por Samyra Gomes Furtado (1), Camila Nardy Delgado (1), Fátima Regina Gonçalves Salimena (1), Luiz Menini Neto (1) (2)

(1). Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG
(2). Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Publicação original para o site Brazilian Orchids/Orchid News


 

Introdução

Capanemia (Orchidaceae: Oncidiinae)foi estabelecido por João Barbosa Rodrigues na obra Genera et Species Orchidearum Novarum (Rodrigues, 1877), em homenagem ao Barão de Capanema. São reconhecidas de sete a 16 espécies para o gênero, das quais a maioria ocorre no domínio Atlântico, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país (Buzatto et al.,2010; Barros, 2013).
São plantas epífitas, pequenas, com inflorescências delicadas de flores brancas, creme, amareladas ou esverdeadas. A maioria das espécies possui folhas cilíndricas, com apenas duas apresentando folhas planas: C. adelaidae Porto & Brade e C. thereziae Barb.Rodr.
Capanemia adelaidae Porto & Brade é endêmica do Brasil e tem distribuição referida para os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo (Pabst & Dungs, 1977) e Rio de Janeiro (Pabst, 1972) e, embora não seja citada para Minas Gerais por Buzatto et al. (2010) e Barros et al. (2013), há uma única coleta realizada por Alexander Curt Brade (RB 19060) em 1948, proveniente do município de Passa Quatro, depositada no Herbário Dimitri Sucre Benjamin, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Estudos que vêm sendo conduzidos sobre a flora epifítica vascular do Parque Estadual da Serra do Papagaio (PESP), localizado ao sul de Minas Gerais na Serra da Mantiqueira, resultaram na redescoberta desta espécie no estado.

Metodologia

O PESP faz parte do Complexo da Mantiqueira, interligando-se ao sul com o Parque Nacional do Itatiaia, na divisa com o estado do Rio de Janeiro. Compreende ca 22.917 ha, entre os municípios de Aiuruoca, Alagoa, Baependi, Itamonte e Pouso Alto (Figura 1) e resguarda importante remanescente da Floresta Atlântica, com mosaicos compostos por fragmentos altomontanos de Floresta Ombrófila Densa (FOD) e Floresta Ombrófila Mista (com a presença de Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze (Araucariaceae), o Pinheiro do Paraná e Podocarpus lambertii Klotzsch ex Endl. (Podocarpaceae), conhecido popularmente como Pinheiro-bravo) entremeados ao campo de altitude, entre 1500 e 2300 m.s.m.
Expedições mensais de coleta ao setor sudeste do Parque, no município de Baependi, vêm sendo realizadas desde março de 2012, para o estudo da composição e estrutura da flora epifítica vascular. Os exemplares coletados foram fotografados, herborizados e depositados no Herbário CESJ.

Capanemia adelaidae Porto & Brade, Arq. Inst. Biol. Veg. 3: 136. 1937
Erva epífita.
Pseudobulbo fusiforme, verde-escuro, ca. 6-8 x 3-4 mm.
Folha verde-escuro, pintalgada de vináceo, elíptica, 1,7-2,1 x 0,7-0,8 cm, ápice agudo.
Inflorescência em racemo, pauciflora, 1,4-1,6 cm compr.;
Flores com sépalas alvas a creme,
labelo creme com a base amarela;
pedicelo e ovário ca. 9 mm compr.;
sépala dorsal alva, lanceolada, ca. 3 x 1 mm, ápice agudo;
sépalas laterais lanceoladas, ca. 3 x 1 mm, ápice agudo;
pétalas elípticas, ca. 4 x 1 mm, ápice arredondado; labelo elípico, com calo basal, ca. 4 x 3 mm; coluna ca. 4 mm compr.














Material examinado:

BRASIL. MINAS GERAIS. Baependi, Parque Estadual da Serra do Papagaio, 19.V.2012, fl., S.G. Furtado & L. Menini Neto 53 (CESJ); 6.VII.2012, fr., S.G. Furtado & L. Menini Neto 71 (CESJ).

 


Resultados e discussão

Após 65 anos sem registro de C. adelaidae em Minas Gerais, a espécie foi encontrada no PESP, a ca. 50 Km da localidade em que havia sido registrada pela única vez no estado, no município de Passa Quatro. Cabe destacar que o holótipo desta espécie também é proveniente de localidade na Serra da Mantiqueira e foi coletado por Paulo Campos Porto (n° 2885), em 1939, em Campos do Jordão (São Paulo) que dista pouco mais de 100 Km do PESP, sendo depositado no herbário RB.
Indivíduos da espécie foram encontrados em interior e borda de Floresta Ombrófila Mista, geralmente próximo ao curso d’água, a ca. 1650 m.s.m., epífitos sobre Podocarpus lambertii, entre musgos e liquens e podem ser considerados raros no local, com alguns poucos exemplares observados.
A inexistência de coletas desta espécie em Minas Gerais por quase sete décadas pode ser devido a dois fatores. Um deles é a possibilidade de ser uma espécie muito rara, o que a colocaria em risco de extinção no estado e o outro a dificuldade de ser visualizada em campo, dado o seu porte reduzido. Dificuldade que é ampliada quando em estado vegetativo e por ocorrer entremeada a liquens e musgos, conforme destacado por Buzatto et al. (2010) em estudo sobre o gênero no Rio Grande do Sul, em condições similares àquela observada no PESP.
A realização de inventários florísticos permite o preenchimento de lacunas de conhecimento sobre a biodiversidade de várias regiões carentes de estudo, contribuindo ainda com dados sobre a distribuição geográfica (Abreu et al. 2007), permitindo avaliação sobre o status de conservação das espécies.
Assim, o estudo que vem sendo conduzido no PESP contribui com o conhecimento da flora do estado, sobretudo da flora epifítica, cujos estudos concentram-se na Região Sul do país, sendo menos comuns na Região Sudeste (Kersten 2010) e raros em Minas Gerais (Werneck; Espírito-Santo, 2002; Alves et al., 2008; Menini Neto et al., 2009).










Bibliografia

Abreu, N.L.; Santiago, A.L. & Menini Neto, L. 2007. Novos registros de Orchidaceae para a flora do Estado de Minas Gerais, Brasil. Orchidstudium – International Journal of Orchid Study 2(2-3): 37-43.

Alves, R.J.V.; Kolbek, J. & Becker, J. 2008. Vascular epiphyte vegetation in rocky savannas of southeastern Brazil. Nordic Journal of Botany 26: 101-117.

Barros, F.; Vinhos, F.; Rodrigues, V.T.; Barberena, F.F.V.A.; Fraga, C.N.; Pessoa, E.M.; Forster, W. & Menini Neto, L. 2013. Orchidaceae. In: Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. (http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB12017).

Buzatto, C.R.; Singer, R.B. & van den Berg, C. 2010. O gênero Capanemia Barb. Rodr. (Oncidinae: Orchidaceae) na Região Sul do Brasil. Revista Brasileira de Biociências 8(4): 309-323.

Kersten, R.A. 2010. Epífitas vasculares – Histórico, participação taxonômica e aspectos relevantes, com ênfase na Mata Atlântica. Hoehnea 37(1): 9-38.

Menini Neto, L.; Forzza, R.C. & Zappi, D. 2009. Angiosperm epiphytes as conservation indicators in forest fragments; a case study from southeastern Minas Gerais, Brazil. Biodiversity and Conservation 18(14): 3785-3807.

Pabst, G.F.J. 1972. El género Capanemia. Orquideología 7: 215-228, 237-242.

Pabst, G.F.J. & Dungs, F. 1977. Orchidaceae Brasilienses. Vol. 2. Hildesheim: Brucke Verlag. 418 p.

Rodrigues, J.B. 1877. Genera et species Orchidearum Novarum. Vol. 1. Sebastianópolis: Typographia Nacional. 219 p.

Werneck, M.S. & Espírito-Santo, M.M. 2002. Species diversity and abundance of vascular epiphytes on Vellozia piresiana in Brazil. Biotropica 34(1): 51-57.