Francisco
é cearense, tem 32 anos e mora em Governador Valadares,
em Minas Gerais. Desde os 12 anos de idade faz explorações
na natureza e, influenciado por seu irmão Reginaldo, se interessou
pelas orquídeas. O cerrado é um dos habitats que mais
visita.
Relato
Francisco D.V.Leitão
O cerrado é um domínio fitogeográfico
do tipo savana que ocorre em vários estados do Brasil e em
partes do Paraguai e Bolívia.
Com uma extensão aproximada de dois milhões de km²,
é considerado o 2º maior bioma do Brasil. Entre os estados
que têm o privilégio de ter este bioma em seu território,
encontram-se São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia, Maranhão,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Distrito Federal
e, é claro, Minas Gerais.
O cerrado pode parecer, à primeira vista, seco, desabitado
e sofrido, porém, basta apenas uma pequena caminhada por
esta maravilha da natureza para depararmos com uma fauna
e flora divinas e esplendorosas e quando se trata da família
Orchidaceae, multiplicamos todas as sensações
de encantamento e admiração.
Em pleno cerrado mineiro, nas imediações da cidade
de Carbonita, é possível encontra o Cyrtopodium
eugenii Rchb. F. & Warm., uma planta de pequeno porte
para o gênero, porem, de flores vistosas e expressivas.
A maior parte do cerrado em território mineiro sofre com
dias quentes e secos e com quedas bruscas de temperatura durante
a noite. Somente na época chuvosa é que se tem a oportunidade
de se obter água em quantidade expressiva e é exatamente
no inicio desta estação que muitas orquídeas
florescem. Já no final do inverno, ainda em período
crítico de seca, algumas espécies de Encyclia
enchem o cerrado de flores pequenas e variadas.
|
Encyclia kundergraberii V. P. Castro & Campacci |
Meus
amigos e eu notamos que, na área em que visitamos, em Carbonita,
a Encyclia kundergraberii V. P. Castro & Campacci
é uma das principais epífitas assim como a Encyclia
patens (Hook.) Porto & Brade. Esta coexistência permitiu
o surgimento de um novo híbrido natural, Encyclia
xcarbonitensis Campacci, recentemente descrita. |
Encyclia oliveirana Campacci no habitat |
Também
podemos encontrar, não com muita freqüência, a
Encyclia oliveirana Campacci, descoberta por meu irmão
Reginaldo de Vasconcelos Leitão
Encyclia oliveirana Campacci |
É
notado também que orquídeas de hábito epífita,
salvo as espécies do gênero Catasetum, sempre
vegetam nas proximidades de cursos de água. Além das
Encyclias, temos a primor da presença da Cattleya
walkeriana Gardner,Schomburgkia sp, entre outras espécies
de micro orquídeas, como a Acianthera recurva (Lindl.)
Pridgeon & M. W. Chase, Myoxanthus lonchophyllus (Barb.
Rodr.) Luer, Notylia sp. |
|
|
Foi constatada apenas a presença do Catasetum lanciferum
Lindl. e do Catasetum blackii Pabst vegetando em macaúbas,
palmeiras típicas da região fora do leito de cursos
de água, em pleno cerrado seco.
Todas estas espécies que têm hábito epífito
necessitam de um teor maior de umidade atmosférica para viver,
por este motivo tiveram que se adaptar para sobreviver ao extremo
do cerrado, que, na época de seca, é implacável
e impiedoso.
No cerrado, a umidade
está mais preservada ao longo dos cursos de água. No
decorrer do tempo, as chuvas com suas enxurradas com escoamento direto
para os rios e riachos, abriram valas que, ano após ano, lentamente
foram ficando mais profundas e com esse considerável acúmulo
de água, a vegetação local se desenvolve melhor
nas suas bordas e com isso também é possível
encontrar lindos exemplares da Aechemea bromelifolia, uma linda
bromélia que, junto à flora orquidácea, também
encontra condição favoráveis para sobreviver,
porém apenas orquídeas mais resistentes,
como as
espécies
do gênero Encyclia, são mais comumente |
encontradas nestas valas, que acumulam água por um pequeno
período após as chuvas. Muitas delas chegam a secar
completamente, enquanto outras reservam água em poços
um tanto profundo, abrindo um oásis, onde outrora era tão
seco quanto o coração do cerrado. |
|
|
Já vegetando de forma terrestre, tivemos uma surpresa ainda
maior ao nos deparamos com uma maravilhosa floração,
em pleno verão, do Phragmipedium vittatum (Vell.)
Rolfe e da Bletia catenulata Ruiz & Pavón que,
no período chuvoso, explodem em floração, aproveitando
toda a vitalidade do cerrado para exibir suas flores e chamar a
atenção de seus polinizadores. Já no leito
dos rios e riachos, vegetando entre as lapas de pedras, apreciamos
a delicada Koellensteinia eburnea (Barb.
Rodr.) Schltr.
O Phragmipedium vittatum forma grandes colônias
no leito dos rios. Suas plantas, em formas de leque, são
de menor porte quando vegetam a pleno sol, mas aquelas que avançam
pelas valas entre a vegetação e estão protegidas
pela sombra assumem um porte maior, chegando a ter até a
ter 60cm de altura e produzindo florações mais vigorosas. |
|
Perante
tanta beleza e imensidão deste cerrado e de sua flora nativa
e flora orquidácea, não é de surpreender que
o homem, justamente o intitulado o mais indigente dos animais, seja
o principal responsável por toda destruição
atual. Seria hilário, se não fosse trágico,
pois todos sabem que o cerrado é um dos biomas mais antigos
do planeta e que levou milhares de anos para chegar nessa forma
atual e, em questão de anos, o homem através de sua
ganância e irracionalidade, vem derrubando e queimando este
patrimônio ambiental, seja para o plantio de eucalipto, produção
de carvão ou qualquer outra coisa que só causa danos
e perdas irreparáveis.
O que é mais incrível, é que a natureza vem apelando, através das orquídeas, expondo sua beleza para todos nós como se fosse um pedido de misericórdia, implorando atenção através de suas formas e aromas, como se fosse uma mensagem subliminar em suas pétalas, sépalas e labelo. |
Agradecimentos: Marli Ventura, moradora de Carbonita/MG, que nos apresentou sua cidade
e região,
Adjarme de Oliveira e Jefferson de Faria, meus companheiros de expedições.
Expressamente
proibido qualquer tipo de uso, de qualquer material
deste site (texto, fotos, imagens, lay-out e outros), sem
a expressa
autorização
de seus autores, sob
pena de ação judicial.
Qualquer solicitação
ou informação pelo e-mail bo@sergioaraujo.com |
|