Carlos Gomes, catarinense do município de Criciúma, tem 59 anos e é engenheiro eletricista de formação.
Tornou-se orquidófilo há 27 anos aproximadamente e atua comercialmente há 10.
Apaixonado por Laelia purpurata e Cattleya intermedia vem fazendo sucessivos cruzamentos visando à melhoria das espécies.
Desta paixão, resultaram, além de plantas como a Laelia purpurata 'Magnífica' e a Cattleya intermedia 'Feiticeira', trabalhos teóricos como a 'Classificação das variedades de Cattleya intermedia' e 'Critérios de julgamento e pontuação da Cattleya intermedia'.

ON: Carlos, como começou sua atração pelas orquídeas?
CG: Tudo começou observando as L. purpuratas, C. intermedias e C. leopoldiis floridas, durante as pescarias na ilha de Santa Catarina, nas matas e principalmente nos costões da ilha. Naquela época, inicio da década de 1980, ainda existiam muitas plantas nativas e principalmente habitats originais, hoje devastados pelo crescimento urbano. Com o aumento do interesse por aquelas plantas diferentes e tão belas, não demorou para que visitássemos exposições e logo começássemos a comprar plantas e fazer amizade com outros orquidófilos de Florianópolis. Em pouco tempo estávamos apaixonados pelas orquídeas.

ON: Você se refere a quem mais?
CG: Quando digo 'nós', refiro-me ao Orquidário, ou seja, todo o pessoal que trabalha nele, eu, minha esposa e as duas filhas, além do empregado.

ON: Mas vocês não ficaram limitados aos orquidários do sul, como você descobriu os outros orquidários? Naquela época, a comunicação era muito lenta, não era como agora com toda esta facilidade da internet...
CG: Como na época, viajávamos muito ao Rio de Janeiro a serviço, logo descobrimos os orquidários Binot e Florália, em Petrópolis, onde fizemos amizade com o senhor Jorge Verboonen e Luizinho, respectivamente, pessoas muito simpáticas e atenciosas. Foram muitas visitas durante muitos anos o que permitiu que fizéssemos uma boa coleção de espécies, tanto brasileiras quanto estrangeiras. Isso também colaborou para formar a nossa predileção por espécies e não por híbridos.

ON: Você tem uma proposta de classificação para a Cattleya intermedia assim como uma proposta de critérios para julgamento desta espécie. Como foi que surgiu esta idéia?
CG: A idéia de fazer uma proposta para a classificação da C. intermedia e também da L. purpurata, surgiu da necessidade de se ter um regulamento mais claro e de fácil entendimento por parte dos juizes, quando das exposições, aqui em Santa Catarina. Os regulamentos antigos estavam desatualizados e eram muito simplistas na descrição das variedades, gerando dúvidas e confusões durante os julgamentos. No caso da C. intermedia havia o agravante de que essa espécie possui a variedade trilabelo e suas variações, gerando muita confusão nos iniciantes e mesmo nos orquidófilos mais antigos. Acredito que a nossa maior contribuição na proposta de classificação da C. intermedia, foi esclarecer o mecanismo de variação das formas de flor, ou seja, as variedades pelórica, aquinii, flamea, georgiana e bergeriana. Estas duas últimas, nomes propostos para homenagear dois grandes conhecedores e colecionadores de C. intermedia do RS, Otto Georg e Alceu Berger.

ON: E os cruzamentos?
CG: Mais ou menos por volta de 1986, começamos a fazer os primeiros cruzamentos, principalmente de L. purpurata, a paixão de todos os orquidófilos catarinenses da época. Foi o início de outra paixão que continua até hoje, o melhoramento de espécies.
Naquela época, quase todas as plantas colecionadas tinham sido coletadas. Poucas pessoas faziam cruzamentos e as boas matrizes eram raras e praticamente impossíveis de serem conseguidas por um novato. Quase dez anos depois, já em parceira com um grande amigo e orquidófilo de Florianópolis, o Claudio Deschamps, amante das L. purpuratas, começamos a comprar matrizes dos orquidófilos do Rio Grande do Sul, principalmente as plantas do Dr. Haetinger, as famosas 'vermelhas' (flâmeas, estriatas e sanguineas). Os preços eram absurdamente altos! Qualquer rabeirinha sem raízes custava mil dólares! E mesmo assim, não vendiam a qualquer um.

ON: Fazendo um parêntese, você citou o Deschamps, falecido em 2008, justamente durante a Festa das Flores de Joinville, o que você poderia nos falar dele?
CG: O Claudio Deschamps foi um amigo orquidófilo que, durante mais de vinte anos compartilhou de todo o trabalho que fizemos para o melhoramento da L. purpurata e da C. intermedia. Purpurateiro fanático, tinha uma das melhores coleções de L. purpurata do sul do Brasil. Na vida privada, começou como pedreiro e se tornou proprietário de uma das maiores empresas de construção civil de Florianópolis. Pessoa simples e cordial, sempre estava disposto a ajudar os novatos e sempre que podia cedia gratuitamente mudas de suas plantas, às vezes de plantas que haviam custado muito caro. Se gostasse de uma L. purpurata, dificilmente ficava sem ela, pois fazia de tudo para consegui-la. Foi assim que conseguiu muitas das famosas 'vermelhas do Dr. Haetinger', de Porto Alegre. Por troca ou mesmo por uma pequena fortuna, quando alguém se dispunha a vendê-las. Tinha mesmo uma verdadeira paixão pelas L. purpuratas! Uma pena que, em 12 de novembro de 2008, tenha falecido, vítima de câncer, em plena floração das L. purpurata que tanto amava!

ON: É preciso não deixar cair no esquecimento pessoas como ele... Prosseguindo sobre os cruzamentos, como foi a evolução para chegar ao ponto atual?
CG: Levamos anos para adquirir a confiança de alguns orquidófilos e poder comprar as plantas. Mas, a partir daí, com o uso dessas e de outras matrizes, começamos a obter plantas de forma muito boa, surpreendendo mesmo os orquidófilos mais exigentes.

ON: E aí você se profissionalizou?
CG: Não demorou e tivemos que começar a comercializar as plantas, pois além da grande procura por parte dos amigos, os custos haviam se tornado proibitivos para um passatempo apenas. Assim criamos o Orquidário Lapurpurata cujo nome foi mais tarde mudado para Orquidário Carlos Gomes, já que era assim que muita gente chamava.

ON: E a escolha das matrizes?
CG: Desde o principio, procuramos usar somente as melhores matrizes. Observando os cruzamentos de muitos orquidários, ao longo dos anos, vimos que a percentagem de plantas boas ou ótimas, em termos técnicos, era sempre muito baixa. Como comprávamos muitos seedlings de vários produtores, eu e Deschamps ficávamos decepcionados com o aproveitamento. E quando viajávamos para as exposições no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aproveitávamos o tempo para planejar os cruzamentos que achávamos serem os melhores. Ocorre que muitas das matrizes em que pensávamos não tínhamos nas nossas coleções e muitas nem estavam à venda, pois pertenciam a orquidófilos muito exclusivistas. Por isso demoramos muitos anos para conseguir boas matrizes, tanto de L. purpurata quanto de C. intermedia.

ON: Percebe-se que o início não foi muito fácil. Quando e como as coisas começaram a mudar?
CG: No fim da década de 1990, as coisas começaram a mudar, pois conseguimos uma L. purpurata excepcional, que chamamos de 'tipão Deschamps', porque era uma purpurata muito grande e de forma excepcional para aquela época, sendo muito melhor que a lendária L. purpurata 'Milionária'. A partir dos negócios feitos com ela, obtivemos muitas matrizes, sonhadas ao longo de décadas. Não demorou para que os cruzamentos feitos com essas matrizes apresentassem resultados excepcionais. Com isso conseguimos também matrizes de C. intermedia, também desejadas por muitos anos. Hoje temos resultados incríveis com essas matrizes de C. intermedia algumas já na terceira geração. Esses resultados foram alcançados graças ao uso de boas matrizes e a observação constante, ano após ano, do resultado de cruzamentos, tanto nossos quanto de outros hibridadores.

L. purpurata 'tipão Deschamps' (foto: Francisco Miranda)

ON: Qual é o seu objetivo?
CG: O nosso objetivo é produzir plantas de qualidade superior. Para isso, não trabalhamos com plantas comuns. Em cada espécie são escolhidas e estudadas as melhores plantas, que tenham características desejadas e que possam contribuir para a consecução dos objetivos de cada cruzamento. Todo cruzamento é objeto de estudos e discussões com outros orquidófilos e hibridadores, visando sempre à produção de plantas superiores.

ON: Quais são os seus critérios de escolha das matrizes?
CG: Para matrizes, a escolha recai sempre em plantas com floração precoce, facilidade de crescimento e, claro, com ótima forma técnica, ou seja, flores redondas, com sépalas e pétalas planas e arredondadas, labelo perfeito para a espécie e colorido sempre típico da variedade. A planta deve ter também, uma boa haste floral e várias flores, sempre compatível com a espécie, claro. Além disso, evitamos, sempre que possível cruzamentos entre variedades diferentes, exceto quando o objetivo for esse mesmo.

ON: O que é essencial ao se fazer um cruzamento?
CG: O essencial é sempre ter um objetivo em cada cruzamento! Nunca cruzamos duas plantas apenas para ver o que vai dar. Esse é um erro comum! Se não tivermos um mínimo de informação sobre as matrizes, o resultado quase sempre é ruim, ou seja, uma percentagem pequena ou nula, de plantas boas.

ON: Seus cruzamentos são concentrados em Laelia purpurata?
CG: A maior quantidade de cruzamentos que fazemos é de L. purpurata, que é a planta mais cultivada aqui no sul do Brasil. Em seguida, vem a C. intermedia que disputa com a L. purpurata a preferência dos orquidófilos do sul. Mas nos últimos anos temos nos dedicado também a C. leopoldii, C. labiata, C. forbesii, e outras Laelias e Cattleyas, em menor escala, sempre condicionado a termos boas matrizes.


Laelia purpurata 'Magnifica'
ON: Que resultados você tem obtido?
CG: Claro que durante todos esses anos tivemos o privilégio de vermos florir plantas espetaculares, tanto de L. purpurata quanto de C. intermedia. No ano de 2005, floriu uma L. purpurata que jamais pensamos ser possível! De forma e colorido perfeitos, haste floral e número de flores ideal! Algo que sempre sonhamos, mas que tínhamos dúvida se era possível produzir, mesmo com as matrizes maravilhosas de que dispúnhamos.
Hoje eu a considero a melhor L. purpurata de todos os tempos!
O nome? 'Magnífica'.

ON: Quais outros resultados em Cattleya intermedia, que você destacaria?
CG: Como começamos a cruzar as C. intermedias bem mais tarde do que as purpuratas, os cruzamentos são mais recentes. Mesmo assim, os resultados têm nos surpreendidos, já nas primeiras gerações. O que de certa forma era esperado, pois só começamos mesmo a investir na C. intermedia quando conseguimos algumas matrizes exclusivas como as C. intermedia 'Figueirinha', 'Quantum', 'Milionária', 'Xodozinho', etc. que há muito sonhávamos em usar como matrizes e também devido, em parte, ao menor tempo de floração.
Podemos citar o cruzamento 522 - C. intermedia 'Figuerinha' X C. intermedia 'tipão 999' deu flores de pétalas redondas em grande número.
O 523 - C. intermedia 'Figueirinha' X C. intermedia orlata 'WTC', que além de tipos de pétalas largas também deu algumas orlatas muito boas.
Os cruzamentos 652 - C. intermedia 'pétala larga 999CD' X C. intermedia 'Xodozinho' e 742 - C. intermedia 'Xodozinho' X C. intermedia 'Figueirinha' deram algumas das C. intermedias mais redondas que jamais pensamos ser possível na espécie.
Como a 'Feiticeira' (citada acima ), a 'Memória Claudio Deschamps' e muitas outras. Muitas plantas deram flores excepcionais, mas uma delas superou todas! Foi a primeira C. intermedia tipo que vimos com as pétalas se tocando, e com a forma parecida com a C. walkeriana 'Feiticeira'. São tão parecidas que resolvemos dar o mesmo nome. Assim, hoje é conhecida como C. intermedia 'Feiticeira' e ainda é uma das melhores plantas que temos dessa espécie.
Para quem começou colecionando C. intermedias nativas, era impossível se pensar que uma flor delas pudesse um dia ter essa forma.

522-C. intermedia 'Figuerinha' X C. intermedia 'tipão 999'
523 - C. intermedia 'Figueirinha' X C. intermedia orlata 'WTC'

652 - C. intermedia 'pétala larga 999CD' X C. intermedia 'Xodozinho'

C. intermedia 'Memória Claudio Deschamps'
C. intermedia 'Feiticeira'

ON: E os destaques para Laelia purpurata?
CG: Foram muitos cruzamentos, tanto de L. purpurata quanto de C. intermedia, que deram bons resultados.
De L. purpurata, podemos acrescentar o 327 - L. purpurata 'Milionária self' X L. purpurata 'tipão Deschamps', que deu tipos maravilhosos num percentual de plantas boas nunca antes visto por nós. O cruzamento 333 - L. purpurata semi-alba 'S30 Tessmer' X L. purpurata oculata 'Pedreira 4N', que deu uma alta percentagem de semi-albas de formas excelentes. Até hoje tem gente que pede por esse cruzamento, esgotado há mais de 5 anos. Na linha das vermelhas podemos citar os cruzamentos 279 - L. purpurata. flamea 'Petersen' X L. purpurata flamea 'Ewelin' e o 340 - L. purpurata flamea 'Escura do Otto' X L. purpurata flamea 'Haetinger 884/51', que resultaram em estriatas, flameas e sanguineas maravilhosas e permitiram a muitos orquidófilos o acesso a essas variedades, tão difíceis na época, por volta do ano 2000. Mais recentemente, o cruzamento 658 - L. purpurata '327 Grande' X L. purpurata 'Ana Clara', que está dando tipos claros maravilhosos.

327L. purpurata 'Milionária self' X L. purpurata 'tipão Deschamps'
333 - L. purpurata semi-alba 'S30 Tessmer' X L. purpurata oculata 'Pedreira 4N'

279 - L. purpurata. flamea 'Petersen' X L. purpurata flamea 'Ewelin'

340 - L. purpurata flamea 'Escura do Otto' X L. purpurata flamea 'Haetinger 884/51'

658 - L. purpurata '327 Grande' X L. purpurata 'Ana Clara'

ON: O que você obteve em termos de C. leopoldii?
CG: Acho bom deixar para outro artigo, pois a história é grande, incluindo o encontro da trilabelo 'Anita Garibaldi' e o uso dela como matriz, gerando toda uma descendência de flameas e trilabelos.

ON: Esta busca pela perfeição não termina. O que ainda nos espera?
CG: Ainda continuamos a ver todos os anos muitas C. intermedias e L. purpuratas em flor e todos os anos fazemos dezenas de cruzamentos com as melhores plantas. No momento, estamos nos preparando para ver mais de duas mil C. intermedias florirem! E igual quantidade de L. purpurata em novembro!
Um sonho para qualquer orquidófilo!

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