Brittonia, vol 56 (3) - 260.274, 2004


Fig. 18
Cyrtopodium lamellaticallosum

A. Inflorescência.
B. Flor, vista lateral.
C. Flor, vista frontal.
D. Calo.
E. Perianto.
a - b. Variações na morfologia das sépalas laterais e do labelo, a partir de indivíduos diferentes da mesma população.
F. Habito, com as folhas quase completamente desenvolvidas cerca de 1-2 meses após a floração. O ápice de um pseudobulbo com um ano de idade mostrando a base das folhas e o padrão de articulação está ampliado.

Desenhado a partir de Batista et al. 1262 por Simone C. Souza e Silva.

Tipo: BRAZIL. Minas Gerais, Município de Moeda, 24 Out. 2001, J.A.N. Batista, L.B. Bianchetti, A. Salino, R.C. Mota & P.L. Viana 1262 (HOLÓTIPO: CEN; ISÓTIPOS: AMES, K, RB, SP).

Cyrtopodio cristato Lindl. similis sed bracteis floralibus longioribus et deflexis, petalis et sepalis brunneo-purpureis, labelli lilacino-purpureo cum callo lamellato marginibus irregulariter dentatis praedito differt.

Erva terrestre. Pseudobulbos expostos ou, ocasionalmente, parcialmente enterrados, pequenos, ovóides, acuminados, desprovidos de folhas a partir do segundo ano, externamente esverdeados, 5-11 x 1.4-2.4 cm. Raízes numerosas, esbranquiçadas, glabras. Folhas na antese 7-8, aparentes, incompletamente desenvolvidas, 11-23 x 0.6-1.4 cm, quando completamente desenvolvidas 9-10, eretas, coriáceas, linear-lanceoladas, as 1-2 inferiores na forma de bainhas, as 8-9 superiores 16-35 x 1-1.8 cm, articuladas, articulação 4.8-6.2 cm da base da folha, ápice acuminado. Inflorescência lateral, ereta, geralmente simples, ocasionalmente com uma ramificação, laxa, curta, 19-35 cm, esverdeada a marrom-esverdeada; pedúnculo 11-20 cm, 1-2 brácteas em forma de bainha, frouxamente adpressas, 1.5-3 cm de compr., freqüentemente com 1-2 pares de brácteas opostas com flores abortivas; ráquis 9-18 cm de compr.; brácteas florais deflexas, cobrindo parcialmente a ráquis, largas, ovadas a ovado-lanceoladas, ocasionalmente opostas, mais curtas que o ovário e pedicelo, 20-27 x 14-20 mm, ápice agudo, discretamente apiculado, margens onduladas, marrom-esverdeadas; ovário e pedicelo 1.9-4.7 cm de compr., marrom-esverdeado. Flores 10-15, vistosas, odor doce e discreto. Sépalas largamente lanceoladas a ovadas ou elípticas, 15-20 x 9-14 mm, ápice discretamente apiculado, margem ligeiramente ondulada, marrom escuro-arroxeadas, reflexas nas flores completamente abertas; sépalas laterais ligeiramente oblíquas. Pétalas largamente obovado-oblongas, ápice arredondado, ligeiramente apiculado, base atenuada, margens inteiras, lisas, 14-16 x 11-14 mm, pouco côncavas, geralmente reflexas nas flores completamente abertas, marrom-arroxeadas, base mais clara. Labelo trilobado, 10-12 mm de compr., quando estendido 13-16 mm de largura entre os ápices dos lobos laterais; base unguiculada, ca. 2 mm de compr., amarela; lobos laterais eretos, não paralelos, voltados ca. 45o para a frente, reniformes, (4)5.5 x 6-7(8) mm, base constricta, margens geralmente inteiras a ocasionalmente ligeiramente serreadas, base e centro lilás, rosado em direção às bordas; calo proeminente, formado por (4)6(8) lamelas paralelas, longitudinalmente dispostas da base do lobo central ao unguículo, 2(4) lamelas centrais arredondadas, mais grossas, amarelas com as margens inteiras ou ligeiramente serreadas, 2(4) externas maiores, delgadas, discreta a profusa e irregularmente dentadas, lilás escuro; istmo discreto separando os lobos laterais do lobo central, ca. 1 mm compr.; lobo central, reniforme a lunado, e então com bordas laterais auriculadas, 4-5 x 9-11 mm, ápice arredondado ou discretamente retuso, ligeiramente verrucoso a completamente liso, bordas reflexas, base e parte central lilás escuro tornando-se laranja claro com o envelhecimento, ápice ligeiramente alaranjado, bordas laterais amareladas. Coluna ereta, ligeiramente arqueada, trigona, 9-10 mm compr., base amarelo-esbranquiçada, parte mediana lilás, roxo-esverdeado em direção ao ápice; pé da coluna ca. 2-3(4) mm compr., faixa conspícua marrom escura na extremidade final imediatamente anterior ao unguículo. Antera 3 mm compr. e 2.5 mm largura, amarelada, ápice esverdeado; políneas duas, cerosas, sulcadas, ca. 1.3-1.5 mm compr. e 0.8-1 mm largura, amarelas, presas a um estipe triangular. Fruto não examinado.

Etimologia: O nome faz referência ao calo lamelado com as margens irregularmente dentadas, uma característica muito distintiva e única no gênero.

Espécimes adicionais examinados. BRASIL. Minas Gerais: Ouro Preto, 10 Out. 1977 (fl.), Badini s.n. (OUPR); Mun. de Moeda, Nov. 1988 (fl.), Martens s.n. (BHCB), Mun. de Moeda, 18 Out. 1997 (fl.), Salino 3610b (BHCB) (misturado com C. poecilum var. roseum).

Cyrtopodium lamellaticallosum

Fig. 19 Inflorescência. Note as brácteas florais grandes, deflexas, encobrindo parcialmente a raquis e os segmentos florais reflexos.


Fig. 20 Pseudobulbos e folhas jovens, incompletamente desenvolvidas durante a floração (Outubro).



Fig. 21a Flor jovem

Fig. 21b Flor madura.

Fig. 22. Calo, vista lateral. Note as lamelas arredondadas
com as margens irregularmente dentadas.

Cyrtopodium lamellaticallosum foi encontrado em vegetação de campo rupestre, em solo escuro, areno-argiloso, em encostas ou áreas com algum declive. Este tipo de solo pode reter alguma água por alguns dias ou semanas durante a estação chuvosa (novembro a março), mas seca completamente durante a estação seca (maio a setembro). Como muitas outras espécies de Cyrtopodium do sudeste e centro do Brasil, C. lamellaticallosum floresce durante outubro e novembro, que corresponde ao início do período chuvoso na região. De maneira similar a outras espécies de Cyrtopodium, a floração é acompanhada de uma nova brotação vegetativa (Fig. 20), mas as folhas só atingem o desenvolvimento completo cerca de dois meses depois de iniciado o processo. Os exemplares que não produzem flores geralmente apresentam folhas maiores e de desenvolvimento mais rápido. As plantas crescem durante o período chuvoso e mantêm-se dormentes durante o período seco, quando perdem as folhas. Cyrtopodium lamellaticallosum é simpátrico com C. poecilum Rchb.f. & Warm., C. eugenii Rchb.f., e C. pallidum Rchb.f. & Warm. As florações de C. lamellaticallosum e C. poecilum são coincidentes, enquanto C. eugenii floresce mais cedo, entre junho e setembro, e C. pallidum floresce mais tarde, do final de novembro ao começo de janeiro.
A cor das flores é variável e muda com a idade (Fig. 21a). Nas flores mais velhas o labelo geralmente apresenta-se amarelo-alaranjado (Fig. 21b), pois o lilás das flores jovens torna-se laranja claro. Algumas variações de coloração, com o labelo completamente lilás também foram observadas. Como muitas outras espécies no gênero, o pé da coluna apresenta uma marca escura na base, próximo à conexão com o unguículo. A função dessa “marca” é desconhecida, e seria interessante investigar se está relacionada à polinização.
Cyrtopodium lamellaticallosum é uma espécie muito distinta e, baseado apenas em caracteres morfológicos, não é fácil indicar a qual espécie está mais relacionada. No aspecto geral, considerando os pseudobulbos pequenos, expostos (Fig. 20) e a inflorescência geralmente simples (Fig. 19), C. lamellaticallosum, particularmente em se tratando de exemplares secos, assemelha-se ao C. cristatum Lindl.. Entretanto, distingue-se de C. cristatum pelas flores ligeiramente maiores, as brácteas florais maiores e deflexas, as sépalas e pétalas marrom-aroxeadas e o calo lamelado com margens irregularmente dentadas (Fig. 22). Calos lamelados não são comuns no gênero e apenas outras duas espécies, C. blanchetii Rchb.f. e C. hatschbachii Pabst, compartilham esta característica.

 
Fig. 24. Cyrtopodium hatschbachii.
Detalhe do labelo mostrando o calo.
 
Fig. 26. Cyrtopodium hatschbachii. Flor.


Fig. 25. Cyrtopodium blanchetii. Flores.
 
Fig. 23. Cyrtopodium blanchetii.
Detalhe do labelo mostrando o calo.

No C. blanchetii, o aspecto geral do calo é similar ao do C. lamellaticallosum, particularmente as lamelas centrais. Todavia, no C. blanchetii, as lamelas são geralmente em número de quatro, são menos proeminentes, mais alongadas, menos arredondadas e com as margens inteiras ou, no máximo, ligeiramente irregulares (Fig. 23). No C. hatschbachii, há apenas duas lamelas, que são maiores, separadas uma da outra e arredondadas, com as margens lisas ou ligeiramente onduladas (Fig. 24). Além dessas diferenças no calo, Cyrtopodium blanchetti geralmente ocorre em cerrado típico; tem os pseudobulbos completamente enterrados; pétalas e sépalas com pintas marrons sobre fundo esverdeado; lobos laterais do labelo espatulados, amarronzados; e o lobo central obovado-subrombiforme, amarelo (Fig. 25). Cyrtopodium hatschbachii ocorre em área alagadas; tem pseudobulbos maiores, 8-21 x 2.5-5 cm; sépalas e pétalas completamente rosa; e lobos laterais do labelo elípticos e subfalcados (Fig. 26).
Cyrtopodium lamellaticallosum é uma espécie rara. Até onde foi possível constatar, a espécie foi coletada pela primeira vez apenas em 1977 e, até o momento, é conhecida apenas de duas localidades no extremo sul da Serra do Espinhaço (região central do estado de Minas Gerais). Todavia, é provável que a espécie também ocorra em outras localidades da cadeia do Espinhaço.





Brittonia, vol 56 (3) - 260.274, 2004
Brittonia, vol 56 (3) - 260.274, 2004

Tipo. BRASIL. Minas Gerais, Município de Moeda, 24 Out. 2001, J.A.N. Batista, L.B. Bianchetti, A. Salino, R.C. Mota & P.L. Viana 1261 (HOLÓTIPO: CEN; ISÓTIPO: BHCB).

A varietate typica floribus fragrantibus et labelli lobis lateralibus roseis et marginibus lobi centralis roseis differe.

Etimologia: Nomeado pela coloração rosa da margem do lobo central e dos lobos laterais do labelo.

Espécimes adicionais examinados. BRASIL. Minas Gerais: Mun. de Moeda, 18 Out. 1997 (fl.), Salino 3610b (BHCB) (misturado com C. lamellaticallosum).

Cyrtopodium poecilum var. roseum
Fig. 27a.
Flor.
Fig. 27b.
Flor.
Fig. 27c.
Detalhe do labelo mostrando o calo.

 

Cyrtopodium poecilum var. poecilum
Fig. 28a
Flor
Fig. 28b
Flor
Fig. 28c
Flor

Cyrtopodium poecilum var. roseum é morfologicamente idêntico ao C. poecilum var. poecilum em termos vegetativos e de quase todos os caracteres florais. Ambos apresentam pseudobulbos pequenos, externamente arroxeados, completamente enterrados, folhas grandes e largas, a inflorescência simples ou com até 3 ramificações laterais e sépalas e pétalas profusamente pintalgadas de marrom-arroxeado sobre um fundo esverdeado. A principal diferença é a coloração dos lobos laterais e da margem do lobo central do labelo, que se apresentam rosa na nova variedade (Figs. 27a-c) e amarronzadas, vermelho-amarronzado ou vermelho-arroxeado na var. poecilum (Figs. 28a-d). Outra diferença é o odor das flores. Enquanto todos os exemplares de C. poecilum var. poecilum que examinamos no Distrito Federal apresentam um discreto odor desagradável, lembrando um pouco manteiga rançosa, os exemplares da nova variedade possuem, todos, um odor levemente adocicado e agradável. Esta diferença no odor das flores talvez atraia polinizadores diferentes. Todavia, os polinizadores e mecanismo de polinização do C. poecilum var. poecilum e C. poecilum var. roseum são desconhecidos.
O holótipo do C. poecilum var. poecilum é de Lagoa Santa, na parte central de Minas Gerais, sendo mais próximo do Município de Moeda do que do Distrito Federal, onde temos coletado mais intensivamente e onde achamos a maior parte do material que examinamos in situ. Entretanto, o exame da descrição original (Reichenbach, 1881) e da ilustração original (Warming, 1884) do C. poecilum revelou que o padrão de coloração do material tipo coincide com os espécimes do Distrito Federal. Os espécimes do Município de Moeda que apresentam um padrão de coloração distinto são aqui considerados como uma variação de coloração. No Distrito Federal, C. poecilum var. poecilum ocorre preferencialmente em latossolo vermelho escuro, profundo, em vegetação de cerrado típico ou campo sujo e campo limpo seco. No Município de Moeda, a variedade foi encontrada em solo escuro, areno-argiloso, em vegetação de campo rupestre, crescendo próximo ao C. lamellaticallosum e C. pallidum. Tanto C. poecilum var. poecilum como a nova variedade florescem predominantemente em outubro e a floração é favorecida pela ação do fogo. Em visita anterior ao Município de Moeda, em um ano em que não houve incêndios, a área não revelou nenhum exemplar em floração, enquanto no ano seguinte, depois que a área foi queimada, foi observado um grande número de espécimes em floração.
Em geral, variações de coloração são tratadas melhor como formas do que como variedades. Todavia, para o C. poecilum var. roseum, a variação de coloração parece estar claramente fixada na população, pois a maioria dos indivíduos observados possuía este padrão. Dentro dessa variação de coloração foram observadas algumas diferenças na intensidade da cor, isto é, o rosa mais ou menos intenso, particularmente em relação às margens do lobo central ou à perda do rosa nas flores mais velhas, deixando o labelo uniformemente desbotado.


Agradecimentos
Os autores agradecem a Alexandre Salino pela ajuda na localização do C. lamellaticallosum e Julio Lombardi pelo empréstimo de material do BHCB. Nós também agradecemos aos curadores do HB, HRCB, HUFU, IBGE, MBM, OUPR, R, SP, SPF, UB e UEC pelos empréstimos ou permissão de acesso às suas coleções; à Simone C. Souza e Silva pelas ilustrações, Tarciso Filgueiras pela diagnose latina e Stephen Hyslop pela revisão do inglês. Gustavo Romero e Fábio de Barros leram uma versão preliminar do manuscrito e forneceram várias sugestões para o aprimoramento do trabalho.


Referências bibliográficas

Batista, J. A. N. & L. B. Bianchetti. 2001. Cyrtopodium linearifolium (Orchidaceae): a new species from central Brazil. Lindleyana 16: 226-230.

Bianchetti, L. B. & J. A. N. Batista. 2000. Cyrtopodium latifolium (Orchidaceae): a new species from central Brazil. Lindleyana 15: 222-226.

Cribb, P. & A. Toscano de Brito. 1996. Introduction and history. Pages 23–32. In: S. Sprunger, editors. Iconographie des orchidées du Brésil/João Barbosa Rodriguez. Vol 1. Illustrations. Friedrich Reinhardt Verlag, Basle, Switzerland.

Greuter, W., J. McNeill, F.R. Barrie, H.M. Burdet, V. Demoulin, T.S. Filgueiras, D.H. Nicolson, P.C. Silva, J.E. Skog, P. Trehane, N.J. Turland & D.L. Hawksworth (Eds.) 2000. International Code of Botanical Nomenclature (Saint Louis Code) Regnum Veg. v. 138. Koeltz Scientific Books, Königstein.

Menezes, L. C. 1995. Novas orquídeas brasileiras (New Brazilian orchids). Boletim CAOB 6: 8-13.

Menezes, L. C. 2000. Genus Cyrtopodium: espécies brasileiras. Ed. IBAMA, Brasília.

Reichenbach, H. G. 1881. VII - Novitiae Orchidaceae Warmingianae. Cyrtopodium. Otia Botanica Hamburgensia 2(1): 58-60.

Sprunger, S., editor. 1996. Iconographie des orchidées du Brésil/João Barbosa Rodriguez. Vol 1. Illustrations. Friedrich Reinhardt Verlag, Basle, Switzerland.

Warming, E. 1884. Symbolae ad floram Brasiliae centralis cognoscendam, Part. 30. Orchideae 2. Videnskabelige Meddelelser fra den naturhistoriske Forening i kjöbenhavn 5-8: 86-99.

Fotos: © João A. N. Batista



Expressamente proibido qualquer tipo de uso, de qualquer material deste site (texto, fotos, imagens, lay-out e outros), sem a expressa autorização de seus autores, sob pena de ação judicial. Qualquer solicitação ou informação pelo e-mail bo@sergioaraujo.com