Ao contrário do que se pensa, o bioma Amazônia não é homogêneo e apresenta diversos tipos de vegetação (com subdivisões e zonas de transição), com diferentes níveis de umidade atmosférica, de temperatura e de luminosidade: Florestas de terra firme (floresta ombrófila densa), zonas de transição, matas de igapós, várzeas (planícies suscetíveis de inundação), campinas ou campinaranas da Amazônia Central. Além do Rio Amazonas, este bioma é cortado por diversos rios (Negro, Solimões, Madeira, Tapajós, Xingu, Tocantins, etc.) que formam a bacia Amazônica. São rios grandes ou pequenos, de águas claras ou águas escuras, de fluxo mais lento ou mais rápido. Esta condição proporciona um ambiente de elevada umidade. As matas de terra firme em função de sua densidade não são ricas em orquídeas, mas aquelas situadas às margens dos igapós o são. Nestes locais, durante o período das cheias, parte das árvores fica submersa assim como algumas orquídeas instaladas abaixo do nível atingido pelas águas. Nestas matas ribeirinhas, ocorrem Acacallis cyanea e Galeandra devoniana (que podem ficar submersa por meses) além de diversas espécies de Catasetum, Mormodes, Coryanthes, Gongora e também Caularthron bicornutum, Bifrenaria longicornis, Galeandra lacustris, Clowesia, Schomburgkia, Oncidium lanceanum e nanum, Cattleya violacea, Zygosepalum lindeniae, labiosum, Ionopsis satyrioides, Psygomorchis pusilla, entre outras (Fonte bibliográfica: Orquideas da Amazônia Brasileira, Francisco Miranda).


Foi justamente um habitat destes, no estado do Amazonas, que tivemos a oportunidade de visitar, após a exposição em Porto Velho - Rondônia, ciceroneados pela vice-presidente da ARO, Eunice P. Pinto e seu esposo, Pedro.
Para chegar àquele estado, partindo de Porto Velho, toma-se uma barcaça para atravessar o Rio Madeira, enquanto a ponte não fica pronta.
Estávamos no período de seca e para se ter uma idéia do nível de elevação da água durante a cheia, na ponte, o "X" indica o local que ficará submerso.


Logo que termina a travessia do rio, encontra-se uma mata de transição com predominância de árvores de porte médio e muitas palmeiras.



Oitenta quilômetros depois, chega-se ao Rio Mucuim e pega-se um barco pois as terras adjacentes não há outro meio de acesso. As habitações ribeirinhas são sempre elevadas para ficarem protegidas das enchentes anuais.


  
  

Descendo o rio de barco, sempre com presença das matas nas margens esquerda e direita, chega-se aos recantos mais longínquos. Vez por outra, vê-se uma pequena praia da areias brancas onde é comum ver uma sucuri tomando sol. Estas matas não são muito densas, árvores de porte médio e de troncos finos e pode-se percorrê-las a pé durante a época da seca, sem dificuldade. Pode-se ver cenas que nos parecem inusitadas, barcos abandonados longe dos rios e em terra seca ou em um pequeno lago, quase uma poça de água. É que durante a cheia, tudo muda e aquele recanto será totalmente tomado pelas águas e sem o barco, o acesso é impossível.

As matas de iguapó apresentam diversos níveis de luminosidade, muitas vezes é tão intensa que o sol chega a atingir o solo.

Em outros, é menor.



E as orquídeas epítifas são encontradas com facilidade, nos locais mais altos das árvores, onde a água não pode alcançar, durante a cheia.

 


Nestas matas, encontra-se Acacallis cyanea, algumas a pleno sol, vegetando nos troncos e nos galhos, diretamente no chão ou em árvores caídas. O que significa que na época da cheia vão ficar submersa.

 

Na época da cheia, o nível da água pode subir 10 m ou, em anos excepcionais, até mais do que isto.
Resultado?
Plantas de Acacallis cyanea e Galeandra devoniana resistem a esta condição adversa e chegam a ficar submersas durante meses. Outros orquídeas como Epidendrum nocturnum, por exemplo, quando o nível da água baixa, são encontradas no chão, quase todas mortas por não estarem adaptadas. Além desta alternância anual de cheia/seca, as árvores caem e com elas muitas epífitas vêm juntas e continuam crescendo, mas quando vem o período da cheia, acabam morrendo.

Epidendrum nocturnum vegetando no chão junto ao tronco da árvore caída, no período da seca.




Mudas de Acacallis cyanea vegetando em troncos em altura abaixo do nível que a água atingirá durante o período da cheia.

 


Cercadas de água, as matas de igapó, mesmo no período da seca, possuem uma umidade elevada.


Mata do Rio Mucuim no período da seca e no período da cheia.

A mancha escura no tronco marca o nível da água durante o período da cheia.


Em um dos diversos pontos que margeiam o rio, existe um especial onde plantas Acacallis cyanea são encontradas espalhadas pelo chão, exuberantes e que resistiram às cheias.


Apesar de ser a época de floração, não havia nenhuma Acacallis cyanea florida e só tivemos a oportunidade de conhecer seu híbrido natural (que também ocorre neste habitat) com Zygosepalum, em cultivo.


Não se pode ver tudo num só dia, mas dá para se ver muita coisa. Começa o entardecer, é hora de voltar. Um por de sol em mata de transição.


 

Fotos: Sergio Araujo, Delfina de Araujo, Eunice P. Pinto e Fabiana Ornaghi.