Grande parte da flora amazônica foi derivada de outras regiões, através de processos que sofreram influência de disjunções geológicas e de alterações climáticas havidas em passado remoto.
É fascinante a reconstituição das rotas de migração das orquídeas, oriundas provavelmente do escudo das Guianas e da América Central. Suas sementes, pequenas e leves, podem ser levadas por vento ou água até locais bem distantes. Muito dispersas e quase sempre polinizadas de forma cruzada, as espécies dessa família acabaram por apresentar variação extraordinária. Podem viver entre pedras, sobre rochas ou apoiadas em outras plantas para obter mais luz. Há ainda as que conseguem enfrentar condições extremas, sob sol forte e com pouca água. A atração de insetos e pássaros é garantida pela produção de odores e cores, pelo formato elegante das flores e por outras estratégias que tornam as orquídeas tão especiais.
A Floresta de Terra Firme, com os seus inúmeros subtipos, fisionomicamente única, em imagens espaciais e com padrões de distribuição geográfica comuns a várias espécies, não é florística e estruturalmente homogênea, o que definem Subprovíncias Fitogeográficas distintas. Assim, existem grandes diferenças entre a composição florística da Amazônia Oriental e Ocidental e o norte e o sul da região, que têm como divisores os rios Solimões e Amazonas.
Algumas espécies têm ampla distribuição neotropical, da Amazônia à América Central, ou ainda em toda a América do Sul tropical. Poucas espécies têm distribuição disjunta na Amazônia e Mata Atlântica. A maioria das espécies ocorre apenas na região amazônica. Algumas áreas, como a região de Manaus, apresentam grande número de gêneros e espécies endêmicas, como Micrandropsis W. Rodr. (Euforbiáceas), Williamodendron Kubitzki (Lauráceas) e Kerianthera Kirkbride (Rubiáceas). Para se ter uma idéia da riqueza de espécies na região de Manaus, quando da elaboração da Flora da Reserva Ducke (Reserva Florestal do INPA, localizada próxima de Manaus, que compreende uma área total de 100 km2) foram citadas para aquela reserva florestal, cerca de 1200 espécies de plantas vasculares em 5 Km2 estudados (somente 5% da Reserva).

Florestas de Várzea, Igapó, Terra Firme. Campina

Localização da Reserva Adolpho Ducke no Município de Manaus


Em relação às orquídeas que aí ocorrem, cerca de 91 gêneros são neotropicais, sete pantropicais e apenas um é subtropical. São poucos os gêneros que — como Orleanesia, Duckeela e Xerorchis — têm seu centro de distribuição na bacia amazônica, cuja flora deve ter sido amplamente derivada de outras regiões. A área atualmente ocupada pelas várias espécies está intimamente ligada aos limites de sua adaptabilidade climática e aos meios de expansão disponíveis. Por isso, para entender a distribuição atual das orquídeas é necessário conhecer um pouco da história geográfica da região.
A hiléia amazônica constitui uma das biotas mais complexas e de maior biodiversidade do mundo. Para que se possa entender a origem das disjunções, na distribuição atual de suas espécies faz-se necessárias algumas observações sobre a história geográfica da região, uma vez que a área atualmente ocupada por elas está intimamente ligada aos limites de sua adaptabilidade climática e aos meios de expansão disponíveis.
A formação da bacia amazônica começou há mais de dois bilhões de anos, quando África e América do Sul ainda formavam um único Continente. A depressão que corresponde à bacia amazônica começou a se originar numa zona fraca do escudo Pré-cambriano, do qual são testemunhos hoje os Escudo Brasileiro no Brasil Central ao sul e o Escudo das Guianas ao norte da Amazônia. No Paleozóico achava-se coberta pelo mar, configurando um golfo aberto para o pacífico e estando a América ligada à África, conseqüentemente, muito sedimento foi aí depositado perfazendo um total de 3000 m de profundidade e aflorando em alguns pontos. Durante o Carbonífero houve regressão marinha, e no Mesozóico a baixada amazônica era uma terra imersa. Os rios que drenavam essa terra fluíam para o Pacífico. Entre o Jurássico e Triássico ocorreu à separação da América do Sul e da África. No Terciário finalmente começou o soerguer-se os Andes, bloqueando o escoamento do sistema fluvial amazônico para o Pacífico. As massas líquidas ficaram represadas e toda a depressão amazônica transformou-se em “paisagem aquosa”, ocorrendo a colmatação de toda baixada amazônica. Por fim as águas acabaram fluindo para leste, desaguando no Oceano Atlântico. O Solo sedimentar, gerado na água, ficou a seco, cobrindo-se com a precursora da floresta amazônica atual.


Deixando de lado a separação entre os continentes americano e africano, três disjunções perceptíveis afetaram a distribuição nas América do Sul e Central.
Na figura que se segue, mostra-se essas disjunções e as prováveis vias de migração da família Orchidaceae no Brasil. Esse padrão de distribuição é seguido por muitas das Magnoliófitas, que ocorrem na região amazônica.


Disjunções intercontinentais na América do Sul e prováveis vias de migração das orquídeas no Brasil.






Na era terciária quando, provavelmente, as Magnoliófitas e as orquídeas penetraram na região, as bacias do Amazonas e do Paraguai, por serem formadas por terras baixas, estavam praticamente cobertas por grandes extensões de água doce ou salgada. Isso provocou forte disjunção, que separou uma região ao noroeste - toda a América Central e a região andina, desde o oeste da Venezuela até a Bolívia, incluindo os contrafortes cisandinos - e outra ao sudeste, pelo espaço dos atuais Estados brasileiros de Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. ACHO QUE TEM MAPA

Uma disjunção secundária separou, dentro da região noroeste, a maior parte da zona andina, situada ao sul, e a atual América Central, ao norte. A linha de separação atravessava o mar das Caraíbas, deixando as Pequenas Antilhas como parte da América do Sul e as Grandes Antilhas, até as ilhas Virgens, integradas à América Central. É difícil saber o local e o tempo geológico exatos em que surgiu ou desapareceu a zona de separação, uma vez que foram várias as interrupções da continuidade continental na América Central e na zona do Caribe, em épocas e regiões diferentes.
Uma terceira disjunção separou a América Central (até o sul do México) e as Grandes Antilhas. De novo, torna-se difícil fixar o período geológico em que se deram as separações, porque outras ocorreram em épocas diversas. Uma das causas desses processos geológicos foi a flutuação do nível dos oceanos durante o pleistoceno. Nesse período, desapareceram as duas primeiras disjunções mencionadas acima. Surgiu, assim, a possibilidade de regiões antes disjuntas intercambiarem elementos, o que só foi possível neste último milhão de anos.
Por outro lado, há fortes evidências de que a história da vegetação amazônica também foi extremamente influenciada por alterações climáticas do passado, quando períodos muitos secos acompanharam as glaciações pleistocênicas.

Nessa época, ou seja, do plioceno superior para o pleistoceno, após a fase principal de soerguimento dos Andes, as bruscas mudanças dos mosaicos climáticos e ecológicos provocaram alterações na distribuição de floras, a intervalos relativamente curtos do ponto de vista do tempo geológico. Essas evidências foram denominadas de Teoria dos Refúgios, que supõe que durante o Quaternário, em períodos glaciais mais secos e frios, a floresta amazônica foi drasticamente fragmentada, formando refúgios em áreas de maior pluviosidade, envoltas por um mosaico de vegetações não florestais, com predominância das Savanas. Assim, numa mesma região sucederam-se os complexos de distribuição vegetal diretamente associados às condições ambientais, que eram úmidas e quentes nas fases interglaciais e secas e frias nas fases glaciais.
Terminadas as glaciações, com o aumento da umidade do ar, foi possível às ilhas de vegetação, até então disjuntas, expandirem-se, ocupando os diversos ecossistemas da região e diferenciando-se neles. Ou seja, novamente fizeram-se presentes condições propícias à hibridação e à divergência, tendo como conseqüência, o aumento da diversidade biológica, pelas novas espécies originadas no processo de isolamento permitindo assim, a formação do complexo florestal amazônico.

Se isso ocorreu diversas vezes, os refúgios estariam localizados em áreas com grande número de espécies endêmicas. Por outro lado as áreas não florestais, colonizadas durante a expansão da floresta por espécies oriundas dos refúgios seriam formadas por espécies de regiões distintas.
A descrição acima já foi parcialmente comprovada por trabalhos multidisciplinares de palinologia (parte da botânica que estuda o pólen) que proporcionaram informações sobre a variação entre períodos úmidos e secos no Plioceno superior e em toda a era Quaternária. Mesmo assim, deve-se destacar que, recentemente, foram levantadas críticas aos critérios utilizados para a escolha das áreas de refúgio, urna vez que estes se basearam, na maioria das vezes, na atual distribuição das espécies. Argumentou-se que seria mais apropriado chamá-los “centros de endemismo ou centros de diversidade específica”. Fatores paleoecológicos examinados revelaram uma diferenciação limitada ao nível de subespécies geográficas, colocando em xeque o fundamento da maioria das teorias e controvérsias sobre os Refúgios Florestais do Quaternário na região neotropical, uma vez que não teria havido especiação em massa. Embora as críticas tenham procedência, torna-se premente a ampliação desses estudos, no que se refere tanto aos vegetais como aos animais, pois os primeiros e os segundos podem ter tido padrões diversos de diferenciação. Não parece indicado, portanto, relegar a Teoria dos Refúgios a um plano secundário. Assim, embora a identificação de refúgios possa trazer dados valiosos sobre a evolução de sua flora (auxiliando o planejamento de futuras reservas florestais), deve-se levar em conta o fato de que toda a história geológica e climatológica da região teve decisiva influência na sua biogeografia e qualquer análise desse tipo deve atentar para essa particularidade.
Retornemos às orquídeas. Suas sementes, muito pequenas, podem ser transportadas pelos ventos ou pela água de uma parte para outra, em qualquer época, a despeito da existência de barreiras fitogeográficas. É preciso levar em conta, no entanto, que tais sementes não têm endospermas e, de modo geral, seu período fértil é relativamente curto, o que limita a dispersão da família. Mesmo assim, podemos inferir dados valiosos acerca da diversificação evolutiva que se seguiu ao processo de dispersão.
As áreas de "refúgio florestal" (centros de endemismo ou de diversidade específica) abrigam, nas diversas subprovíncias, grande número de campinas que funcionam como ilhas de vegetação não florestal. Assim como as florestas de várzea e de igapó, elas são muito mais ricas em espécies, número de indivíduos e biomassa de orquídeas, que os demais tipos de vegetação. Observamos recentemente que, das cerca de 700 espécies de orquídeas encontradiças na região, a maioria ocorre em campinas, o que reforça a importância dessas áreas para a família. Como até o presente não existem outros dados disponíveis para explicar a distribuição de orquídeas na região utilizamos esses para explicá-la.



Aspecto da Campina aberta

Forófitos repletos de orquídeas


Campina sombreada e Campina alta


Há elevada correlação entre as orquídeas de campina e as regiões geomorfológicas, pois as subprovíncias fitogeográficas V e IV B possuem uma extensa área do terciário e do quaternário, onde está compreendida grande parte das campinas da Amazônia e ocorre o maior número de espécies dessas plantas.
No caso das orquídeas de campina, as subprovíncias V e IV B são os maiores centros de endemismo da Amazônia brasileira. A primeira, que apresenta o maior número de orquídeas, tem clima superúmido, sem estação seca, com mais de 2.500 mm de precipitação anual. A subprovíncia IV B, segunda em número de orquídeas, caracteriza-se pelo clima superúmido com subseca (período seco inferior a um mês), e úmido com um a dois meses secos; a precipitação anual supera sempre os 2.000 mm. A subprovíncia I, a terceira em número de orquídeas, tem clima úmido com apenas um a dois meses secos, e úmido com três meses secos; a precipitação varia entre 1.750 e 3.250 mm. As subprovíncias II e III têm clima úmido com três meses secos, com precipitação anual entre 1.750 e 2.500 mm, e semi-úmido com quatro a cinco meses secos, com 1.750 mm anuais de precipitação As demais subprovíncias, de clima variado, são pobres em orquídeas.

Diferenciações Climáticas na Amazônica brasileira. A - Isoietas anuais. B - Subprovíncias Fitogeográficas que ocorrem na região amazônica. 1-4 - Clima Quente Equatorial. 5 - Clima Quente Tropical. 1 - Super úmido, sem estação seca. 2 - Super úmido com subseca (inferior a 1 mês). 3 - Úmido com 1 a 2 meses secos. 4 - Úmido com 3 meses secos. 5 - Semi-úmido, com 4 a 5 meses secos.


A interpretação acima tem suas limitações, pois só leva em conta o tipo de vegetação de Campina. Nas altas montanhas de Roraima e nas matas de galeria e ciliares que cortam o lavrado existem um grande número de orquídeas. Poucas são as orquídeas endêmicas às campinas, o que se explica, em parte, pela dispersão de sementes promovida pelo vento. Enquanto as ilhas oceânicas e os arquipélagos caracterizam-se pelo isolamento, em áreas continentais as barreiras que impedem a dispersão dos organismos são menos claramente definíveis. A ocorrência de faixas de contato entre os tipos de vegetação é freqüente, o que permite a mesclagem de seus componentes.
Outros fatores e modos de adaptação condicionam a distribuição espacial das orquídeas em geral, provocando a existência de um gradiente microclimático vertical no interior dos ecossistemas vegetacionais. Ali, a intensidade luminosa, a temperatura e a circulação do ar geralmente aumentam no sentido solo-dossel. Tampouco esse fator é constante, variando de um lugar para outro em função da estratificação irregular das árvores e das diferenças na densidade das copas. A interceptação da chuva também varia diretamente com a densidade das copas, dependendo ainda, como é óbvio, do total de precipitação.
O elevado grau de afinidade florística entre as orquídeas do escudo das Guianas e as das campinas da Amazônia brasileira reforça a idéia de que derivaram do escudo e sugere a ocorrência de uma conexão no passado. As orquídeas de campina e as demais, que penetraram na Amazônia brasileira, oriundas do escudo das Guianas ou da América Central, seguiram duas rotas principais de migração: uma que cruza a bacia amazônica e percorre o litoral, ao longo do Atlântico, através de ecossistemas semelhantes à campina, como a vegetação de restinga e a mata de tabuleiro, ambas em solo de areia branca; a outra foi através do Brasil Central, onde também é grande a ocorrência de vegetação não florestal — o cerrado brasileiro.
É importante notar que as espécies que ocorrem no igapó, na vegetação serrana baixa, na várzea e no campo de terra firme são as mesmas, que ocorrem na campina aberta e sombreada, e as que ocorrem na floresta de terra firme são igualmente características da campina alta.
As vegetações de igapó e serrana baixa também têm muita importância no quadro passado e atual de distribuição de orquídeas, pois ambas, em termos de história geológica, constituem ecossistemas relativamente estáveis. O igapó tem maior importância como via de migração e a vegetação serrana baixa, como centro de evolução e dispersão das orquídeas da Amazônia brasileira.

 


Vias de migração de orquídeas. Cerca de 70% oriundas do Escudo das Guian
as


Vias de migração de orquídeas. Cerca de 30% oriundas da América Central, via bacia amazônica.

[voltar]