Luiz
Filipe Varella é gaúcho de Porto
Alegre, advogado, diplomado pela PUC/RS, passou
sua infância em Guaíba também
no Rio Grande do Sul. Dois fatores foram fundamentais
para se tornar um orquidófilo: a fotografia
e a paixão pela Mata Atlântica da
região em que vive. Primeiro se apaixonou
pelas bromélias que encontrava às
margens da BR 101 e as orquídeas vieram,
quase que por ocaso, quando chutou, sem querer,
um galho caído com um touceira de Capanemia
superflua com uma inflorescência prestes
a se abrir.
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ON:
Por que começou a cultivar orquídeas?
Qual foi o momento mágico da atração?
LF: Na verdade antes das orquídeas vieram as bromélias,
que descobri nas idas a Florianópolis nos anos 90. Naquela
época, comecei a observar a quantidade de bromélias
nas árvores das margens da BR-101, principalmente Vriesea
e Aechmea, e depois constatei a quantidade de Tillandsia
que se podia encontrar às vezes num único galho (T.gardneri,
T.geminiflora. T.stricta, T.aeranthos. T.mallemontii...).
Aquilo
foi chamando minha atenção e comecei
a notar e anotar as diferenças entre as
espécies, as épocas de floração,
as variedades diferentes de cores e formas.
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Capanemia superflua
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Em
passeios pela serra gaúcha, passei a observar
que havia ali também muitas bromélias,
mas de outras espécies porque o clima é completamente
outro.
Comecei
a bater fotos, gastando filmes e filmes (a máquina
digital viria bem depois), e a tentar identificar
as plantas e, em seguida, descobri que na internet
havia material muito bom para isso.
Logo notei
que não havia só
bromélias naquelas árvores todas,
mas muitas orquídeas e especialmente
muitas microorquídeas.
A Capanemia superflua foi a primeira que
me cativou de verdade; numa caminhada à beira
de uma rodovia em Canela, na serra gaúcha,
chutei sem querer um galho podre com uma pequena
touceira dela, uma inflorescência
prestes a abrir.
Tenho essa planta até hoje,
minha primeira microorquídea.
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Capanemia superflua
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ON
- Além deste, houve algum outro fator
de influência (pessoa ou fato) na sua relação
com as orquídeas?
LF - Houve dois fatores fundamentais: a fotografia
e a paixão
pelos locais onde realmente há muitas orquídeas – a
Mata Atlântica, das encostas da Serra Geral,
no nordeste do RS e sudeste de Santa Catarina
e no topo da serra gaúcha
e catarinense as matas nativas, quase virgens,
ainda lá encontradas.
Reunido esse tripé - fotografia, serra e
mato - fui definitivamente seduzido. Como é bom
fotografar uma planta florida no habitat. Tenho
uma lista crescente de espécies que já
vi na natureza. E com o passar dos anos e a busca
por mais informações e novidades,
fui fazendo amizades que têm me trazido conhecimento,
alegria e novas experiências. A participação
nos grupos de discussão de orquídeas
e bromélias no Yahoo e o contato virtual
com muitas pessoas através desses grupos
também têm
sido muito válido. Como válidos têm
sido também os encontros com o pessoal do
Círculo
Gaúcho de Orquidófilos, do qual tenho
participado desde 2006.
Poder contribuir com fotos
para sites como o do Jay Pfahl e auxiliar com plantas
o Projeto Orchidstudium também tem sido
muito gratificante.
Tem uma outra coisa interessante que são
as tentativas de identificação de
espécies. Nessas horas
quase enlouqueço tentando identificar uma
espécie
ou comparando variedades. Uma dessas dúvidas
surgiu há poucos
meses, quando da tentativa de identificar um Rhinocidium – seria
um R.macronyx ou um R.longicornu?.
Quase perdi o sono até ter a certeza de
que era o Rhinocidium macronyx.
No entrevero dessas batalhas, visito sites e folheio
os livros alucinadamente, e dê-lhe e-mails
para os grupos de discussão.
E como é bom quando vem enfim a identificação!
Como é bom quando pego enfim a etiqueta
branca e escrevo lá o nome da plantinha
(e mesmo assim muitas vezes com alguma dúvida,
assinalada com um ponto de interrogação
no cantinho da etiqueta, como acontece por exemplo
no caso da maioria das Octomerias e Stelis).
ON:
Há quantos anos você cultiva orquídeas?
LF: Oito anos desde aquela primeira Capanemia superflua,
lá em 2000, e onze, doze anos desde as primeiras bromélias.
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ON:
Quantas plantas você possui, aproximadamente?
LF: Difícil dizer. O que posso afirmar é que
ainda não são todas as quero ter.
São
hoje talvez 110, 120 gêneros, distribuídos
em algo perto de 300 espécies diferentes.
Tenho tudo anotado, mas é um
controle flutuante, dada a quantidade de variedades,
sinonímias
e plantas não identificadas.
Se considerarmos Pleurothallis e Oncidium como
gêneros únicos, sem os novos gêneros
deles derivados, esses seriam os dois gêneros
dos quais tenho mais espécies. Maxillaria também
tenho muitas.
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Baptistonia (Oncidium) fimbriata
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Baptistonia (Oncidium) riograndense
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Brasilidium (Oncidium) enderianum
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ON:
Quanto tempo, por dia, você gasta cuidando
de suas orquídeas?
LF: Temos que computar o tempo real e o tempo virtual. O
tempo real é
o que passo efetivamente mexendo nas plantas ou
tirando fotos. Isso rende ao menos uma hora pela
manhã cedo,
e mais uma hora, talvez uma hora e meia, distribuída
pelo resto do dia. No período de horário
de verão é muito bom, porque o dia
começa
cedo e se estende mais.
Já o tempo virtual é o
que passo navegando na internet, lendo e-mails
e livros, mexendo nas fotografias das plantas.
Difícil
computar quanto tempo é empregado nisso.
ON: Você tem preferência pelas micro-orquídeas?
Por que?
LF: Em primeiro lugar porque as microorquídeas
sempre foram as plantas que mais encontrei na natureza.
Nos lugares onde ando, elas estão sempre
lá – mesmo em áreas
urbanas de Porto Alegre ainda é
possível encontrar Pleurothallis, Octomerias
e Oncidium. Além disso, se gosto
de fotografia, gosto mais ainda de macrofotografia
– e aí as microorquídeas são
um prato cheio.
Uma flor de Myoxanthus ou
de uma Stelis, por exemplo, só se
mostra por completo numa macrofotografia. As flores
de uma Capanemia
gehrti ou de uma Barbrodria miersii,
por sua vez, mal e mal podem ser vistas a olho
nu, e precisam de um instrumento como a macrofotografia.
E tenho que considerar também que no momento
não tenho
muito espaço, cultivo as plantas em casa
e não
há como ter plantas de porte maior sem sacrificar
o espaço da família. O projeto é
transferir as plantas para um lugar melhor e mais
amplo, mas por enquanto não
é possível.
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Myoxanthus lanchophyllus
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ON:
Entre suas plantas, existe alguma que seja a
preferida?
LF: Se eu tivesse que escolher um gênero,
seria o Oncidium,
em especial as espécies gaúchas e catarinenses.
Como hoje existem todos os novos gêneros
surgidos a partir de Oncidium, opto por
destacar os “charutinhos”,
hoje todos reunidos no gênero Baptistonia. Mas talvez
as plantas favoritas sejam a Capanemia superflua, por
ter sido a primeira coletada na natureza, e a Ornithophora
radicans, outra que tenho visto na natureza
e cujo primeiro exemplar que eu tive salvei de
uma morte certa por fungo há alguns
anos e desde então retribui com um crescimento vertiginoso
e florações certas no verão.
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Carenidium concolor var ottonis
(Oncidium ottonis)
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Carenidium (Oncidium) hookeri
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ON:
Quais são as condições climáticas
encontradas em seu ambiente de cultivo?
LF: É o clima de Porto Alegre em suas nuances
conhecidas.
Neste inverno, por exemplo, estamos
tendo muita chuva e frio, e houve verões
bastante secos há alguns anos. Se é certo
que algumas plantas gostam, outras sofrem. Por
outro lado, quando se diz que Porto Alegre às
vezes tem as quatro estações
num mesmo dia, é verdade! Isso acontece
muito em maio ou setembro, quando as manhãs
ainda são muito frias
e durante o dia a temperatura sobe muito, para
cair novamente à noite.
Com isso temos que ter cuidado redobrado com as
regas e com o sol. Temos também muitos dias
de neblina, com umidade relativa do ar altíssima
e para algumas espécies
isso é muito bom. Com tudo isso, não
raras vezes sou visto trocando de lugar durante
o dia algumas plantas mais delicadas, dependendo
da evolução
do clima.
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Aspasia silvana e Aspasia
lunata
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ON:
O que você poderia falar sobre seu cultivo,
tipo de substrato, tipo de vaso ou suporte, regime
de rega e adubação, luminosidade?
Você teria alguma dica de cultivo sua que
quisesse compartilhar conosco?
LF: Substrato e regas variam de acordo com a planta,
assim como a iluminação e mesmo o
tipo de vaso ou suporte. São todas coisas
que aprendi com observação
das próprias plantas. Observá-las é muito
importante. Observação e paciência.
Perdi muitas plantas por erro ou pressa no cultivo,
mas cada erro foi um processo de aprendizagem.
E do aprendizado vêm as regras.
Uma delas, que considero talvez a mais importante:
observar como a planta está no seu habitat
natural e tentar reproduzir isso de alguma forma.
Outras que a gente vai aprendendo: vaso de barro
retém menos umidade, vaso de plástico
retém mais. Juntar demais as plantas
é facilitar fungos, elas precisam de ar
e ventilação.
Umidade não é sinônimo de substrato
encharcado. Cuidado com o primeiro sinal de
lesma; normalmente o primeiro sinal que a gente
nota vem quando o estrago já foi grande.
Plantas como Sophronitis, Dracula e Masdevallia precisam
muito da reprodução de condições
próximas de como estariam na natureza. Ludisia
discolor precisa de muito menos luz direta
que outras plantas. Maxillaria, muitas
delas se dão
bem sem muito cuidado. As espécies de Capanemia e Ionopsis são
sensíveis. Pleurothallis, Stelis, Dryadella e Octomeria,
salvo algumas exceções, são
todas cultivadas com umidade e pouco sol direto. Brassia não
suporta o frio, Cymbidium adora. Muitos Oncidium não
se dão bem em vasos. Epidendrum e Encyclia,
toleram muito bem o sol direto. Brassavola,
então,
nem se fala. Dendrobium, Phaius e Arundina,
também. Uma Stanhopea precisará estar
envasada de forma a permitir que a inflorescência
possa não só
pender para o chão como mesmo sair por baixo
do substrato. Já
uma Rodriguezia decora ou uma Renanthera vai
querer espaço pra subir.
Enfim, cada planta é uma
planta.
Substratos já testei diversos, às
vezes com sucesso, às vezes não.
Alguns substratos vão bem para algumas plantas
e para outras não. Nó-de-pinho, por
exemplo, foi bom para Oncidium flexuosum, Oncidium
bifolium e Dendrobium
nobile, mas péssimo para Cattleya
intermedia. Cacos
de coco são muito bons, mas têm de
ser pequenos para plantas de raízes finas.
Já placas
de fibra de coco não uso mais, foi muito
frustrante.
Quanto à disposição
das plantas no orquidário, como
não tenho muito espaço em
minha casa, optei por utilizar prateleiras
de ferro penduradas nos muros e paredes
que não pegam sol direto por muito
tempo e que não ficam prejudicados
pelo vento. Como sabemos, para a maioria
das microorquídeas, sol forte e
vento não são nada interessantes.
Como moro em um morro aqui em Porto Alegre,
enfrento as duas coisas. Então escolho
os melhores pontos e utilizo essas prateleiras,
que compro prontas ou mando fazer, adaptando
sobre elas uma faixa de sombrite, para
que seja filtrado apenas o sol das horas
mais prejudiciais.
A maioria das micros não são plantas muito altas,
então não há
perigo de conflito entre as diferentes
bancadas da prateleira; se algum Epidendrum,
por exemplo, inventar de crescer muito
e ficar alto demais, troco-o de lugar,
aproveitando o fato de que fazer prateleiras
com diferentes alturas.
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Além
disso, é possível ajeitar adequadamente
aquelas orquídeas com inflorescências
pendentes (caso das Gomesas), boto em lugares adequados
aquelas com inflorescências racemosas (como
muitos Oncidium) e também posso pendurar
nas mesmas prateleiras aquelas orquídeas
que estão em substratos
pendentes (em nós-de-pinho, palitos e placas
de xaxim ou toras e galhos diversos). Claro que
isso é um
exercício constante de observação,
mexe-mexe e acomodação; mas quer
coisa melhor do que ficar ajeitando as plantinhas?
Muitas vezes me pego falando sozinho com elas,
tipo "Ah, tu vais
ter que sair deste cantinho, mocinha, porque senão
aquela Prosthechea ali vai te incomodar!",
ou então
"Dona Jacquiniella, vamos trocar de lugar
porque aquele Oncidium que estava ali saiu e agora
não
tem mais sombra pra ti!"
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ON: Existe alguma história ou caso interessante
ligado à sua relação com as
orquídeas ou alguma loucura que tenha feito
em função da orquidofilia?
Ainda não tenho uma “loucura” para contar,
nem sei se terei porque com filhos ainda crianças a gente
tem que ter certo juízo. Mas como tenho andado muito procurando
plantas e tirando fotografias, mais cedo ou mais tarde terei
alguma história boa pra narrar. Já gastei um pouquinho
mais em um ou outro livro ou numa encomenda de plantas, acho
que isso de certa forma se enquadra na categoria loucuras, mas
nunca é em excesso. Uma coisa interessante que tenho feito é vasculhar
no Google Earth estradinhas obscuras da região nordeste
do RS e do Sul de Santa Catarina e depois ir lá procurar
lugares novos, mas nem sempre consigo reproduzir nas andanças
o mesmo trajeto delineado no computador e acabo me perdendo.
Isso aconteceu umas duas vezes no último verão...
Claro que também já caí de árvore
e de pedras, quase perdi uma máquina fotográfica
tentando clicar uma Ornithophora radicans na
nascente do Rio do Sinos há alguns meses e há
uns dois verões tive um tombo formidável
na tentativa de fotografar uma Encyclia vespa num
penhasco na Praia Brava no norte da Ilha de Santa
Catarina. Sem contar um quase atolamento do carro
numl lodaçal
de uma estrada isolada no interior de São Francisco
de Paula. Mas talvez a loucura maior seja a idéia
que pretendo encaminhar com alguns amigos nos próximos
anos – um projeto envolvendo livro, CD e site com
as orquídeas do Rio Grande do Sul. Essa é loucura
planejada. Se alguém quiser conhecer outras fotografias
minhas de orquídeas, acesse http://fotos.terra.com.br/album.cgi/*mineralist
Dryadela edwalli
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Dryadella zebrina
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Fotos:Luiz Filipe
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