Conforme foi dito em nosso número anterior, o artigo publicado sobre o gênero Pseudolaelia deveria incluir uma entrevista com Michel Frey falando sobre suas pesquisas no Brasil. Infelizmente, ele faleceu deixando uma lacuna para seus familiares, amigos, admiradores e estudiosos da família Orchidaceae.
Assim ficamos aguardando que, por uma feliz coincidência, a entrevista fosse encontrada em seu HD e poderíamos ter o "gros repas" prometido. Seus familiares, sobretudo sua filha Julia Seitre se empenharam muito nesta busca e, gentilmente, nos cederam este material assim como algumas fotografias para ilustrar a matéria.
Embora incompleta, decidimos colocar no ar assim mesmo como uma pequena homenagem.
Neste número também estão incluídas mais duas espécies que ele encontrou e descreveu, gentilmente cedida pela revista Richardiana, através de seu editor Guy Chiron e das quais ele fala durante a entrevista.

ON: Michel, poderia nos fazer um pequeno perfil seu? Falar um pouco de sua formação, um pouco de sua história, enfim.

MF: Nasci em Mulhouse, no leste da França (Alsace), perto da divisa com Suíça e Alemanha, há 72 anos, numa família de industriais têxteis.
Já com 5 anos, tive que fugir, com minha mãe e irmã, da invasão alemã. Meu pai foi preso pelos invasores e nós três encontramos abrigo na casa de uma tia de minha mãe, no centro da França. Passei lá cinco anos numa pequena fazenda onde aprendi a gostar da natureza, pois estávamos no meio dos campos, numa região calcária, onde havia muitas orquídeas.
Depois da guerra, voltei a Alsace onde estudei até passar baccalauréat (vestibular) e depois fui para Paris. Diplomei-me pela Ecole Polytechnique, a maior escola de engenheiros de França, mas decidi tentar uma carreira em um banco. Depois de dois anos, vi que não era meu caminho e mudei para a indústria onde fiquei 40 anos. Comecei em Dakar (Senegal), com minha jovem esposa Marine, e depois voltamos para a Alsace onde permaneci. Tivemos 4 filhos, 2 rapazes e duas moças e aposentei em 1996, sempre muito interessado em orquídeas.


ON: E como este interesse foi despertado?

MF: Sempre gostei muito de natureza e, ao voltar na Alsace, achei na casa de minha avó vários livros sobre orquídeas tropicais que haviam pertencido à minha bisavó. Fui me apaixonando.
Em Paris, tive os primeiros contatos com orquidófilos locais.
Costumava, quando convidado num baile, oferecer à minha acompanhante orquídeas para enfeitar sua roupa.
Já em 1947, meu pai mandou construir uma pequena estufa no jardin e comecei a cultivar Odontoglossums, Coelogynes, Cymbidiums. No meu 24° aniversario, meus pais me ofereceram uma Vanda coerulea.
Também comecei a viajar, especialmente em paises tropicais onde tinha sorte de achar orquídeas.
Em 1964, construimos uma casa própria e o cômodo mais importante era a estufa! Minha coleção começou aumentar, até chegar, por volta de 1990, a aproximadamente 1.800 plantas, umas compradas ou trocadas, mas a maioria delas trazidas de viagens.


ON: E o Brasil, como entrou nesta história?

MF: Vim ao Brasil pela primeira vez em 1984 e descobri os Pleurothallis, Stelis e Octomeria das quais continuo a gostar muito. Quando me aposentei, pensei em iniciar, no Brasil, uma atividade de reflorestamento com árvores nativas. Comprei um sítio, na serra, em Venda Nova do Imigrante, onde meu filho Pierre vivia há 5 anos.
Rapidamente meu interesse pelas orquídeas aumentou, especialmente depois de conhecer especialistas famosos como Roberto Kautsky, Erico Machado,Wlad e Savio.


ON: Desde quando você vem estudando este gênero e desde quando você faz pesquisas de campo?

MF: Em 2000, tive o prazer de encontrar, no Monte Feio (Município de Brejetuba, ES) uma orquídea que me pareceu não ter sido ainda registrada. Assim, meu primeiro contato com Pseudolaelias foi precisamente neste Monte Feio.
Estava com meu caro amigo Luiz C.F. Perim e ele, sendo um pouco mais novo do que eu, andava cinqüenta metros a minha frente. Falei : "- Luiz, é possível a gente encontrar Pseudolaelias aqui. Olhe bem nas Vellozias e Nanuzas".
Cinco minutos depois, Luiz gritou :" -Tem uma !"
Falei : "-Não toque, por favor. Pode ser exemplar único".
Cheguei até ele e vi que, pelo jeito, era uma Pseudolaelia sem flores e continuamos a subir. Um pouco mais tarde, estávamos num campo de milhares de Pseudolaelias, com hastes florais velhas. Pouco depois, achei uma planta menor, bem diferente, com bulbos bem agregados, com hastes paniculadas, que realmente era outra coisa.
Voltamos muitas vezes no Monte Feio, até achar as plantas floridas.
A espécie comum, identificamos como Pseudolaelia dutrae Ruschi e a outra, com certeza, era desconhecida.
Na época, ainda não tinha experiência nenhuma de como se faz uma publicação de espécie nova. Consultei vários amigos na França e, pouco a pouco, consegui finalizar, também com a ajuda preciosa de Claudio Nicoletti de Fraga, a descrição desta espécie nova, que foi publicada na Bradea.
Tinha ficado imortal ! O que desejar a mais ?
ON: Quais os habitats que você já visitou ou visita regularmente e o que tem a nos informar sobre eles?

MF: Depois disso, ainda tive a sorte de encontrar, sempre com Luiz (Carlos Perim), que anda, infatigável, por todos os morros do Espírito Santo e os mais próximos em Minas Gerais, 3 outras espécies novas de Pseudolaelia:
Pseudolaelia maquijiensis, no Morro do Maquiji, perto de Baixo Guandu (ES), Pseudolaelia pavopolitana, no Morro do Cruzeiro, perto de Vila Pavão (ES) e - isso merece ser contado um pouco - a Pseudolaelia tão comum no Monte Feio, que a gente tinha identificado como P. dutrae, finalmente não é !
Uns meses depois, passeando no Morro do Maquiji, a gente encontrou uma Pseudolaelia rosa, muito bonita, que, sem duvida, era P. dutrae. Com a ajuda do Museu de Biologia Mello Leitão de Santa Teresa (ES) conseguimos a descrição original de P dutrae, feita por Augusto Ruschi: não tem nada a ver.

Pseudolaelia freyi
Então, essa planta tão comum, que todos os orquidófilos locais conheciam e batizavam como P. dutrae, era especie nova ! Sob pedido insistente de vários amigos, pedi a Vitorino e Guy Chiron para fazer a publicação.
Assim, a planta pode ser chamada Pseudolaelia freyi.
Ainda não sei se ser duas vezes imortal é melhor do que uma !
Além disso, mais uma vez no Monte Feio, Luiz descobriu uma planta esquisita que tinha uma parte das características da P. brejetubensis e uma parte da P. freyi. Rapidamente ficou evidente que era híbrido natural dessas duas plantas. Eu a publiquei sobre o nome de Pseudolaelia x perimii.

P. brejetubensis

P. freyi
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Pseudolaelia x perimii
Tendo encontrado com Guy Chiron pela preparação da WOC de Dijon, decidi passar a publicar na Richardiana, porque essa revista podia imprimir fotos a cores, o que, naturalmente, era muito melhor.
(Obs.: As espécies citadas foram apresentadas em Orchid News # 29).





Habitat da Pseudolaelia freyi em Monte Feio

ON: Assim você descobriu 5 novas espécies.

MF: Nós encontramos Pseudolaelia maquijiensis no morro de Maquiji, entre Colatina e Baixo Gandu (ES), numa área sobre a qual eu não tenho a menor condição de dizer se tem um ou dois hectares. Diversas informações, ainda a serem confirmadas, indicam que existem Pseudolaelias amarelas na região de Santa Maria de Jetibá. Eu gostaria de relembrar que existem três espécies amarelas.
Pseudolaelia canaanensis (ex Renata), muito grande, perfumada, muito paniculada e sem os lobos laterais do labelo, Pseudolaelia maquijiensis e Pseudolaelia citrina, descoberta por Roberto Kautsky há 30 anos, na Pedra Santa (Município de Mutum, MG, conhecido como Imbiruçu).
Esta espécie também tem uma área de distribuição da ordem de alguns hectares e nunca foi encontrada em outro lugar. É surpreendente que, neste contexto, a P. brejetubensis fosse encontrada em Monte Feio (Brejetuba, ES) e não fosse encontrada no morro vizinho de TV de Brejetuba e tenha sido encontrada por Wlad na Pedra da Invejada (Município de Mutum, MG ) a, aproximadamente, 15 km de vôo de pássaro.


ON: Ainda existem coisas a serem descobertas?

MF: Com certeza ainda existe um monte de coisas a serem descobertas dentro deste gênero. O problema é que é preciso subir os morros que são, às vezes, pouco acessíveis.


ON: Nas suas pesquisas de campo, você só encontrou espécies novas deste gênero?

MF: Depois disso, publiquei mais duas outras especies: Myoxanthus conceicioensis, uma planta miúda descoberta perto de Conceição do Castelo, por Nelson Samson, um excelente conhecedor e pesquisador de orquídeas da região e Epidendrum josianae, um Epidendrum enorme, achado na Pedra Santa, perto de Ibiruçu (MG).
Sobre esta planta, há uma dúvida a respeito. Eric Hagsáter, o Papa dos Epidendrums pensa que é igual a Epidendrum kautskyi. Como tenho, graças a Roberto Kautsky, um bom conhecimento de E. kautskyi e ainda tenho duas outras plantas próximas a estudar, prefiro deixar o assunto pendente até coletar material para poder ter certeza.
(...)



Luiz Carlos Feitosa Perim, amigo e companheiro de Michel Frey em suas andanças pelos habitats capixabas e alguns de Minas Gerais, citado na entrevista interrompida, conta-nos um pouco de sobre esta parceria.

ON: Como foi a sua convivência com Michel Frey?

LCP: Sem falsa modéstia, tive o privilégio de conhecer e ser amigo do Michel, organizando e levando-o a todos os habitats das pseudolaelias. Estou sentindo muito e ele está fazendo um falta danada! E agora além de não tê-lo como companhia em nossos passeios, quando acho alguma coisa nova, não o tenho para tirar minhas duvidas. Espero encontrar-me mais com o Vlad e o Alek. Todas as novas pseudolaelias foram coletadas conjuntamente, e eu, por ser mais novo, sempre ir na frente e em lugares mais perigosos, tive a sorte de achá-las antes do Michel. A ultima delas, a Pseudolaelia pavopolitana tem uma história diferente. Em conversas com o Euclidio Colnago, Wladyslaw e Luciano Zappi, ficamos sabendo da Pedra do Cruzeiro, em Vila Pavão (norte do estado), habitat da Encyclia espiritossantensis. Era um local bem conhecido, já visitado por todos os botânicos e orquidoidos (além dos acima citados, o Ruschi, o Kautsky, etc... estiveram lá). Como havia bebido umas cervejas na noite anterior, resolvi não subir a pedra para me poupar, repousando lá embaixo, enquanto o Michel com grande fadiga subiu até o topo. Com a demora do Michel, resolvi dar uma volta na base da Pedra, quando descobri em floração a linda Pseudolaelia pavopolitana em seguida descrita pelo Michel, que vem a ser a única tricolor do gênero.


ON: O que você destacaria nas andanças que fizeram juntos pelos habitats?

LCP: Encontramos, por exemplo, Pseudolaelia geraensis também no Estado do Espirito Santo, mais especificamente no extremo noroeste do estado, nas divisas com o estado de Minas Gerais e Bahia.


ON: Esta é uma ocorrência nova. E em Minas Gerais?

LCP: Visitamos o habitat da Pseudolaelia geraensis, perto de Governador Valadares, em Minas Gerais, em afloramentos graníticos, em altitude de 300 metros ou menos.


ON: Vocês encontraram outra espécie no Espírito Santo sobre a qual pesa dúvida a respeito de sua identificação.

LCP: Para não gerar muita polemica, a classificamos como Pseudolaelia vellozicola, mas o Michel e o Vitorino (Paiva Castro Neto) destacam duas diferenças destas: não crescem nas velozias e tem os lóbulos do labelo bem diferentes da velozicolas conhecidas. Será uma nova espécie? O habitat é de altitude de 600 metros em afloramento rochoso granítico, no Espírito Santo, a 7 quilômetros da costa. Ela ocorre em meio das velozias, não aceitando concorrência com outras espécies vegetais.


ON: O que você pode nos falar sobre o habitat da Pseudolaelia freyi?

LCP: Ela ocorre entre vellozias e nanuzias, em altitude 1200 metros em inselberg (afloramento granítico), no Monte Feio, município de Brejetuba, no estado do Espírito Santo.


ON: E a Pseudolaelia Pseudolaelia brejetubensis?

LCP: É o mesmo também em altitude de 1200 metros em afloramentos graniticos nas bordas de placas de litosolos.


ON: Quais outras ocorrem em Monte Feio?

LCP:
Ocorre também híbrido natural Pseudolaelia x perimii (Pseudolaelia freyi e Pseudolaelia brejetubensis) assim Pseudolaelia canaanensis (antiga Renata canaanensis).


ON: E na divisa com Minas Gerais?

LCP:
Em Pedra Santa, no Município de Mutum MG, na divisa com o Espirito Santo a 1100 metro de altitude ocorre a Pseudolaelia corcovadensis. É também habitat da endêmica (até agora pelo menos) Pseudolaelia citrina descoberta pelo Kautsky.

ON: Obrigada, Luiz Carlos.





Lembranças de
Michel Frey



Michel Frey, engenheiro e ambientalista fundou, em 1999, juntamente com sua família e amigos, o INSTITUTO JACQUES WALTER para reflorestamento da Mata Atlântica, re-introdução e desenvolvimento da fauna e flora nativas.
Com sede na cidade de Venda Nova do Imigrante, este instituto desenvolve projetos de reflorestamento com árvores nativas, faz registros e desenhos de espécies botânicas, promove censos diversos e educação ambiental dentre outras iniciativas.
Os terrenos do Instituto estão situados nas nascentes do Rio Castelo, afluente do Rio Itapemirim, na divisa dos municípios de Conceição do Castelo e Brejetuba, numa altitude em torno de 1100 metros. Além da conservação das reservas naturais remanescentes, já foram plantadas mais de 400.000 mudas de árvores nativas, nos últimos anos, em antigas áreas de cultura de eucaliptos e pastagens. Outras atividades de destaque são a execução de mais de 350 pranchas com ilustrações cientificas das orquídeas do Espírito Santo, o censo ornitológico, registrando a ocorrência de mais de 200 espécies de aves no local e atendimento receptivo às autoridades, empresários, comunidades, ambientalistas, fotógrafos e cientistas brasileiros e do exterior.

INSTITUTO JACQUES WALTER
Av Domingos Perim,nº 563
Venda Nova do Imigrante - ES
Cep 29375-000
E -mails: freypierre@tiscali.it e lcfperim@veloxmail.com.br

Agradecimento:
Luiz Carlos Feitosa Perim, de Vitória - ES