Waldemar Scheliga
1914 - 2003

Foto: Sergio Araujo



  Waldemar Scheliga fazia parte da família orquidófila fluminense desde os tempos da Sociedade Brasileira de Orquidófilos.
Foi um dos sócios fundadores da OrquidaRIO e sempre foi um ativo da colaborador da revista Orquidário, desde o início de sua publicação, seja traduzindo, escrevendo seus próprios textos, fazendo parte da comissão editorial e até dando dicas de cultivo contando seus segredos de adubação.
O intercâmbio orquidófilo entre a Alemanha, Suíça e Brasil, teve nele seu grande incentivador.
Sua contribuição foi fundamental, tanto na divulgação de trabalhos brasileiros naqueles países como na divulgação trabalhos editados originalmente em alemão de alguns estudiosos comoRudolf Jenny, Karlheinz Senghas, Irene Bock,entre outros.
Foto: Sergio Araujo
  Além de fazer os contatos, era que fazia a versão e tradução dos textos. Recentemente (em 2001), uma nova espécie brasileira Galeandra chapadensis Campacci (apresentada também neste número) teve sua publicação original feita na revista Die Orchidee graças à sua versão e aos contatos promovidos por ele.
  Durante 47 anos, foi gerente de vendas da Bayer do Brasil e se aposentou em l982.
Cultivou orquídea por perto de 60 anos, a sua preferida era a Cattleya maxima, mas tinha uma coleção muito eclética.
Waldemar era um exímio cultivador e encarnava uma das mais importantes qualidades de um orquidófilo: a paciência. Já esperou quase vinte anos para ver sua Calista densiflora (ou Dendrobium densiflorum) florir maravilhosamente com 46 hastes.
Foi homenageado por Alexis Sauer, em 1993, com um registro de um híbrido: Laeliocattleya Waldemar Scheliga, um cruzamento de Laelia lobata X Laeliocattleya Canhamiana.
Em relato bem humorado, em entrevista concedida à Orchid News # 14, ele contou como foi a fundação da OrquidaRIO.
Foto: coleção particular de Scheliga
foto de Out. de 87, de sua coleção particular
  Foto: coleção particular de Scheliga Tudo começou com uma diretoria Sociedade Brasileira de Orquidófilos que já estava no poder havia 8 anos. Segundo ele, muitos sócios estavam um pouco aborrecidos achando que tudo estava relaxado demais, pouco interessante e que as reuniões não estavam servindo para instruir os companheiros. Por estas razões, um grupo de 37 sócios, inclusive ele, resolveu que na eleição seguinte, eles iriam eleger uma nova diretoria e chegou a compor uma chapa chamada “Renovação" da qual também fazia parte Siegwald Odebrecht (Zico da Florália). Com um subterfúgio, a tal diretoria conseguiu se reeleger. Com a reunião marcada para 20horas, a diretoria chegou mais cedo, fez a votação e ganhou por 2 votos.
  Foto: coleção particular de Scheliga Estes dois votos foram justamente de dois companheiros que “roeram a corda na última hora”. Assim, ele e seu grupo não conseguiram fazer a diretoria .Ficaram “meio jururus” e foram para o Bar Luiz, tomar um chope para esquecer as mágoas. Ali mesmo criaram a nova sociedade, ali mesmo tudo ficou resolvido. Assim, em 1986, nascia a OrquidaRIO dentro do Bar Luiz, com aquele grupo tomando chopp e comendo salada de batata. As primeiras reuniões da então nova sociedade foram feitas na chácara do Luiz Clemente Ferreira de Souza, na Ladeira Novo Mundo, entre Laranjeiras e Botafogo. Depois passou para a rua Sorocaba, no colégio Tico-Tico onde sentavam em banquinhos de crianças, bem pequenininhos e lá estiveram por alguns anos, numa escola que pertencia à mãe do Carlos Eduardo de Britto Pereira.
  Até o período da rua 19 de Fevereiro, a presença e atuação do senhor Waldemar sempre foram uma constante. Já com problemas de saúde, infelizmente, sua vinda às reuniões foram rareando e na nova sede, à rua Visconde de Inhaúma, ele foi raríssimas vezes.
Exerceu diversas funções dentro da sociedade: foi vice-presidente, no período de 1989 a 1992; responsável interino pelo Departamento de Pesquisas, Cultivo e Cursos (l990), Presidente do Conselho Deliberativo, de l992a l994 e membro da Comissão Editorial, de l992 a 2000.
No meio de tudo, ainda se dispôs a se dedicar, durante um período, ao orquidário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro promovendo sua recuperação e aumentando a coleção.
Enfim, ele era uma pessoa extremamente educada, simples, afável, com muita vitalidade, muita disposição, seriedade e dedicação naquilo que fazia. Ele se interessava pelo estudo das orquídeas como se ainda tivesse um caminho enorme a percorrer e não como uma pessoa que se aproximava dos 90 anos.
Foto: coleção particular de Scheliga
 
Foto: Sergio Araujo
 Com um entusiasmo quase juvenil, ele se interessava por publicações recentes, adotava as alterações nomenclaturais, gostava do contato com as pessoas que, como ele, são apaixonadas por orquídeas, mesmo aquelas com um conhecimento menor do que o dele.
Mesmo com as dificuldades que enfrentava decorrentes de sua idade avançada e raramente vindo à OrquidaRIO, continuava participando ativamente através da revista, traduzindo muitos artigos e fazia parte do Conselho Deliberativo (como vogal) da atual Diretoria.
Waldemar Scheliga sabia fazer amigos e conquistar admiradores.


 
Foto: Sergio Araujo
Caderno com suas anotações


  Depoimento de Raimundo Mesquita:

Despedida de Waldemar Scheliga.

Ouvi, certa vez de um seu amigo que ele, Waldemar, tratava suas plantas com a mesma disciplina de um sargento prussiano, nada de bulbos e folhas fora do lugar. A marcha de crescimento simpodial tinha que ser na direção que ele queria, isto é, para a frente, em busca da borda oposta do vaso... Nada da anárquica liberdade que as plantas por vezes se dão.
Esse, talvez, tenha sido a melhor descrição desse descendente de alemão, germânico nos seus mínimos detalhes, que disciplinou tudo na sua vida, até sua morte, deixando, por escrito, para seus dois filhos, Guilherme e Heloisa, instruções quanto ao que fazer com seus livros sobre orquídeas e suas plantas, incluindo-me, para meu desvanecimento, entre os conselheiros a que deveriam recorrer.
Grande Waldemar!
Um dos fundadores da OrquidaRIO, só deixou de com ela colaborar nas vésperas da sua morte. Os leitores de Orquidário, ainda lerão, por algum tempo, traduções suas de textos de seus amigos e autores de língua alemã, textos que ele, com grande humor, me mandava, pedindo: “agora traduza para o português do Brasil...”.
Apesar de rigor era pessoa de enorme boa-fé, porque acreditava nas pessoas. Eu poderia citar alguns casos em que se envolveu em polêmicas e situações difíceis, exatamente por causa dessa sua maneira de ser. Mas, não vale a pena, eis que muitas dessas pessoas ainda estão vivas.
Tornamo-nos amigos ao longo dos anos de convívio e de aprendizado enriquecedor para mim, já que era um homem sem mistérios e sem secretos egoísmos: o que sabia, ensinava.
Não tinha a tola pretensão de ser proprietário de raridades (e como as tinha...). Compartilhava, dando cortes de plantas com a maior facilidade, com uma única condição, era preciso que ele tivesse a certeza de que o donatário era bom cultivador e que não iria matar a planta.
Agora se foi e deve estar cultivando em algum lugar suas preferidas Cattleya máxima, Vanda coerulea, Phayus, Dendrobium moniliforme, Cymbidium Allegria e algumas mais.
A sua sociedade, a OrquidaRIO, prestou-lhe duas homenagens: uma, conferindo-lhe o título, post mortem, de Sócio Benemérito e outra, e em demonstração do reconhecimento pelo seu trabalho de elevar o nível de qualidade intelectual da associação, deu à sua biblioteca o nome de Waldemar Scheliga
.



 

Depoimento de Carlos Antonio Akselrud de Gouveia:

Waldemar Scheliga

Quando eu cheguei a OrquidaRIO, egresso da SBO, ela já tinha uns 2 anos de fundada. Travei conhecimento, então, com uma série de orquidófilos que fascinavam os novatos como eu. Loquazes e comunicativos, Hans Frank, Alex Sauer e Álvaro Peixoto atraiam nossa atenção com suas histórias (e estórias) e conselhos. Foi quando descobri um senhor, de fala mansa e tom suave, não muito falador, mas detentor de cultivo fantástico. Scheliga tinha plantas que ninguém tinha, conseguia flores de plantas que todos reputavam dificílimas. Qual seria seu segredo?
Com o tempo, uma vez quebrada a inibição, constatei que não havia segredo, Scheliga jamais se esquivava de discorrer sobre seu cultivo e nos fornecer sugestões sobre nossos problemas. Foi com ele que eu comecei a acertar a mão com Vanda e Ascocenda, foi Waldemar quem me deu o caminho das pedras para as orquídeas amazônicas e me ensinou a montar uma planta em um vaso (as pessoas brincavam dizendo que ele colocava mais estacas do que bulbos num vaso replantado, mas ninguém negava a eficiência dos seus cuidados).
Seu segredo era simples. Disciplina, organização, dedicação e paixão pelas plantas faziam sua base, mas estudo, persistência e método geravam o verdadeiro diferencial. Com ele aprendi o valor da paciência e do aprendizado pela tentativa.
Um dia conversava com ele sobre uma espécie, daquelas que ninguém tem ou mesmo conhece, uma Orleanesia, e comentei que estava tendo sucesso montando em palito de xaxim. Algum tempo depois, Scheliga encontra comigo e diz:
- Você tinha razão! Montei uma Orleanesia e ela está indo muito bem, melhor do que em vaso.
Para mim foi uma glória, ter uma sugestão aceita por nosso decano era muito. Mas, na verdade, foi mais uma lição do mestre: todos sempre temos algo a aprender, pobre de quem se acha dono do saber.
Ah, Waldemar, que falta que você nos faz...
A OrquidaRIO, a orquidofilia brasileira nunca mais serão as mesmas sem sua presença, sua cultura e seu conhecimento.


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