Acta
bot. bras. 24(1):288-291.2010 (adaptação)
(1)
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos
Naturais da Universidade Federal de São Carlos, Departamento de
Botânica, São Carlos, SP, Brasil
(2)
Projeto Orchidstudium, Piracicaba, São Paulo, Brasil
(3)
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Biologia, Ribeirão
Preto, SP, Brasil
(4)
Autor para correspondência: alessandrowcf@yahoo.com.br
RESUMO - (Triphora
uniflora A.C. Ferreira, Baptista & Pansarin (Orchidaceae: Triphoreae):
Neste trabalho, foram apresentadas uma nova espécie e o primeiro
registro do gênero Triphora Nutt. para o estado de São
Paulo, Brasil).
Triphora uniflora A. C. Ferreira, Baptista & Pansarin uma nova
espécie de Orchidaceae que foi descrita e ilustrada.
Além disso, o gênero Triphora foi referido pela primeira
vez para o estado de São Paulo. As relações dessa
espécie com outros táxons do gênero, bem como a necessidade
de conservação do habitat natural dessa espécie de
Triphora, são discutidas.
Palavras-chave: Brasil, Orchidaceae, Triphoreae, Triphorinae
Introdução
O gênero
Triphora Nutt. (Orchidaceae: Triphoreae: Triphoriinae) é
constituído por 19 espécies terrestres distribuídas
desde o Sul do Canadá, passando pelas Índias Ocidentais,
até a América do Sul (Rothacker 2005), onde ocorre até
o norte da Argentina (Johnson 2001). No Brasil, o gênero está
representado por cerca de cinco espécies distribuídas pelos
estados do Amazonas, Pará, Goiás, Minas Gerais e Distrito
Federal (Hoehne 1940; Pabst & Dungs 1975; Batista & Bianchetti
2003; Pridgeon et al. 2003).
O trabalho teve objetivo apresentar a descrição de um novo
táxon pertencente ao gênero Triphora Nutt. Essa espécie
foi encontrada durante a realização do inventário
florístico das Orchidaceae ocorrentes na região central
do estado de São Paulo. O gênero foi referido pela primeira
vez para o estado de São Paulo.
Material e métodos
O estudo foi
realizado na região central do estado de São Paulo, no município
de São Carlos, em duas áreas: em uma reserva legal, com
cerca de 112 ha e, num fragmento com cerca de dois hectares em área
urbana do município de São Carlos. A porção
central do estado é caracterizada por ser uma região ecotonal
entre os biomas do Cerrado e da Floresta Atlântica (Kronka et al.
1993; Soares et al. 2003). No entanto, como conseqüência da
intensa atividade econômica, principalmente a partir dos anos de
1960 a vegetação nativa foi reduzida a pequenos fragmentos
(Kronka et al. 1998; Soares et al. 2003). A altitude média da região
é de 850 metros. O clima predominante, segundo a classificação
de Köppen (1948), é o Cwa (subtropical úmido), com
verões quentes e chuvosos e invernos frios e secos.
Os indivíduos da espécie descrita foram coletados em fevereiro
de 2006 (autorização IBAMA, processo número 02001.003951/2006-
50 e Instituto Florestal de São Paulo: processo número 40.380/2006),
e mantidos em cultivo em casa de vegetação até a
ocorrência da floração. A descrição
da espécie e as ilustrações foram feitas a partir
de material vivo.
As flores e os detalhes das peças florais foram ilustrados como
auxílio de um estereomicroscópio acoplado à câmara
clara. A terminologia usada na descrição das estruturas
vegetativas e florais seguiu Harris & Harris (1994).
As características específicas de Orchidaceae foram baseadas
em Dressler (1993). Exemplares da espécie foram herborizados e
estão depositados no herbário da Universidade Estadual de
Campinas (UEC). Espécimes depositados nos herbários CEN
e SPFR também foram analisados.
Resultados e
discussão
Triphora uniflora A.C. Ferreira, Baptista & Pansarin sp. nov.
Fig. 1 A-G.
Triphora uniflora ab omnibus aliis speciebus sui generis caule
brevi, sitis gracili, unifloro, foliis cordatis velovatis, labello
trilobato cum lobo intermedio rotundo cum marginibus undulatis et apice
recurvo distinguenda; a T. pusilla affinis, sed folliis maioribus, patulis,
floribus subalbidus, labello cum lobis lateralibus falcatis, lobo intermedio
vinaceo, albo-venulato, carina centrali cum lamellis fl avescentibus vel
subviridis, columna longa et clavata differt.
Erva terrestre; raízes tuberosas 1,5-3,0 x 0,6-1,1 cm, cilíndricas,
com as extremidades arredondadas, paucipilosas, de coloração
creme-esbranquiçadas, interligadas por porções de
rizoma. Rizoma ca. 1,5-3,0 cm. Caule aéreo 6-11 x 0,15-0,18 cm,
cilíndrico, ereto, violáceo principalmente nos 2/3 basais,
com 3-5 folhas. Folhas 0,8-1,4 x 0,7-1,2 cm, glabras, membranáceas,
com margens inteiras; as basais cordadas, verde-escuras na porção
adaxial e arroxeadas na face abaxial, com bordas levemente
crenadas; as apicais ovais,
verdes
Figura 1. Triphora uniflora A.C. Ferreira, Baptista & Pansarin (A.W.C. Ferreira 148370).
A. Hábito com flor. B. Flor em vista frontal. C. Flor em vista
lateral. D. Peças florais.
E. Coluna em vista abaxial (esquerda); coluna e ovário em vista
lateral (direita).
F. Polinário em vistas: abaxial (esquerda); lateral-adaxial (direita).
G. Antera em vistas: abaxial (esquerda) e lateral (direita).
na
porção adaxial e verdes com faixas violáceas longitudinais
na região das nervuras na face abaxial. Inflorescência racemosa,
apical, portando uma única flor. Flor de coloração
predominantemente esbranquiçada a rosa claro, glabras, ressupinadas;
sépala dorsal 1,3-1,7 x 0,2-0,25 cm, elíptico-lanceolada,
envolvendo levemente a coluna; sépalas
laterais 1,2-1,4 x 0,3 cm, elíptico-lanceoladas, levemente encurvadas
para baixo; pétalas 1,5-1,7 x 0,15-0,3 cm, oblanceoladas, falcadas,
branco-hialinas, projetadas para frente, ápice agudo, margem inteira;
labelo 1,3-1,7 x 0,15-0,20 cm, trilobado, porção mediana
com três carenas longitudinais e paralelas do meio para o ápice;
carenas amarelo-esverdeadas, compostas por papilas irregulares; lobos
laterais 0,3-0,4 x 0,15-0,20 cm, oblongos, projetados para frente; lobo
apical arredondado, púrpura com estrias oblíquas e esbranquiçadas,
ápice recurvado, margem ondulada. Coluna 1,0-1,2 x 0,10-0,25 cm,
oblanceolada, alongada, delgada, esverdeada nos 2/3 basais, esbranquiçadas
em direção ao ápice; estigma longitudinalmente oval,
alongado, levemente côncavo, com superfície lisa, esbranquiçado;
ovário + pedicelo 1,6-2,2 cm x 0,15-0,20 cm ínfero, clavado,
alongado, glabro, levemente púrpura na base, esverdeado em direção
ao ápice; antera 2-4 x 1-1,5 cm, ungüiculada, persistente,
púrpura, face adaxial arredondada, face abaxial e com dois septos
onde se encaixam as políneas; polinário com quatro políneas
púrpuras de aspecto farináceo; viscídio rudimentar.
Tipo: Brasil. São Paulo: São Carlos,, 20/II/2007 (fl .),
A.W.C. Ferreira 148370 (Holótipo UEC).
Parátipos: Brasil. São Paulo: São Carlos, Jardim
Acapulco, 12/III/2009 (fl .), E.R. Pansarin & A.W.C. Ferreira 1286
(SPFR). Distrito Federal: Brasília, Jardim Botânico de Brasília,
Mata do Córrego Cabeça de Veado. 12/III/2003 (fl .), J.A.N.
Batista & K.F. Pellizaro 1401 (CEN, SPFR).
Triphora uniflora A.C. Ferreira, Baptista & Pansarin pode ser
distinguida de Triphora pusilla (Rchb.f.) Schltr., espécie
mais proximamente relacionada ao táxon descrito, por apresentar
folhas evidentes e patentes, lobos laterais do labelo falcados, flores
predominantemente esbranquiçadas, labelo vináceo com estrias
brancas, carenas centrais amareladas a esverdeadas e coluna delgada e
clavada.
As flores de Triphora uniflora também lembram muito as de
T. trianthophora (Sw.) Rydb. No entanto, T. uniflora é
facilmente distinguida de T. trianthophora pela presença
do labelo vináceo com estrias oblíquas brancas, por emitir
apenas uma flor, pela superfície abaxial da folha arroxeada e por
apresentar caule de tamanho consideravelmente menor.
A espécie T. uniflora parece se tratar do mesmo táxon
encontrado no Parque Nacional do Iguaçu, localizado ao norte da
Argentina, e determinado apenas ao nível de gênero, Triphora
sp. (Johnson 2001). Assim, de acordo com os dados apresentados, T.
uniflora possui ampla distribuição, ocorrendo desde
o centro-oeste do Brasil, até a porção norte da Argentina,
e o gênero Triphora foi referido pela primeira vez para o
estado de São Paulo (Hoehne 1940; Pabst & Dungs 1975; Pridgeon
et al. 2003).
Etimologia: o epíteto específico (uniflora) refere-se à
produção de uma única flor na época da floração.
Todos os indivíduos avistados nas populações analisadas
produziram apenas um único botão floral apical.
Durante o período de coleta pela região central do estado
de São Paulo foram identificadas apenas duas pequenas populações
em fragmentos de florestas estacionais semideciduais.
Uma delas foi encontrada em uma reserva
legal e
a outra em uma região de aproximadamente dois hectares em área
urbana do município de São Carlos (780 m).
No início do mês de janeiro, provavelmente sob influência
da elevada precipitação que ocorre na região durante
o verão, cada planta emite um único caule aéreo não
ramificado. Um único botão floral é emitido logo
em seguida, que se desenvolve voltado para baixo, paralelamente ao caule,
adotando a posição ereta apenas nos momentos que antecedem
a antese. Cada flor dura menos de 24 horas. As plantas são gregárias
com picos de floração nos quais muitas plantas da população
florescem simultaneamente. Durante um período de floração
normalmente ocorrem até quatro ou cinco picos de floração.
Isso possibilita que nem todas as plantas floresçam ao mesmo tempo.
O período de floração de Triphora uniflora se
estende desde o final de fevereiro até o início do mês
de março. A tendência de muitas flores abrirem ao mesmo tempo
pode estar relacionada à otimização da ação
dos polinizadores, um fenômeno que tem sido documentado para outras
Triphoreae, como Triphora trianthophora (Williams 1994) e Psilochilus
modestus Barb. Rodr. (Pansarin & Amaral 2008).
Apesar de recém descoberta, Triphora uniflora pode ser enquadrada
no status de EN (em perigo), de acordo com os critérios e categorias
estabelecidas pela IUCN (2001).
Triphora uniflora é uma espécie altamente ameaçada
de extinção no estado de São Paulo devido às
suas reduzidas populações nos locais de estudo. As áreas
de florestas estacionais semideciduais do interior desse estado foram
praticamente dizimadas nas últimas décadas, inicialmente
para o plantio de café e, mais recentemente devido à expansão
das lavouras de cana-de-açúcar e, de acordo com Viana &
Pinheiro (1998), grande parte da diversidade encontra-se distribuída
entre esses pequenos fragmentos de áreas nativas. Assim, como apontado
previamente por Myers et al. (2000), o enquadramento de fragmentos de
Floresta Atlântica sensu lato como áreas de preservação
("hotspots"), torna-se prioritário, uma vez que o bioma
da Mata Atlântica conta atualmente com apenas 5-8% de sua formação
original (Dean 1995).
Agradecimentos
À Profa.
Dra. Maria Inês Salgueiro Lima (orientadora do primeiro autor),
ao tecnólogo Carlos Aparecido Casali (apoio em campo), ambos do
Departamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) e aos funcionários do Programa de Pós-Graduação
em Ecologia Acta bot. bras. 24(1): 288-291. 2010. 291 e Recursos Naturais
da UFSCar pelo apoio nos trabalhos em campo; ao ilustrador botânico
Ricardo Milanetti Degani pelas imagens; a Américo Docha Neto do
projeto Orchidstudium pela ajuda na pesquisa; a Tarcísio de Sousa
Filgueiras pela revisão da diagnose latina; ao IBAMA, Instituto
Florestal de São Paulo e direção da reserva legal,
que permitiram o acesso aos fragmentos florestais; ao contribuinte brasileiro
e a CAPES pela bolsa de doutoramento concedida ao primeiro autor.
Referências
bibliográficas
Batista, J.A.N.
& Bianchetti, L.B. 2003. Lista atualizada das Orchidaceae do Distrito
Federal. Acta Botanica Brasilica 17: 183-201.
Dean, W. 1995. A ferro e fogo: a história e a devastação
da Mata Atlântica brasileira. São Paulo, Companhia das Letras.
Dressler R.L. 1993. Phylogeny and classification of the orchid family.
Cambridge, Cambridge University Press.
Harris, J.G. & Harris, M.W. 1994. Plant identification terminology:
an illustrated glossary. Utah, Spring Lake Publishing.
Hoehne, F.C. 1940. Orchidaceas. Pp. 241-244. In: F. C. Hoehne (ed.). Flora
Brasilica XII (I). São Paulo, Secretaria de Agricultura, Indústria
e Comércio de São Paulo.
IUCN. 2001. IUCN Red List Categories and Criteria, Version 3.1. Prepared
by the IUCN Species Survival Commission. Cambridge, IUCN.
Johnson, A.E. 2001. Las orquídeas del Parque Nacional Iguazú.
Pp. 210-211. Buenos Aires, Editora L.O.L.A.
Köppen, W. 1948. Climatologia: con un estudio de los climas de la
tierra. MéxicoD.F., Fondo de Cultura Econômica.
Kronka, F.J.M.; Matsukuma, C.K.; Nalon, M.A.; Cali, I.H.D.; Rossi, M.;
Mattos, I.F.A.; Shin-Ike, M.S. & Pontinhas, A.A.S. 1993. Inventário
florestal do Estado de São Paulo. São Paulo, Instituto Florestal
de São Paulo.
Kronka, F.J.N.; Nalon, M.A.; Matsukuma, C.K.; Pavão, M.; Guillaumon,
J.R.; Cavalli, A.C.; Giannotti, E.; Iwane, M.S.S.; Lima, L.M.P.R.; Montes,
J.; Del Cali, I.H. & Haack, P.G. 1998. Áreas de Domínio
do Cerrado no Estado de São Paulo. São Paulo, Instituto
Florestal.
Myers N.; Mittermeier, R.A.; Mittermeier, C.G.; Fonseca, G.A.B. &
Kent, J. 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature
403: 853-858.
Pabst, G.F.J. & Dungs, F. 1975. Orchidaceae Brasiliensis, v.I. Hildesheim,
Brücke-Verlag Kurt Schmersow.
Pansarin, E.R. & Amaral, M.C.E. 2008. Pollen and nectar as a reward
in the basal epidendroid Psilochilus modestus (Orchidaceae: Triphoreae):
A study of floral morphology, reproductive biology and pollination strategy.
Flora 203: 474-483.
Pridgeon, A.M.; Cribb, P.J.; Chase, M.W. & Rasmussen, F.N. 2003. Genera
Orchidacearum vol. 3, Orchidoideae (Part 2), Vanilloideae. London, Oxford
University Press.
Rothacker, E.P. 2005. Tribe Triphoreae. Pp. 607–618. In: Pridgeon,
A.M.; Cribb, P.J.; Chase, M.W. & Rasmussen, F.N. (eds.), Genera Orchidacearum
vol. 4. New York, Oxford University Press.
Soares, J.J.; Silva, D.W. & Lima, M.I.S. 2003. Current state and projection
of the probable original vegetation of the São Carlos region of
São Paulo State, Brazil. Brazilian Journal of Biology 63: 527-536.
Viana, V.M. & Pinheiro, L.A.F.V. 1998. Conservação da
biodiversidade em fragmentos florestais. Série Técnica IPEF
12: 25-42.
Williams, S.A. 1994. Observations on reproduction in Triphora trianthophora
(Orchidaceae). Rhodora 96: 30-43.
Observação da editoria de Orchid News: Foram
omitidos os dados que poderiam indicar a localização exata.
[voltar]
|