Sergio
Englert é engenheiro agrônomo,
graduado pela Faculdade de Agronomia da
Universidade Federal do Rio Grande e obteve
o título de Mestre em Ciência
na Universidade de Wisconsin, Estados Unidos.
Com 50 anos de experiência em cultivo de orquídeas,
foi, por diversas vezes, presidente do Círculo Gaúcho
de Orquidófilo do qual ainda é sócio.
Desde l980, mantêm o Orquidário Ricsel e já participou
de várias exposições a nível nacional
e internacional: Argentina, Nova Zelândia, Japão,
Canadá e Estados Unidos, onde também proferiu diversas
palestras sobre as orquídeas nativas
do Rio Grande do Sul.
Publicou
o livro Manual Prático de Cultivo –
Orquídeas e Bromélias, já em
sua 2ª. Edição.
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Sergio
Englert faz parte da história do melhoramento genético
de espécies no Brasil e, em especial, no Rio Grande do
Sul, sobretudo da Cattleya intermedia, tendo obtido
obtendo excelentes resultados.
Ele tem muitas coisas a nos contar. |
ON: Sergio, Orchid News pretende contar
um pouco da história da hibridação
e do melhoramento de espécies no Brasil,
desde o começo, sob o ponto
de vista de quem fez esta história. Em nossa primeira
entrevista, com Álvaro Pessoa, você foi uma
das pessoas citadas como participante desta história,
assim gostaríamos que você nos falasse um pouco
sobre isto. Mas, antes de começarmos, gostaria de
saber um pouco de sua história, como você começou
na orquidofilia?
SE: Comecei na orquidofilia com
15 anos de idade (portanto há 50 anos atrás)
visitando exposições
de orquídeas do Circulo Gaúcho de
Orquidófilos,
do qual me tornei membro e como escoteiro sempre
coletava e observava as orquídeas nas figueiras
sob as quais acampávamos.
No início da década de 1980 comecei a comercializar
seedlings de orquídeas e fundei a Ricsel Orquídeas.
ON: Você poderia nos dar o seu ponto
de vista, uma vez que você
também é, ao mesmo tempo, agente e testemunha
dela? Em suma, o que você poderia nos contar sobre
a história da hibridação e melhoramentos
de espécies no Rio Grande do Sul?
SE: Um dos pioneiros, já na
década
de 1960, foi o Dr. Walter Haetinger.
Ele cruzou várias variedades de Laelia
purpurata originárias
da natureza obtendo, após trinta anos de
melhoramentos, excelentes variedades de Laelia
purpurata como
flameas,
sangüíneas, carneas, albas e russelianas.
A partir das Laelia purpurata flamea
feitas por Haetinger surgiram as que temos hoje,
muitas cruzadas com a famosa Laelia
purpurata ‘Milionária’
( aquela que foi trocada por um automóvel
zero Km, pelo Honório Trombini).
O Dr. Haetinger também foi pioneiro no melhoramento
de Cattleya
intermedia.
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Laelia
purpurata carnea
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Laelia
purpurata flamea 'Sergio Englert'
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ON: Como foi esta troca de um carro zero por uma planta?
Por que essa planta valia tanto?
SE: Na década de 70 o Sr. Honório
Trombini adquiriu uma divisão de uma Laelia purpurata
tipo que fora encontrada no município de Torres /RS.
Quando o Sr. Arno Kunz, industrial de Novo Hamburgo, viu a planta
em flor no orquidário do Sr. Trombini, ofereceu um carro
zero Km pela planta inteira, o que foi aceito.
A flor da Laelia purpurata ‘Milionária’
além de ter uma textura nas pétalas semelhante ao
couro, é bem armada (pétalas bem abertas) e tinha
uma sépala de boa largura. Provavelmente era uma planta tetraplóide,
que transmitia estas características aos seus descendentes.
Laelia
purpurata russeliana
ON: Isto remonta à época de ouro da orquidofilia,
quando os grandes colecionadores formavam uma elite toda especial.
Hoje em dia, com os modernos métodos de reprodução,
ainda a possibilidade de existir uma planta única como este
ou existe?
SE: A época de ouro da
orquidofilia ainda existe, pois sei de colecionadores
que não vendem
as suas espécies raras ou, se as vendem,
pedem preços
altíssimos. Eu mesmo já exportei
plantas no valor de 3.000 dólares cada.
No Rio Grande do Sul existem grandes colecionadores
de Laelia
purpurata e Cattleya intermedia, como,
por exemplo, o Sr. Otto Georg, o Sr. Luis Petersen,
o Sr. Anselmo Menna Hoff e muitos outros.
Os métodos de reprodução e
semeadura de hoje são tecnicamente mais
evoluídos, mas as leis
de Mendel da genética continuam as mesmas
e muitas vezes apenas uma planta num cruzamento é
excepcional.
Na última exposição
Nacional de Cattleya intermedia em Gramado
- RS tivemos ocasião
de ver uma Cattleya intermedia tipo superior
a todas que já surgiram até agora.
ON: Qual é a história da Cattleya
intermedia var aquinii?
SE: A Cattleya intermedia var. aquinii foi
encontrada no final do século retrasado (1891) nos arredores
de Porto Alegre pelo Sr. Francisco de Aquino e, em sua honra, ao
ser descrita, ficou o nome aquinii.
ON: É verdade que esta planta deu a origem a todas as outras
e que nenhuma outra foi encontrada na natureza?
SE: Na
natureza foram encontradas apenas duas: a "aquinii
#1" e a "aquinii #2". Não
há
registro de outras.
ON:
E a razão de seu intenso uso em
cruzamentos e híbridos?
SE: Foi uma planta muito utilizada no mundo
inteiro para hibridações
com Cattleya já que ela transmite a forma aquinada
ou peloriada
à sua descendência.
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Cattleya
intermedia roxo-violeta |
Foi
muito utilizada para melhorar as Cattleya intermedia
flamea e peloriadas.
A partir de cruzamentos dela com Cattleya intermedia
roxo---violeta ou ametista, surgiram as primeiras Cattleya
intermedia flamea roxo-violeta ou ametista, que nunca
foram encontradas na natureza.
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Cattleya
intermedia flamea
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ON:
Você acha que estas variedades
que surgiram a partir destes cruzamentos
deveriam ter um epíteto à parte
ou deveriam continuar sendo chamadas “variedades” como
são chamadas as encontradas na
natureza?
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SE:
Para responder à tua pergunta devemos esclarecer
que existem dois tipos de variedades.
As variedades botânicas são aquelas descritas
por botânicos, em trabalhos botânicos. Um exemplo
disto é a Cattleya intermedia var. aquinii.Já
as variedades hortícolas não tem nenhum valor
botânico e são apreciadas apenas pelos orquidófilos
como, por exemplo, a Cattleya intermedia flamea
ametista ‘Dona Lila’ ou a Laelia tenebrosa
‘ Marilene’ (Laelia tenebrosa ‘Seleção’
x Laelia tenebrosa ‘Chocolate').
Teóricamente não existe uma flor igual à
outra e portanto cada uma seria uma variedade hortícola,
mas somente as melhores é que iremos batizar.
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Laelia
tenebrosa 'Marilene'
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ON: Voltando
à questão do melhoramento, qual foi o papel que você
exerceu?
SE: No ano de 1991, nós cruzamos uma Cattleya
intermedia sangüínea com a Cattleya intermedia
flamea ‘Sangue de Boi’ do Haetinger, o que originou
excelentes flameas, bem como cruzamos a Cattleya intermedia
flamea ‘Sangue de Boi’ com a Cattleya intermedia
flamea ametista ‘Dona Lila’, ambas descendentes da Cattleya
intermedia flamea var. aquinii. Além destes
cruzamentos realizamos os abaixo relacionados e de todos estes cruzamentos
resultaram excelentes variedades da cor tipo, vinho, albas, bem
como flameas vinho e flameas roxo-violeta, além de orlatas
tipo e orlatas roxo-violeta, bem como marginatas tipo e marginatas
roxo-violeta:
No ano de 1985:
Cattleya intermedia frezina ‘do Tito’ x C.
intermedia aquinii frezina
C. intermedia alba ‘Haetinger’ x C. intermedia
semi-alba ‘do Osvino’
C. intermedia venosa ‘do Heitor’ x C. intermedia
venosa ‘do Sergio’
No ano de 1986:
C. intermedia tipo ‘Santo Antonio’ x C.
intermedia 'Pintada do Tenente’
C. intermedia tipo ‘Santo Antonio’ x autofecundada
C. intermedia aquinii vinho x C. intermedia aquinii frezina
C. intermedia venosa ‘do Heitor’ x C. intermedia
rubra ‘Capivari’
C. intermedia rubra ‘Trombini’ x C. intermedia
rubra ‘Capivari’
C. intermedia alba ‘Dutra’ x C. intermedia
semi-alba ‘do Osvino’
C. intermedia alba ‘Ivo Jacques’ x C. intermedia
alba ‘Haetinger’
C. intermedia multiforme ‘do Nestor’ x C.
intermedia tipo ‘S-4’
C. intermedia aquinii vinho ‘de Marchi’ x C.
intermedia roxo-violeta ‘Montenegro’
No ano de 1987:
Cattleya intermedia aquinii #1 x C. intermedia
tipo ‘S-4’
C. intermedia aquinii #1 x C. intermedia ametista
‘do Taim’
C. intermedia aquinii vinho ‘Bolinha’ x C.
intermedia aquinii #1
C. intermedia venosa ‘do Heitor’ x C. intermedia
tipo ‘Santo Antonio’
No ano de 1990:
Cattleya intermedia orlata ‘orlatão’
x C. intermedia orlata ‘orlatinha’ (que originou
excelentes tipos, orlatas e marginatas).
No ano de 1992:
Cattleya intermedia flamea (Cecília x Sauthier)
x C. intermedia roxo-violeta ‘Pretinha’
C. intermedia vinho ‘#2’ x C. intermedia
vinho ‘#1’
No ano de 2000:
Cattleya intermedia flamea roxo-violeta x C. intermedia
marginata roxo-violeta
ON: São mais de 20 anos trabalhando com a Cattleya
intermedia. Qual cruzamento ou quais cruzamentos você
considera como sendo sua “obra-prima”?
SE: Considero que os cruzamentos que melhores resultados apresentaram
são os seguintes:
Cattleya intermedia orlata ‘Ennio’ x Cattleya
intermedia marginata ‘Vera’ (vide foto abaixo,Cattleya
intermedia orlata).
Cattleya intermedia orlata ‘Orlatão’
x Cattleya intermedia orlata ‘Orlatinha’
Cattleya intermedia orlata
ON: Ainda sobre a Cattleya intermedia, você faz
parte da corrente que acha que a ocorrência de São
Paulo e Rio de Janeiro seria, na verdade, uma outra espécie
e não a mesma do Rio Grande do Sul? Qual é a
diferença básica entre
as duas?
SE: A Cattleya intermedia ocorre
nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. Acredita-se que sua dispersão geográfica
através dos séculos se deu do Rio de Janeiro para
o Sul. Á medida que estas plantas migraram pela Mata Atlântica
em direção ao Sul, foram melhorando as suas qualidades
das flores (maiores, mais armadas) ultimando este trabalho da
natureza no extremo sul do Rio Grande do Sul na reserva ecológica
do banhado do Taim.
ON: Quem você poderia citar
no Rio Grande do Sul?
SE: Podemos citar o Sr. Aldomar Sander,
que começou no
início da década 1980,
com o famoso cruzamento S-4 que resultou
em excelentes Cattleya intermedia tipo,
orlatas e marginatas, entre as quais
a orlata ‘Ennio’
e a marginata ‘Vera’.
Cruzando estas duas plantas em 1992, obtivemos
excelentes plantas tipo, orlatas e marginatas.
’
ON:
Qual é a sua especialidade além
da Cattleya intermedia?
SE: Gosto muito da Cattleya leopoldii cujos
cruzamentos que realizei já resultaram
em excelentes tipos de melhor forma e colorido.
Gosto também de cruzar Cattleya
leopoldii x Laelia purpurata originando
a Laeliocattleya elegans, um híbrido
natural.
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Laeliocattleya
elegans |
Também
fiz inúmeros cruzamentos para melhorar
a Laelia purpurata bem como com
a Laelia tenebrosa que deu origem à famosa Laelia
tenebrosa ‘Marilene’, nome
de minha esposa.
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ON:
Quais seriam os seus cruzamentos que tiveram
mais destaques no cenário orquidófilo
do Rio Grande do Sul e também do Brasil?
SE: E por que não no exterior? Já que nos
últimos 20 anos realizamos dezenas de exportações.
Seriam os seguintes:
Cattleya labiata alba ‘Angerer’ x Cattleya
labiata roxo bispo ‘Urbano’ (1992)
Cattleya labiata caerulea ‘Panelas’ x Cattleya
labiata roxo bispo ‘Urbano’ (1991)
Laelia purpurata flamea ‘Evelyn’ x Laelia
purpurata ‘Milionária’ – (1994)
Cattleya leopoldii ‘Dona Lucia’ x Brassavola
tuberculata ‘General Osório’ (Híbrido
natural chamado Bc tramandaí, 1993)
Cattleya leopoldii ‘Tessadri’ x Cattleya
leopoldii ‘Gilberto Rohde’ (A
foto da Cattleya leopoldii abaixo mostra
o resultado deste cruzamento feito em 1991)
Laelia tenebrosa ‘Seleção’ x Laelia
tenebrosa ‘Chocolate' (a
foto da Laelia tenebrosa 'Marilene'
abaixo mostra o resultado deste cruzamento
feito em 1996). |
Laelia purpurata flamea ‘Evelyn’ |
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Cattleya
leopoldii (Cattleya
leopoldii ‘Tessadri’ x Cattleya leopoldii
‘Gilberto Rohde’)
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Laelia
tenebrosa ‘Marilene’
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ON: E o registro fotográfico
destas plantas?
SE: Não tenho muitos registros fotográficos
de muitos dos cruzamentos, pois eu vendo os seedlings e
como a quantidade é limitada,
eles são vendidos antes que eu veja a flor
no meu orquidário.
Tenho, no entanto, o testemunho de muitos dos meus
clientes comentando as orquídeas que compraram
de mim e que foram premiadas em exposições.
Por exemplo, o cruzamento da Cattleya
labiata não tenho foto, pois vendi
todos os seedlings antes de ver a flor. Mas estes
dois cruzamentos resultaram em grande quantidade
de plantas de altíssima
qualidade e premiadas.
ON: O que se procura quando se investe
no melhoramento genético de uma espécie?
SE: Quando um orquidófilo fala em melhoramento genético
das orquídeas ele se refere à flor.
Uma flor melhor é aquela que apresenta pétalas
largas e bem armadas (planas), sépalas também
largas, especialmente a dorsal
e ereta na vertical. O conjunto da flor deve ser
o mais redondo possível de maneira que se possa traçar um círculo
imaginário unindo as pontas das sépalas e das pétalas.
Estes parâmetos são amplamente divulgados pela American
Orchid Society tanto para espécies como para híbridos.
ON:
Para finalizar, o que você poderia
nos dizer sobre os habitats destas
três grandes plantas do Rio Grande
do Sul? |
SE:
O habitat da Cattleya intermedia no
Rio Grande do Sul se estende por todo
o litoral e acompanha também as
margens dos cinco rios que formam o lago
Guaiba (Caí,Taquarí,
Sinos, Jacuí e Gravataí).
Para o sul, acompanhando o litoral estes
habitats estão às margens
da Lagoa dos Patos e em banhados com
corticeiras que se estendem até
a reserva ecológica do banhado
do Taim, sua última fronteira.
Já o habitat da Laelia purpurata hoje
praticamente extinto se situava também no litoral
até uma distância de, no máximo, 20
quilômetros do mar, desde o município de
Torres até Porto Alegre.
O habitat da Cattleya leopoldii é similar
ao da Cattleya intermedia mas
não vai tanto ao Sul.
Tanto a Laelia purpurata como a Cattleya leopoldii crescem
em figueiras nativas na sua maioria.
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Habitat de Cattleya leopoldii
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Cattleya
intermedia no habitat
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ON: E os híbridos naturais?
SE: Os híbridos naturais que ocorrem entre estas três
espécies são:
Laeliocattleya elegans (Laelia purpurata x Cattleya
leopoldii)
Cattleya x intricata (Cattleya leopoldii x Cattleya
intermedia)
Laeliocattleya schilleriana (Laelia purpurata x Cattleya
intermedia)
Brassocattleya tramandai (Cattleya leopoldii x
Brassavola tuberculata)
ON: Muito obrigada, Sérgio
Englert.
Fotos: Sérgio Englert
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