Professor Emerson Ricardo Pansarin, é graduado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Possui mestrado e doutorado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (2009).
Atualmente é professor do Curso de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (FFCLRP).
Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biologia Floral e Reprodutiva, em Taxonomia Vegetal e em Sistemática e Filogenia, atuando principalmente nos seguintes temas:
Polinização, biologia floral, biologia reprodutiva de espécies de orquídeas; taxonomia e filogenia da família Orchidaceae, com ênfase na subfamília Vanilloideae.
Em 2010, publicou o livro “The Family Orchidaceae in the Serra do Japi, São Paulo state, Brazil”.
Atualmente trabalha em diversos projetos de pesquisa ligados às orquídeas, a saber: “A família Orchidaceae na região de Ribeirão Preto, São Paulo”, “Evolução dos Sistemas de polinização em Vanilloideae (Orchidaceae) americanas”, “Biologia floral de Vanilla edwallii Hoehne (Orchidaceae: Vanilloideae: Vanilleae” e “Relações filogenéticas e biogeografia de orquídeas vanilóides e Epidendroideae basais”. Biologia floral e reprodutiva do gênero Cirrhaea Lindl. (Orchidaceae) e evolução dos sistemas de polinização em Stanhopeinae.

ON: Emerson, a sua produção é muito extensa e não podemos abordar tudo o que você fez sobre a família Orchidaceae, viraria um verdadeiro livro com muitas e muitas páginas. Você tem idéia de quantos trabalhos já publicou ou em quantos projetos relacionados a esta família botânica, você se envolveu?
EP: Obrigado, mas acho que minha produção ainda é bem modesta. Até o presente tenho publicado 30 artigos, 5 capítulos de livros e 1 livro. Meus trabalhos são derivados principalmente de minhas atividades do mestrado, doutorado e pós-doutorado. Sou novo como docente aqui na USP e só agora que estou recebendo os primeiros alunos interessados em pós-graduação. Venho trabalhando com a família Orchidaceae desde o mestrado e também tenho participado dos projetos da minha esposa, Ludmila Mickeliunas Pansarin, que fez iniciação científica, mestrado e doutorado com biologia floral e reprodução de orquídeas sob orientação da Profa. Dra. Marlies Sazima, da Unicamp. Ao todo participei de nove projetos, incluindo os dos meus primeiros alunos.

ON: Por enquanto vamos nos restringir aos diversos projetos atuais de pesquisa em andamento. Um deles é “A família Orchidaceae na região de Ribeirão Preto – SP”. Por que o interesse especial nas orquídeas dessa região?
EP: A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (USP) onde trabalho fica em Ribeirão Preto e, inevitavelmente, visito os remanescentes de mata da região. Além disso, como a vegetação da região é bastante perturbada poucas pesquisas relacionadas à flora são realizadas por aqui.

ON: Sendo uma das maiores regiões canavieiras do país, isto significa que a maior parte de sua área está antropizada, a ocupação humana em função desta atividade não provocou o desaparecimento das matas nativas deixando apenas fragmentos?

EP: Sim, as matas nativas da região que compreendem áreas de cerrado e florestas mesofíticas semidecíduas foram reduzidas a pequenos fragmentos.

Vanilla paludosa
São áreas extremamente fragmentadas como conseqüência desta intensa atividade canavieira. Mas percorrendo essas áreas ainda é possível encontrar orquídeas, especialmente as terrícolas. A maioria das espécies encontradas atualmente ocorre em matas de galeria, que é uma pequena faixa de mata que acompanha os rios. Como esses fragmentos não são visitados por cientistas que preferem concentrar suas pesquisas em reservas florestais mais bem conservadas, estamos encontrando coisas muito interessantes. Encontramos uma nova espécie de Vanilla (V. paludosa) cujo trabalho está aceito na revista Brittonia. Agora estamos descrevendo uma espécie de Pelexia e aparentemente um Cyclopogon que encontrei seja novo para a ciência também.

ON: Mesmo assim são, pelo menos, duas ou três novas espécies para fragmentos de matas, imagine o que havia antes da ocupação. O que mais ainda pode ser encontrado por lá?
EP: A maioria das espécies encontradas atualmente é terrestre. As epífitas são mais difíceis de achar, mas ainda é possível encontrar espécies de Epidendrum, Bulbophyllum, Brasiliorchis, entre outras. Talvez a espécie mais rara seja Cattleya walkeriana. A espécie já foi muito comum na região. Além do desmatamento a espécie foi praticamente dizimada pela coleta indiscriminada feita por orquidófilos. O que é mais grave e revoltante é que ainda hoje isso acontece. Conheço uma área na qual os orquídofilos derrubam árvores de até 30 metros só para pegar as C. walkeriana.

ON: É, infelizmente, as pessoas ainda fazem este tipo de coisa. Qual o objetivo deste trabalho?
EP: O levantamento das orquídeas da região de Ribeirão Preto faz parte de um projeto mais amplo, que é o de fazer o inventário florístico das orquídeas do interior do estado de São Paulo. Já temos bons dados para a Serra do Japi e para a porção central do Estado. Agora estamos focando nossas pesquisas em orquídeas aqui da região de Ribeirão Preto.

ON: No seu projeto “Evolução dos Sistemas de polinização em Vanilloideae (Orchidaceae) americanas”, acredito que já concluído, você fala orquídeas vanilóides. O que é exatamente isto?

EP: Esse é um projeto, muito importante para mim, ainda em andamento e conta com auxílio da FAPESP. É um auxílio Jovem Pesquisador através do qual consegui montar o Laboratório de Biologia Molecular e Biossistemática de Plantas (LBMBP) na USP de Ribeirão Preto. Orquídeas vanilóides é uma forma de ser referir à subfamília Vanilloideae. Significa orquídeas do grupo das Vanilla.

ON: Você fala também que a posição delas é controversa, o que isto quer dizer?

EP: As orquídeas vanilóides já foram consideradas em diversos níveis hierárquicos ao longo da história da classificação. Elas já foram reconhecidass como uma família a parte do resto das Orchidaceae (Vanillaceae) e um grupo dentro da grande subfamília Epidendroideae. Atualmente elas estão sendo consideradas como uma subfamília (Vanilloideae) dentro da família Orchidaceae.

ON: Existem orquídeas realmente saprófitas? Existe alguma dentro deste grupo?
EP: Não existem orquídeas saprófitas. Existem espécies
mico-heterotróficas. São plantas aclorofiladas que dependem de associações com fungos para conseguirem alimento da matéria orgânica em decomposição. As plantas sem a associação com o fungo não conseguiriam obter alimento. Por isso não podem ser chamadas se saprófitas ou saprofíticas, como acontece com fungos, por exemplo. Existem sim espécies mico-heterotróficas dentro da subfamília Vanilloideae, como representantes dos gêneros Galeola, Cyrtosia e Erythrorchis. No Brasil, o gênero Pogoniopsis, que classicamente é reconhecido como membro das orquídeas vanilóides, inclui espécies mico-heterotróficas. Porém, minhas pesquisas mais recentes revelam que esse gênero está mais relacionado com espécies de Epidendroideae do que com representantes de Vanilloideae.

Pogoniopsis nidus-avis

ON: Você já obteve algum resultado conclusivo em sua investigação dos polinizadores e mecanismos de polinização destas espécies?
EP: Sim, Vanilloideae possui duas tribos: Vanilleae e Pogonieae. Entre as Pogonieae, que compreende os gêneros Cleistes, Cleistesiopsis, Duckeella, Isotria e Pogonia, os dados já são bastante satisfatórios e um manuscrito sobre a evolução dos sistemas de polinização desse grupo já foi enviado para a publicação. Para Vanilleae, as pesquisas estão no início, mas tenho dados para algumas espécies de Vanilla e Epistephium, que são os gêneros sul-americanos que pertencem a essa tribo.

Duckeella adolphii
Cleistes pusilla
Cleistes bella

ON: Seu outro projeto de pesquisa também está relacionado a este grupo “Biologia floral de Vanilla edwallii Hoehne (Orchidaceae: Vanilloideae: Vanilleae)”. Esta espécie ocorre em todos os estados da região sul, no Rio de Janeiro, São Paulo e registro de ocorrência para o Distrito Federal. Qual é o campo de trabalho de vocês dentro deste projeto?

Vanilla edwallii
EP: O estudo de biologia floral dessa espécie está sendo realizado na Serra do Japi. Eu também conheço outras populações de V. edwallii no estado de São Paulo, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Por uma questão de praticidade o estudo está sendo feito no lugar mais próximo para mim, que é o município de Jundiaí – SP.

ON: Com esta área de distribuição tão ampla, existem variações dentro de espécie?
EP: Sim, variações existem. Muitas dessas variações provavelmente foram descritas erroneamente como espécies. Aparentemente, Vanilla edwallii, V. parvifolia e V. organensis tratam-se de uma única espécie. As semelhanças entre as espécies são morfológicas e também podem ser detectadas comparando as seqüências de DNA (Pranchas reproduzidas da Flora Brasilica, de Hoehne).

Vanilla edwallii
Vanilla parvifolia
Vanilla organensis

ON: Você tem um outro trabalho: “Relações filogenéticas e biogeografia de orquídeas vanilóides e Epidendroideae basais (Orchidaceae)” parecendo indicar que Vanilla desperta muito interesse para seus estudos. O que lhe atraiu tanto no gênero?
EP: Vanilla é o maior gênero dentro de Vanilloideae. Trata-se de um grupo taxonomicamente complicado com muitas espécies descritas. Com relação à biologia floral do grupo há muita coisa para ser feita. Praticamente nada é conhecido sobre a reprodução das espécies em condições naturais. Já temos dados muito interessantes para algumas espécies e pretendemos publicá-los no próximo ano.

ON: O Brasil é bastante rico possuindo cerca de 38 das 90 espécies encontradas dentro. Qual seria o centro de distribuição geográfica deste gênero? Pode se considerar que seja o Brasil?

EP: Não tenho argumentos para falar se o Brasil é centro de distribuição do gênero. Vanilla é um gênero Pantropical e a maior diversidade está distribuída pela América tropical. É bem provável que o centro de diversidade seja a porção tropical das Américas.

ON: Com tanta riqueza de espécies, o Brasil ainda não explora de maneira efetiva a Vanilla comercialmente. Você saberia nos dizer por que nossas espécies não são as mais adequadas para se obter a vanilina?
EP: Temos várias espécies, como Vanilla bahiana, V. pompona e V. chamissonis, por exemplo, que poderiam ser usadas para produção de vanillina. Acredito que ainda faltam pesquisas no Brasil. Além disso, existem espécies que apresentam polinizadores em ambiente natural, dispensando a polinização manual das flores, como acontece com culturas de V. planifolia.

Vanilla bahiana

ON: Em que isto afeta uma cultura para uma possível comercialização?
EP: Ao contrário de V. planifolia, existem espécies nativas do Brasil que dispensam a polinização manual flor por flor. Isto é, os polinizadores fazem esse serviço. Assim, a coleta dos frutos poderia ser feita de maneira extrativista, sem a necessidade de fazer uma monocultura, como acontece com V. planifolia.

ON: Seu outro projeto Relações filogenéticas e biogeografia de orquídeas vanilóides e Epidendroideae basais (Orchidaceae). Orquídeas vanilóides, você já nos falou a respeito, mas o que são Epindendroideae basais?
EP: As Epidendroideae basais formam um grupo com características incomuns à maioria das Epidendroideae, como Cattleya, Epidendrum, Encyclia, etc. As Epidendroideae basais compreendem alguns gêneros que apresentam características morfológicas que muitas vezes estão presentes em Vanilloideae, como a presença de grãos de pólen livres, não formando polínias. Recentemente descrevemos uma nova espécie desse grupo (Triphora uniflora) que encontramos em matas da porção central do estado de São Paulo

Triphora uniflora

ON: E o trabalho realizado na Serra do Japi?
EP: A flora de orquídeas da Serra do Japi é um trabalho meu e da minha esposa, Ludmila M. Pansarin. Antes de publicar o livro publicamos um check-list na revista Rodriguesia, que também pode ser acessado no site do laboratório (http://sites.ffclrp.usp.br/lbmbp).

ON: Qual foi o resultado deste levantamento? Alguma espécie nova?
EP: No livro sobre o levantamento das Orchidaceae ocorrentes na Serra do Japi, estão incluídas 125 espécies, distribuídas em 61 gêneros. O gênero mais representativo é Epidendrum com 10 espécies, seguido de Habenaria com nove espécies. Atualmente o número de espécies encontradas na região já subiu para 129. Tem uma espécie de Acianthera e uma Habenaria que parecem ser novas para a ciência. Ambas não foram incluídas no livro.

ON: Em Ribeiro Preto, você informou que a maior parte das orquídeas encontradas são terrestres. E na Serra do Japi, ocorre a mesma coisa
?EP: A maioria das espécies encontradas na Serra é epífita (cerca de 63,2%) sendo que 40 espécies são terrícolas e 31 são rupícolas.

ON: E a diversidade de espécies?
EP: Por estar em uma zona de transição entre as florestas ombrófilas (Serra do Mar) e as florestas estacionais semideciduais do planalto paulista, a Serra do Japi abriga espécies de ambas as formações.

ON: Foi uma longa pesquisa? Como foram efetuados os estudos?

EP: O inventário foi realizado através de coletas aleatórias abrangendo toda sua extensão. A área foi percorrida de janeiro de 1998 a junho 2005 para coleta do material botânico e obtenção de informações sobre o período de floração, habitat e formas de vida das espécies. As visitas ao campo foram, geralmente, mensais, sendo intensificadas (semanais) em várias etapas do trabalho.

ON: Constata-se a inclusão de Oncidium montanum nesse trabalho. É uma citação nova de ocorrência para o estado?
EP: Esta espécie não é tão incomum no estado de São Paulo. Eu já encontrei O. montanum em Atibaia, Itirapina e Serra do Japi.

ON: Sobre a área em si o que você poderia nos dizer? É grande? Qual o status de conservação?

EP: A Serra do Japi é um dos últimos remanescentes de mata mesofítica semidecídua contínua do estado de São Paulo, com 354 Km2. Ela vem sofrendo bastante com a intervenção humana, como conseqüência de estar localizada entre grandes centros urbanos, como São Paulo e Campinas.

Corymborkis flava
Epidendrum martianum
Eulophia alta
Prescottia colorans
Pelexia oestrifera
Cirrhaea dependens

ON: Para finalizar, você realizou um projeto sobre Biologia floral e reprodutiva do gênero Cirrhaea Lindl. (Orchidaceae) e evolução dos sistemas de polinização em Stanhopeinae. Este grupo não tem sido muito estudado no Brasil e é pouco conhecido, no entanto são plantas com flores de grande beleza, apesar de serem de curta duração. O que você poderia nos falar sobre ele?
EP: Esse projeto foi desenvolvido na Unicamp durante o doutorado da minha esposa Ludmila Pansarin sob orientação da Profa. Dra. Marlies Sazima. Cirrhaea, assim como as demais Stanhopeinae são polinizadas por machos de abelhas euglossine que coletam fragrâncias (óleos voláteis nas flores). Esse trabalho foi bastante importante, pois revela que para algumas espécies de Stanhopeinae não há grande especificidade de polinizadores. Isso difere do que é descrito na literatura clássica sobre a polinização do grupo. Existem espécies de Stanhopea que são polinizadas por uma única espécie de abelha, mas isso não é regra para todas as espécies da tribo. Trabalhar com a biologia da reprodução desse grupo é extremamente difícil. As plantas são raras e é difícil encontrar boas populações. Além de serem raras na natureza também são coletadas por orquidófilos. Outro agravante é que as flores são muito efêmeras e geralmente atraem seus polinizadores apenas no primeiro dia.
FOTO: Cirrhaea dependens
ON: Muito obrigada, Professor Emerson.