calor, isto é uma coisa muito importante.
Cultivamos estas plantas em Guapimirim onde faz um calor fantástico. Como tivemos o ano passado 10 dias com 40º, 42 º, todo dia, dentro da estufa.
Photo/Foto: Roberto Agnes
Blc Hans Kunning
  .A planta agüenta este calor, floresce, a flor abre e se firma neste calor e não murcha.
Este foi mais ou menos o caminho que consegui encontrar dentro do lugar onde cultivo

ON: Esta é a sua intenção quando faz estes cruzamentos...

ROBERTO: Esta é a minha intenção, sempre procurando facilitar, fazer com que a planta seja mais fácil de cultivar e que tenha uma flor muito bonita.

ON: E com uma variedade de época de floração...

ROBERTO: E tenho variedade de época, não ter tudo florescendo ao mesmo tempo.
Eu confesso que gosto muito de sementeira porque que dão uma gama imensa de possibilidades. Eu gosto de brincar de pegar plantas. É claro que não pego qualquer planta com qualquer planta, primeiro eu tento pesquisar e ver o que deu certo e o que não deu certo. Não adianta eu pensar que vou cruzar esta amarela com esta púrpura e vou ter todas estas cores imaginárias. Se você está usando uma planta recessiva com uma planta superdominante, vai só sair de uma cor. Eu acho que trabalhando um pouco se consegue fazer um cruzamento que vai lhe dar um leque muito grande até com relação à floração, por exemplo.

ON: Você falou que a sementeira lhe dá um leque grande de variedades, por exemplo, se você só usar plantas a característica da Cattleya aurea ou dowiana var. aurea, como queira (dos olhinhos amarelos), no seu cruzamento, ainda assim há o risco de vir uma flor lisa, sem esta característica do olho amarelo?

ROBERTO: Não, se você usar duas plantas com esta característica, é claro que você estará reforçando os dois olhos amarelos.

ON: Então de você cruzá-la de novo, ela vai carregar esta característica?

ROBERTO: Por exemplo, a Blc. Williette Wong tinha os dois amarelos e a Blc. Toshie Aoki era toda vermelha no labelo. Então, você vai ter uma divisão na progênie, uma percentagem vai ter os olhos amarelos e outra não vai ter.
A mesma coisa com a Blc. Samba Eyes (registro provisório), onde você encontra Cattleya intermedia  var. aquini há duas gerações. O que acontece? Trinta por cento destas plantas saem flameadas.
O nome é Samba Eyes porque faz lembrar dois olhos, as pétalas são marcadas.
 
Photo/Foto: Roberto Agnes
ON: Parece uma máscara…

ROBERTO: Exatamente, parece uma máscara, mas é claro que isto aqui é uma foto ilustrativa, isto foi o melhor que saiu, algumas não serão tão bem definidas e algumas poucas não terão o aquinado. Eu acho que isto é que é o divertido em cultivar a partir de sementeira.
Comprando um meristema, você olha aquela foto, você sabe que vai ser exatamente igual aquela foto. Eu gosto de comprar um lote de 50 seedlings de um cruzamento porque pode sair desde a coisa mais fantástica até uma coisa que lhe leva a pensar: "- Não é possível que duas matrizes tão bonitas possam ter resultado numa porcaria tão grande".
Isto acontece e acontece com todo mundo.
  ON: E a Potinara Samba Passion?

ROBERTO: Eu peguei uma planta chamada Slc. Orient Amber 'Florida' que é alaranjada e cruzei com Bc. Pastoral que floresce para o dia das Mães. Eu queira uma planta de cor suave, florescendo para o Dia das Mães e acabei obtendo uma planta que floresce o ano inteiro.
Eu tenho plantas florindo em maio, junho, setembro, pois usei planta que floresciam em duas épocas diferentes.


ON: Você usou a Bc. Pastoral alba...

ROBERTO: Todas elas deram cor maracujá, cor palha, pétalas muito largas por causa da Bc. Pastoral, flores muito grandes, com um sopro de cor salmão no labelo.

ON: Ela ficou muito suave.

Photo/Foto: Roberto Agnes
Potinara Samba Passion

  ROBERTO: Eu gostei muito e este é um outro caminho a ser pesquisado.
Eu fiz toda uma série de plantas que eu chamo de pink como Bc. Samba Sensation. Eu peguei Bc. Turandot 'Guaxupé', usando uma boa planta brasileira e cruzei com Bc. Pink Sensation. A flor é toda rosada e tem um pouco de amarelo no labelo.
Eu gosto destas coisas suaves também. Eu acho muito bonito quando você tem uma cor bem definida.
Uma coisa que eu detesto em orquídea é cor suja e muitas vezes, você olha e diz: "- Que cor é esta?"
Não tem muito bem como definir.
Se você tem uma cor pastel, que ela não seja uma mistura de várias cores, que você saiba que cor é, que se possa identificar a cor e não que você fique questionando: "- Isto é laranja, ou é amarelo sujo, ou é marrom com amarelo?"
Photo/Foto: Roberto Agnes
Bc. Samba Sensation
  Isto eu não quero. Eu quero que a pessoa identifique, esta planta é cor de maracujá, milk shake de fambroesa, é preciso ter uma cor definida, identificável.
Isto é muito importante quando você faz estes tons pastéis.
É isto que eu estou tentando fazer porque você tem muito lilás, muito púrpura, mas pouca planta com aquilo que chamo de pink verdadeiro. Cor de rosa verdadeiro, que se você segurar na luz ela é rosa de verdade.
Bc. Turandot 'Guaxupé' para mim foi um dos melhores exemplares de planta rosa feita no aqui Brasil e usei o que eu achava ser um dos melhores dos Estados Unidos que é a Bc. Pink Sensation e realmente deu tudo aquilo que eu imaginava: cor rosa nítido com bastante amarelo no labelo que dá um contraste muito bonito.
 
Photo/Foto: Roberto Agnes
Slc. Samba Princess
Por exemplo, o meu próximo caminho já está feito, é
Bc.
Samba Sensation cruzado com
Slc.
Samba Princess, dando continuidade
a cores inteiramente rosas com labelo amarelo.
Já estou dando a dica da próxima geração.
  ON: E a Blc. Samba Saga?

ROBERTO: Uma das plantas utilizadas, Lc. S. J. Bracey, que era desta cor ou similar, mas não tão acentuada, já tinha esta orla avermelhada, estas filigranas em volta, foi cruzada com Blc. Saga que é amarelo puro, mas que também tem um vermelho muito intenso.
Com este cruzamento, a filigrana vermelha em volta, esta orla, foi intensificada, como era a minha intenção.
Enfim, as flores, em geral, são de colorido ocre-alaranjado e o labelo é quase sempre vermelho escuro.

Photo/Foto: Roberto Agnes
Blc Samba Saga

 
Photo/Foto: Roberto Agnes
C.
Samba E lf
ON: Qual é o cruzamento que originou C. Samba Elf ?

ROBERTO: Foi um cruzamento de C. aclandiae com C. Enid 'Butterfly' e obtivemos, nos primeiros seedlgins flores de tamanho médio. A flor é quase sempre branca com bastante rosa escuro no labelo e conseguimos plantas de tamanho reduzido por causa da primeira matriz.

 

ON: E a Potinara Samba Laranja?

ROBERTO: Ela tem uma haste alongada que traz até 5 belas flores na cor laranja.

Photo/Foto: Roberto Agnes Pot. Samba Laranja

  ON: Você pode mexer com a cor e com forma, quando você faz um híbrido?

ROBERTO: Não, eu cruzo uma com a outra, eu não mexo com a cor ou com a forma. Eu escolho duas plantas que eu acho que vão resultar, que eu vou ter um determinado resultado, não tem nenhum resultado manipulado no cruzamento. Você faz um cruzamento achando que vai resultar numa coloração ou numa forma de flor, etc. É preciso saber escolher bem suas matrizes para se obter o resultado desejado.


 
Híbridos de Roberto Agnes/Aranda
 
Photo/Foto: Roberto Agnes
 
Pot. (Twenty Four Carat x Blc. Olmec Treasure)
Lc. Samba Crown
 
Photo/Foto: Roberto Agnes
 
Pot. Samba Jewel



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