|
Sou
paulista da capital e moro no Rio a cerca de 17
anos. Vim fazer uma obra aqui e acabei ficando,
não consegui mais voltar. Tenho 51 anos
e desde garoto sempre estive envolvido com as
coisas da natureza.
Apesar de ter estudado psicologia com a intenção
de me especializar em psicanálise, acabei
sendo paisagista. Sinto que deveria ter cursado
biologia, mas agora é tarde demais.
Hoje faço jardins e me especializei na construção
de recintos para animais, especialmente aves. Por mais de 35 anos
mantive um criadouro de aves, primeiro em São Paulo e depois
na fazenda, que chegou a ser muito grande e importante. Dediquei-me
muito a isso. Há cerca de 10 anos acabei com a coleção,
soltei a maioria das aves de maneira apropriada nos seus habitats
naturais e as que não puderam ser soltas, eu as doei para
amigos que sei que cuidam bem delas. |
Resolvi então que passaria a fazer tudo
o que eu não tinha podido fazer antes por
falta de tempo, pois passava todo o meu tempo
vago na fazenda cuidado das aves. Ledo engano...
O vazio causado pela ausência das aves,
o não ter pelo que estudar, aprender e
pesquisar, me tornaram presa fácil para
o vírus da orquidofilia e, um belo dia,
acabei novamente colecionando alguma coisa e entrando
no corre-corre infindável causado por se
ter um hobby absorvente e intrigante.
Por que começou a cultivar orquídeas?
Qual foi o momento mágico da atração?
Quando eu tinha cerca de 10 anos, fiz algumas
visitas à chácara e orquidário
do Ângelo Rinaldi. Ele era amigo do meu
avô materno. Ao perceber o meu interesse
pelas orquídeas, ele me deu algumas plantas
como incentivo. De fato eu as cultivei. Construí
algumas pequenas bancadas em baixo de árvores
no quintal de casa e as mantive ali, posso dizer
que com sucesso. Lembro-me de ter comprado uma
touceira de Oncidium altissimum (Oncidium
baueri) a qual, quando floriu, deu cachos
tão longos que eu os amarrei juntos em
forma de uma grande coroa. Lá fui eu levando
pela rua aquele imenso vaso para a exposição
de orquídeas do Shopping Iguatemi, perto
de casa, vaso esse que acabou ganhando menção
honrosa. Aos 12 anos, já iniciando na criação
de aves, abandonei as orquídeas completamente,
as quais foram parar nas árvores de casa
e nas da casa da minha avó. Um belo dia,
voltando do centro da cidade, em uma sexta feira
do mês de abril de 2003, ao passar pela
Rua Jardim Botânico, dou de cara com o banner
da exposição que ocorria dentro
do parque. Já estava quase fechando, mas
resolvi entrar mesmo assim. Não pensei,
pelo menos conscientemente, em comprar algum vaso
de orquídea, ainda mais eu estava de motocicleta
e portanto não podia carregar, mas, ao
me deparar com os quiosques de venda cheios de
belas flores, acabei comprando duas.
|
Cattleya
Portia coerulea
|
Lembro que me encantei com uma Cattleya
Portia coerulea (hoje com o nome de ‘Prima’,
de primeira, e também com uma Blc.
Oconee ‘Mendenhall’, ambas por serem
diferentes da maioria dos híbridos expostos
.ali
e por terem personalidade própria.
A Oconee estava de “amostra” para
a venda de seedlings, o
que me obrigou a voltar ao Jardim
Botânico no
domingo
para pegá-la na hora
|
Blc.
Oconee
‘Mendenhall’,
|
do
desmonte
da exposição. Acho que quem me vendeu ela
foi o Roland Brooks, sempre muito gentil e atencioso.
No domingo fui de carro e acabei trazendo algumas outras
aquisições, como uma Bc Pastoral
‘Innocence’ e outros híbridos, que
acabaram por formar o embrião da minha coleção
atual.
Além
deste, houve algum outro fator de influência (pessoa
ou fato) na sua relação com as orquídeas?
No início, os meus amigos antigos e pessoas do meu relacionamento
pessoal me ajudaram muto e tiveram a paciência para responder as
minhas infindáveis perguntas sobre o tema. No Rio, o jardim do
Dr. Etienne Bèraut, em São Conrado, o qual ajudei a fazer
por mais de 20 anos, me mostrou muito do aspecto vegetativo de orquídeas
botânicas, pois lá existe uma imensa coleção
de belas e raras orquídeas, crescendo de forma natural nas árvores,
plantadas por ele ao longo de 60 anos até o seu falecimento. Esse
jardim tem hoje mais de 80 anos! Em São Paulo, tive muita ajuda
do Samuel de Mello que era o meu fornecedor de plantas e amigo e também
recorri ao Gerson Calore, a quem vi crescer na casa do meu amigo Sinésio,
sempre envolvido em semear orquídeas quando isso era coisa rara.
Ainda garoto, ele chegou a construir em casa uma capela de fluxo laminar
de madeira, lembro-me bem disso. Tinha também aquela caixa com
luvas internas para se enfiar os braços. Ali estava o embrião
da Biorchids. Finalmente me associei à OrquidaRio, onde fiz muitos
amigos que me deram muitas dicas boas. As listas de discussão da
Internet resolveram o que faltava. Na parte científica, os meus
mestres foram o Rolf Grantsau, ornitólogo e naturalista e o Paulo
Rotter, mamólogo. Pessoas seríssimas e cientistas da velha
guarda, eles me ensinaram que ciência não é aventura
e que ser cientista de campo não é ser um Indiana Jones.
O método científico é aquele trabalho
que pode ser reproduzido na sua totalidade por outra pessoa
ou instituição, de maneira exata e idêntica
ao original. É muito importante portanto, ao se
compilar dados sobre as orquídeas, em fazê-lo
sempre pensando que uma outra pessoa poderá algum
dia usufruí-los, além de você.
Há
quantos anos você cultiva orquídeas?
Há 4 anos.
Quantas
plantas você possui, aproximadamente?
Cerca de 900 plantas, quase todas adultas.
Quanto tempo, por dia, você gasta cuidando de suas
orquídeas?
Isso é relativo. Vou ao orquidário uma vez por semana pois
ele fica em Guaratiba, que é distante, eventualmente mais de uma
vez. O que eu faço é trazer para casa todas as orquídeas
em botão ou floridas para fotografá-las e também
as que necessitam replante e eu as replanto aqui na minha casa mesmo,
na varanda do meu apartamento, onde fiz um local apropriado para isso.
Dessa maneira, eu cuido delas nos intervalos do trabalho, na hora do almoço,
no fim da tarde e nos finais de semana quando não vou ao orquidário.
Por questões de trabalho vou muito a Guaratiba pois lá estão
a maioria das chácaras que vendem planta, então sempre dou
uma passada rápida no orquidário. Lá tem uma caseira
que rega e o Nei, sócio da OrquidaRio, me ajuda na manutenção,
indo lá também uma vez por semana.
Você
tem preferência por híbridos ou por espécies?
Por que?
Assim como com as aves e tudo mais, eu nunca consegui
concentrar a minha atenção em um grupo
específico. Tenho um pouco de tudo, mas procuro
sempre ter apenas o que há de melhor dentro de
cada grupo. O fator limitante é apenas o clima.
Infelizmente o meu orquidário está situado
em um local quente demais para as orquídeas em
geral e espero, um dia, poder mudá-lo para um
local mais próximo e com temperatura mais amena.
Procuro ter bons híbridos e boas espécies,
mas tenho uma especial predileção pelas
cattleyas em geral, tanto espécie quanto híbridos
de cattleya.
Qual
o seu critério para a formação
de sua coleção, como você faz as
suas escolhas?
Sempre procuro peneirar e peneirar ao máximo
tudo o que adquiro. Antes de visitar um orquidário
eu procuro ver o site desse orquidário, procuro
saber o que eles têm lá de melhor na coleção
e tento de alguma maneira adquirir um exemplar ou um
corte dessa planta, mesmo que isso demore bastante.
Eu não compro uma orquídea inferior se
eu sei que existe uma melhor. Prefiro esperar uma boa
ocasião. Vou dar aqui um exemplo: em visita a
um orquidário em 2005, eu vi lá uma Cattleya
trianaei amesiana que achei espetacular. Eu tenho
uma que é bonita, mas não é muito
boa então gostaria de ter outra melhor. O problema
é que aquela que vi era uma planta pequena que
não dava corte, nem estava à venda. Depois
dessa visita em que eu vi essa planta, muitas pessoas
me acenaram com boas Cattleya trianaei amesiana,
mas não tão boas quanto aquela. Não
comprei. Mesmo que leve anos, vou esperar pelo corte
daquela que achei ser a melhor que eu já vi.
O mesmo se dá com os híbridos. Só
serve ele, aquele meristema que eu gostei e conheço
e não um self dele ou um cruzamento dele.
É muito importante a escolha dos orquidários
fornecedores, pois só os orquidários sérios
possuem plantas de qualidade ou têm a preocupação
em etiquetar corretamente as plantas que vendem. Um
outro foco de interesse que tenho na aquisição
de orquídeas, são as orquídeas
clássicas, aquelas que possuem uma história
por trás, os clones antigos. Sempre me interessei
pelo histórico das orquídeas antigas,
pois pesquisando-as eu descobri a história da
orquidofilia.
Uma coisa muito importante é comprar sempre pouco.
Plantas boas são caras e comprar muitas plantas
caras não há quem agüente. Quando
vejo pessoas saírem de exposições
e visitas a orquidários cheias de vasos no carro,
a maioria de plantas inexpressivas, e eu com apenas
um ou nenhum vaso na mão, penso que cuidar de
uma planta ruim dá o mesmo trabalho que cuidar
de uma planta boa, mas os frutos disso são muito
diferentes. Comprar pouco e bem é o meu lema.
Você
tem uma planta muito boa. Slc Ayrton Senna, de um vermelho
muito intenso e uma ótima forma. Você a
adquiriu ainda seedling ou já comprou a planta
adulta? Se seedling, quantos você adquiriu desta
planta?
Em uma visita ao Salão das Walkerianas dos Wenzel,
que ocorre simultaneamente com a exposição
de orquídeas de Rio Claro, isso em junho de 2004,
vi ali um espetáculo esplendoroso que era a exposição
conjunta de, pelo menos, umas 30
Slc Ayrton Senna pré-selecionadas, uma
de cada cor, em cima de uma espécie de podium.
Segundo o César Wenzel, as melhores seriam meristemadas
e receberiam o nome clonal de uma pista de corrida onde
o Ayrton Senna correu. Ele tinha à venda seedlings
desse cruzamento (Golden Acclaim x California Apricot)
que ainda não haviam florido e tinha também
algumas já floridas, mas não tão
boas quanto àquelas que estavam naquele podium.
É claro que eu me interessei por algumas dali,
das pré-selecionadas, mas que infelizmente não
estavam à venda. Para se obter as melhores é
fácil, basta esperar alguns anos e comprar os
meristemas delas, mas tinha lá algumas realmente
belas que eu gostaria de já começar a
apreciá-las desde aquele momento. O que eu fiz
foi ficar na cidade mais um dia, eu estava mesmo de
férias por uma semana e podia fazer isso.
Na segunda feira pela manhã fui ao Wenzel, dessa
vez fora daquela confusão de exposição
e com muito jeito e insistência descobri que uma
lindíssima amarela de nome clonal ‘Hockenhein’
estava com uma parte do rizoma caindo para fora do vaso.
Ali dava um corte. Acabei conseguindo esse corte. De
lambuja vi essa linda vermelha ainda sem nome, que também
dava um corte e por sorte consegui obtê-lo. Dei
à essa vermelha o óbvio nome clonal de
‘Red’, pois ela não foi selecionada
para ter um nome de pista de corrida.
Slc
Ayrton Senna ‘Hockenhein’
|
Slc
Ayrton Senna ‘Red’
|
Havia por lá muitas vermelhas bonitas. O que não
se esperava era a quantidade de flores que ela daria.
Esse híbrido dá flor praticamente o ano
todo, com o pico de floração em junho e
julho. Talvez o César um dia a queira meristemar,
quem sabe...
Entre
as suas plantas, existe alguma que seja a preferida?
Uma eu não diria, mas algumas, sim. Em matéria de
espécie eu tenho uma Cattleya trianaei caerulea pincelada
que é realmente muito boa.
É um cruzamento de ‘Luna de Fusa’
com ‘Ikirá’. Ela já se
tornou uma grande touceira e pede divisão.
Pretendo meristemá-la, é uma flor
já pronta. |
Cattleya
trianaei caerulea pincelada
|
Cattleya
percivaliana ‘Carla Porto’
|
A
outra espécie preferida é a Cattleya percivaliana
‘Carla Porto’.
Eu não conheço outro clone de percivaliana tão
bom. |
Quanto
aos híbridos, o meu preferido é sem sombra de dúvida
a Lc Sheila Lauterbach FCC/AOS. Eu diria que essa é
uma das flores mais belas do mundo. Pena que em foto ela nunca
sai bem e só mesmo ao vivo é que se pode admirar
a sua beleza na totalidade. O perolado das pétalas e sépalas,
o veludo do labelo... |
Lc
Sheila Lauterbach FCC/AOS
|
A
Blc Chia Lin ‘New City’ AM/AOS também
é uma parada, que ainda exala um fantástico e penetrante
perfume, uma mistura de doce com madeira. Um híbrido enorme
e espetacular.
No que se refere às orquídeas botânicas,
tenho um Dendrochilum wenzelii que é,
com certeza, o meu xodó. Uma bola de folhas
fininhas com lindíssimas flores vermelhas.
É uma planta bem grande. |
Blc
Chia Lin ‘New City’ AM/AOS |
|
Dendrochilum
wenzelii |
Quais
são as condições climáticas
encontradas em seu ambiente de cultivo?
O meu orquidário infelizmente se encontra ao nível
do mar e em uma região do Rio que é relativamente
quente. Ele está instalado em um terreno onde eu
cultivo algumas plantas ornamentais que uso nos projetos
de paisagismo que faço. O local está voltado
para esse tipo de cultivo, isto é, folhagens ornamentais.
No entanto, o terreno está localizado próximo
a algumas florestas que refrescam e trazem umidade de
uma montanha próxima. O local é muito arejado,
com brisas fortes circulando o tempo todo. Tudo isso ajuda,
mas está lonje de ser aquele local ideal, como
em uma área de montanha, por exemplo, onde a bruma
fria fustiga as árvores e as rochas, baixando a
temperatura à noite e regando com o sereno tudo
à sua volta. Esse sim seria um local ideal para
um orquidário, um local como o Alto da Boa Vista,
por exemplo. Lá, até as calçadas
são cheias de musgo e ao mesmo tempo a luz solar
é bastante intensa, dando ao dia o calor necessário.
No meu orquidário, orquídeas como Sophronitis, Lycaste,
alguns Paphiopedilum e outras orquídeas de frio, não
vão bem. Já os seus híbridos se desenvolvem sem problemas,
desde que eu encontre dentro da estufa o nicho adequado.
Qual
a freqüência de rega e adubação?
A rega não possui uma freqüência regular,
pois isso depende das condições climáticas
do momento. O meu orquidário é coberto de
plástico agrícola por sobre o sombrite,
de maneira que a água da chuva não atinge
os vasos (na verdade são cachepots de madeira).
A caseira que rega já aprendeu a avaliar o momento
certo de molhar. Eu, é claro, estou sempre fiscalizando
isso quando lá vou. Pego os cachepots na mão,
sinto o peso, encosto a mão por fora para sentir
a temperatura, enfio o dedo no substrato, etc. Coisa rápida
e automática, quase um cacoete, que faço
quando ando ao longo das bancadas. Toda a adubação
é feita uma vez por semana, geralmente usando um
adubo foliar da Peters, com micronutrientes de formulação
20-20-20. Também uso o nitrogenado 30-10-10, principalmente
nos seedlings dos meus cruzamentos que são poucos
e o 10-30-20 que começo a usar um pouco antes da
primavera, que é a época que eu tenho mais
plantas floridas. Mesmo assim, devido à mistura
dos vasos entre si e à falta de especialização
na cultura, muitas orquídeas florescem sem receber
o adubo floral antes da floração. É
impossível adubar cada uma de acordo com as suas
necessidades particulares. Espero poder no futuro construir
um orquidário maior e mais espaçoso, para
que eu possa de certa maneira setorizar as orquídeas
de acordo com o grupo a que pertencem e às suas
necessidades básicas.
Você
teria alguma dica de cultivo sua que quisesse
compartilhar conosco?
Eu fiz com o meu orquidário, tudo o que
eu dizia antes às pessoas para elas não
fazerem. No caso eram criadores de aves começando
a criação. Isto é, eu gastei
tempo e dinheiro na busca de plantas, que é
mais prazeroso e não investi nas instalações
do orquidário, que é fundamental.
Hoje o orquidário está pequeno,
amontoado e precisando de manutenção.
A minha intenção na verdade é
me mudar dali, mas sabe como é, tudo é
muito caro hoje em dia. Portanto a principal dica
é: não faça o que eu fiz,
invista primeiro no orquidário e depois
na aquisição de plantas, senão
você poderá acabar em uma situação
complicada, em uma sinuca, isso se um acidente
na estrutura não acabar com tudo o que
está dentro.Eu
passei por diversas fases de cultivo até
achar |
|
aquela que
considero ideal para as minhas condições particulares.
Inicialmente eu usava o cultivo clássico de vaso de barro
com substrato de fibra de xaxim e drenagem de cacos de telha.
Depois do arroxo na proibição do uso do xaxim comecei
a procurar um substrato alternativo. Coincidentemente fiz uma
importação de sphagnum do Chile e passei a usá-lo
com resultados excelentes. O sphagnum, ao mesmo tempo em que mantém
a umidade, é arejado e não abafa nem dá podridão
nas raízes. Antes, se eu molhasse demais, as raízes
apodreciam e se eu molhasse de menos as orquídeas se desidratavam.
Lembre que eu não tenho uma alta umidade ambiente que permita
que as orquídeas fiquem longos períodos sem rega.
Para dar mais “vida” ao sphagnum e fazê-lo render
mais, além de deixá-lo mais “aberto”,
eu acrescento, na razão aproximada de um terço,
uma mistura que compro da Aranda e que lá é usada
como substrato para paphios. É uma mistura de casca de
pinus, côco desfibrado, carvão, brita, sei lá
o que exatamente. Só sei que o resultado é bastante
bom. Partindo do princípio que é mais fácil
molhar do que secar, eu optei pelo uso de cachepots de madeira,
todos pendurados, de maneira que a secagem do substrato é
relativamente rápida, ficando apenas aquele friozinho que
se sente quando se toca nele com a mão por fora. Ainda
tenho algumas plantas no cultivo antigo de xaxim e que estão
sendo gradativamente transferidas ao tipo de cultivo atual. Algumas
orquídeas como as catasetíneas, as Laelia pumila,
fidelensis, as orquídeas botânicas, as cattleyas
bifoliadas em geral e os híbridos de Sophronitis
dão um salto imediato de tamanho ao serem plantados no
sphagnum. Cattleyas enjoadas como a Cattleya velutina por
exemplo, quando passadas para o sphagnum emitem bulbos o dobro
do tamanho dos anteriores. Uma avaliação no meu
entender errada sobre a relação da emissão
de raízes e a qualidade do substrato está no fato
de que as pessoas acham que se uma orquídea está
emitindo um monte de raízes para fora do vaso, isso significa
que ela está gostando do substrato, que está forte
e saudável. Eu já vejo aquela planta como um indivíduo
descontente com o ambiente em que está e que passa a emitir
raízes em busca de um outro local para se “mudar”,
para sair dali. Talvez enraizar em algum substrato melhor, conduzir
o rizoma para fora dali, deixar lá uma traseira que depois
será abandonada, sabe lá, mas se você olhar
dentro do vaso verá que lá quase não existem
raízes. Todas as raízes estão para fora buscando
algo novo. Como acredito que nas orquídeas as raízes
são tudo, acho importante o cultivador examinar as raízes
que estão dentro do vaso, quando a planta passa a emitir
raiz para fora, às vezes até cavoucando um pouco
no substrato, para ver se elas também cresceram lá
dentro. Prefiro ver as orquídeas com as suas raízes
bem desenvolvidas, mas dentro do contêiner em que elas estão.
|
Para
as Cattleya walkeriana que gostam de casca
de peroba, eu as planto na casca e coloco a casca
inclinada dentro de um cachepot e preencho a parte
interna do cachepot na parte da frente da placa
com sphagnum. O rizoma da walkeriana fica fora
do sphagnum, sobre a placa, pois elas não
querem tanta umidade, mas as raízes crescem
para baixo em direção ao sphagnum
ou ao redor do cachepot e entram nele novamente,
de maneira que embora a planta esteja no seco,
as raízes estão com as pontas no
úmido, sugando a energia vital da água.
Atualmente
instalei no orquidário uma máquina que produz
neblina. É uma espécie de ventilador conjugado a
um aspersor movido a centrífuga e os resultados são
muito promissores. Passei
a ter que regar menos e as walkerianas e as vandas
adoraram. Instalei-as
mais próximas do aspersor, |
|
tomando cuidado para evitar que a umidade da neblina não
atinja as folhas das vandas, só as raízes.
Cada vez mais vejo uma grande afinidade no cultivo de
Vanda e Cattleya walkeriana.
Existe
alguma história ou caso interessante ligado à
sua relação com as orquídeas?
Eu cultivo orquídeas há pouco tempo então os casos
ainda não aconteceram, mas as pessoas que eu conheci, principalmente
os orquidófilos veteranos, são eles próprios pessoas
tão interessantes que cada um deles daria um caso desses. Eu tive
um encontro casual com um grande produtor de São Paulo, o Sebastião
Nagase, conceituado criador de belos híbridos de Dendrobium
nobile e de Miltoniopsis. Dizem que nessa plantas, ele é
o melhor do mundo! Em uma mesa de bar, num informal encontro entre orquidófilos
e ele controu sobre as suas viagens ao Mato Grosso e Tocantins observando
Cattleya nobilior, contou que o povo local tem o costume de amarrá-las
com a raiz nua em cordas de barbante e as usam como decoração
de terreiros, acredito eu à maneira das bandeirinhas de papel pintadas
por Volpi em seus quadros e usadas aqui na época de São
João. Contou que as plantas sobrevivem bem assim e que até
dão flor, o que é um belo espetáculo de se ver. Todo
aquele fio, engalanado com as lindas Cattleya nobilior floridas.
A certa altura os ânimos se acalmaram e eu tive a chance de lhe
perguntar sobre a filosofia que norteava as suas hibridações,
quais eram as diretrizes básicas que o orientavam nisso. Ele entendeu
na hora a minha pergunta e intenção e me respondeu que ele
seguia por dois caminhos paralelos: um deles era fazer as hibridações
que consistiam no óbvio, hibridações feitas por caminhos
conhecidos e que teriam um grande índice de aproveitamento do seu
resultado. Esses seriam os híbridos que dariam à ele o sustento
da empresa; falando-se mais simplesmente, o “arroz com feijão”
da produção. Um cliente encomendava um número xis
de híbridos de Dendrobium nobile vermelhos e ele entregava.
Por outro lado, para a sua companhia sobreviver, ele tinha que inovar,
inventar. É aí, acredito, que reside o seu gênio.
Enquanto que muitos hibridadores inovam pouco, inventam apenas novas cores
e novas variações na forma básica das flores, ele
tem o costume de fazer o que chamou de “hibridações
de alto risco”. Das cruzas mais improváveis e mais absurdas
é que saem as verdadeiras belezas e novidades inesperadas. De duas
flores completamente diferentes e ao que se pensa, totalmente incompatíveis,
pode ser gerado algo de beleza indescritível. Este tipo de cruzamento
é caro, o investimento é alto e o resultado tem aproveitamento
baixíssimo. Mesmo assim, agora com o advento da meristemagem, esse
“cruzamento louco” passou a receber a atenção
dos hibridadores de ponta. Segundo o Sr. Nagase, ele chega a produzir
até 5.000 seedlings em cada um desses cruzamentos, mas a média
é 2.000 e ele tem que esperar que todos os seedlings floresçam
no seu orquidário, para que se ele tiver sorte, dentre todos esses
exemplares, saia uma planta com flores fantásticas. Muitas vezes
a aparência das plantas descartadas é tão ruim, que
elas nem podem ser vendidas, mesmo em supermercados, tem-se então
que destruí-las. Uma entre cinco mil, no entanto, sai tão
linda, tão perfeita e tão diferente do que se conhece, que
ela segue então para o Japão para lá ser meristemada,
produzida aos milhares e vendida para todo o mundo. Penso eu que o Dendrobium
Stardust seja um bom exemplo do que ele se refere, embora não
seja criação dele. Essa nova flor, essa nova descoberta,
representa um novo caminho a se explorar e seguir nas hibridações.
Ao mesmo tempo em que é um avanço para a orquidofilia mundial,
é também uma garantia de futuro para a empresa da qual ele
é dono. Sem esse tipo de hibridação de alto risco,
ele caiaria na mesmice e seria engolido pelos concorrentes maiores mas
com menos talento.
Diz-se que a orquidofilia é uma manifestação
branda de loucura. Você já fez alguma loucura
orquidófila?
Bom, de tanto dar cabeçadas em ponta de cachepot
pendurado, resolvi um dia levar comigo ao orquidário
o capacete da minha moto. Escolhi um capacete leve, sem
aquela parte que cobre o maxilar. Agora, quando tenho
que percorrer o corredor à procura de alguma orquídea
perdida, sempre visto o capacete. Fico imaginando o que
pensam as pessoas de fora, da rua, quando me vêem
lá dentro arrancando matinho de vaso e usando um
capacete de moto... Reconheço no entanto que fiz
uma verdadeira loucura orquidófila, quando em todo
final de mês as contas não querem fechar
devido aos gastos que fiz comprando orquídeas.
Não sou rico, não tenho produção
própria de orquídeas que sustentem com trocas
as novas aquisições e tudo o que adquiro
sai mesmo dos meus ganhos com o trabalho de paisagismo.
Todo mês juro que não vou comprar mais nada,
mas sempre acabo adquirindo alguma planta ou pagando um
cheque pré-datado resultante do parcelamento da
compra de uma planta. Isso para mim é uma espécie
de loucura, de vício, sem falar na despesa constante
de manutenção do orquidário. As belas
flores que adornam a minha sala e os amigos que fiz, compensam
no entanto a justeza no orçamento doméstico
ou o conserto do carro postergado ou a viagem que não
deu para fazer. Na verdade, cada vez mais eu não
quero viajar, pois não quero perder a floração
de nenhuma das minhas orquídeas.
Está aí outra forma branda de loucura a
que você se refere.
Fotos: Carlos Keller |