Professor Emerson Ricardo Pansarin, é graduado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Possui mestrado e doutorado em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor do Curso de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (FFCLRP). Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biologia Floral e Reprodutiva, em Taxonomia Vegetal e em Sistemática e Filogenia, atuando principalmente nos seguintes temas: Polinização, biologia floral, biologia reprodutiva de espécies de orquídeas; taxonomia e filogenia da família Orchidaceae, com ênfase na subfamília Vanilloideae. Em 2010, publicou o livro “The Family Orchidaceae in the Serra do Japi, São Paulo state, Brazil”. Atualmente trabalha em diversos projetos de pesquisa ligados às orquídeas, a saber: “A família Orchidaceae na região de Ribeirão Preto, São Paulo”, “Evolução dos Sistemas de polinização em Vanilloideae (Orchidaceae) americanas”, “Biologia floral de Vanilla edwallii Hoehne (Orchidaceae: Vanilloideae: Vanilleae” e “Relações filogenéticas e biogeografia de orquídeas vanilóides e Epidendroideae basais”. Biologia floral e reprodutiva do gênero Cirrhaea Lindl. (Orchidaceae) e evolução dos sistemas de polinização em Stanhopeinae.



Cyclopogon carinianus
Pansarin (Orchidaceae: Spiranthinae), uma espécie nativa do estado de São Paulo
Brittonia, 65(1), 2013, pp. 102–105 ISSUED: 1 March 2013
(Adaptação da publicação original de Brittonia)


Resumo
Como resultado do trabalho de campo executado no interior do Estado de São Paulo, Cyclopogon carinianus (Orchidaceae, orchidoideae) foi descoberto, descrito, ilustrado, apresentado. Seus caracteres morfológicos foram comparados com as espécies relacionadas. A relação desta espécie para outros táxons do gênero foi discutida e forem feitos comentários sobre a sua distribuição geográfica, ecologia e status de conservação geográfica. É nativo de floresta sazonal semidecídua.

Palavras-chave: Brasil, Cranichideae, floresta estacional semidecídua, Orchidaceae, Orchidoideae, São Paulo.

Tribe Cranichidae (Orichidaceae) é cosmopolita e é composta por sete subtribos distribuídas principalmente nas regiões tropicais e subtropicais de ambos os hemisférios. Entre as subtribos, está Spiranthinae, um grupo predominantemente neotropical com cerca de 40 gêneros. Um de seus maiores gêneros é Cyclopogon C. Presl, com cerca de 75 espécies na América tropical e subtropical (Pridgeon et al., 2003).Trinta e duas destas espécies foram reconhecidas como tendo ocorrência no Brasil (de Barros et al., 2011). As espécies de Cyclopogon são ervas principalmente terrestres, que crescem em florestas (Pridgeon et al., 2003).O caule é reduzido e as folhas rosuladas são os órgãos mais conspícuos da planta.A inflorescência única é um racimo terminal com muitas flores ressupinadas. As sépalas são comumente fundidas na base formando um mento. As pétalas são delicadas e coniventes com a sépala dorsal. O labelo é adnato à base das sépalas laterais e sua margem adere a ambos os lados da coluna, formando um tubo que permite o acesso ao nectário basal.A coluna apresenta uma superfície estigmática bilobada com um polinário que consiste em duas políneas macias e um viscídio terminal (Ackerman, 1995; Pridgeon et al., 2003).
O tipo de Cyclopogon carinianus é originário do Brasil.São Paulo: Municipio Santa Rita do Passa Quatro, Parque Estadual de Vassununga, Capetinga Oeste, 21 ° 42'S, 47 ° 28'W (datum Córrego Alegre), ca. 730 m, área de Mata Mesófila Estacional semidecidual, 9 de setembro de 2009, ER Pansarin 1291 (holótipo: SPFR). (Figura 1)

Diagnose latina:
Cyclopogon carinianus ab omnibus aliis speciebus sui generis foliis ellipticis vel lanceolatis, asymmetricis, membranaceis, laete fusco-viridibus, margine undulata distinguenda; a Cyclopogone elato (Sw.) Schltr. foliis minoribus, laete fusco-viridibus, membranaceis, triner-viis, nervo supra profunde impresso, subtus valde prominente, margine undulata, apice acuto, inflorescentia laxa, spirali, bracteis foliaceis maioribus, sepalis vididi-bus cum apice castaneo, petalis viridibus cum apice castaneo, labello albo, spathulato, lobo intermedio dilatato et cum macula castanea differt.


FIG. 1. Cyclopogon carinianus. A. Hábito vegetativo. B. Visão lateral da flor. C. Visão oblíqua da flor.
D. Partes do perianto. E. Visão ventral do detalhe dos ápices da coluna mostrando a superfície
estigmática (seta). F. Visão lateral da coluna, com parte do ovário. G. Visão dorsal e ventral da antera.
H. Visão dorsal e ventral do polinário (desenhos a partir do holótipo).


Ervas terrestres com cerca 20–37 cm de tamanho quando floridas. Raízes 1–9×0.4–0.7 cm, fasciculadas, carnudas, cremes e numerosas. Caules não rizomatosos, reduzidos. Folhas 7–11×1.5– 3.5 cm, rosuladas, pseudo-pecioladas, presentes durante o período de floração; lâminas elípticas a lanceoladas, assimétricas, verde-escuras, membranosas, margem ondulada, ápice agudo; pseudo-pecíolo 4.5–7× 0.15–0.2 cm, maior do que a lâmina, superfície canelada adaxial. Inflorescência com até 45 flores dispostas em espiral; pedúnculo ca. 1– 2.5 mm diam. verde, glabro, com até sete lâminas verde-claras e glabras; ráquis marrom-esverdeado e vilosos; bráctea floral 6– 11×0.8–1.4 mm, mais longa ou igual ao comprimento do pedicelo mais o ovário, mas não excedendo ao comprimento do perianto, lanceolada, verde hialina, glabra. Flores predominantemente esverdeadas; ovário 4.2–4.8×1.1–1.3 mm, cônico, afinando em direção à base, curvado, verde, glandular-pubescente; sépalas gibosas e pubescentes na base, verde-hialinas com ápice marrom; sépala dorsal ca. 5.9×1 mm, simetricamente elípticas-lanceoladas, mais estreitas em direção do ápice, ápice arredondado; sépalas laterais ca. 6×1 mm, assimetricamente linear-lanceoladas, quase falcadas, ápice agudo; pétalas ca. 5.5×0.6 mm, linear-espatuladas,quase falcadas, verde hialino, ápice arredondado, marrom; labelo ca. 6×3 mm, giboso na base, branco com nervuras verdes da base até ¾ do comprimento, alargada e esbranquiçada com nervuras marrons até o ápice; lobos laterais arredondados, pouco evidente; lobo apical expandido, truncado, com lobo apical arredondado e pouco evidente. Coluna ca. 3.5 mm de comprimento, esverdeada; antera ca. 1.3 mm comprimento, ovalada, creme; polinário ca. 1.3 mm de comprimento, polínea branca; viscídio cinza. Frutos ca. 7.5×3 mm, oblongos, quase cônicos, verdes.

Distribuição e ecologia:
Interior do estado de São Paulo, Município de Santa Rita do Passa Quatro, Brasil. Terrestre em florestas mesófilas estacionais, ca. 730 m.

Fenologia:
Floresce de setembro a outubro; amadurecimento dos frutos de outubro a novembro.

Etimologia:
O epíteto específico se refere à Cariniana legalis (Mart.) Kuntze (Lecythidaceae; vernáculo “jequitibá”) porque Cyclopogon carinianus foi encontrado em floresta estacional semidecídua com predominância de Cariniana legalis.

Status de conservação:
A maior parte da vegetação natural do estado de São Paulo foi convertida em área de cultivo de cana de açúcar (Saccharum officinarum L.). Por esta razão, Cyclopogon carinianus deve ser considerada como uma espécie ameaçada.

Espécime adicional examinada:
Município Santa Rita do Passa Quatro, Parque Estadual de Vassununga, Capetinga Oeste, 21°42′S, 47°28′W, ca. 730 m, área de Mata Mesófila Estacional Semidecidual, 9 Sep 2009, E. R. Pansarin 1292 (SPFR).

A morfologia floral e vegetativa:
Cyclopogon carinianus se assemalha ao C. elatus (Sw.) Schltr. uma espécie descrita para a Jamaica com ocorrência na América Central, Flórida, ilhas do Caribe e norte da América do Sul (Ackerman, 1995). Foi também relatada para o nordeste, sudeste e sul do Brasil (de Barros et al., 2011), incluindo florestas semidecíduas e mesófilas do estado de São Paulo (Pansarin & Pansarin, 2008, 2010; Ferreira et al., 2010a). Cyclopogon é representada por cinco espécies na parte central do estado de São Paulo (Ferreira et al., 2010a), e seis táxons ocorrem na Serra do Japi, também no interior do estado (Pansarin & Pansarin, 2008, 2010). Nas duas regiões, C. elatus foi registrada como terrestre, rupícola ou epítifita (Pansarin & Pansarin, 2008, 2010; Ferreira et al., 2010a). Quando epífita, cresce com os indivíduos dispersos nas bifurcações dos troncos de grandes árvores (Pansarin & Pansarin, 2010).

Cyclopogon carinianus difere de C. elatus pela presença de folhas na floração, folhas elípticas a amplamente lanceoladas, assimétricas e verde-escuras nas duas faces. Contrastando, as folhas de C. elatus são normalmente ausentes durante o período de floração, porém quando aparecem, mais tarde, são lanceoladas, estreitas, não onduladas, simétricas, verde escuras adaxialmente porém mais claras abaxialmente. A inflorescência de C. carinianus possui flores distribuídas esparsamente e brácteas florais maiores; fazendo contraste, a inflorescência C. elatus é secundiflora com brácteas estreitas e lanceoladas. As flores de C. carinianus diferem daquelas de C. elatus por suas sépalas verde-hialinas com ápices marrons, pétalas brancas espatuladas com ápices marrons, labelo esbranquiçado com o lobo mediano expandido com duas faixa marrons obliquamente dispostas. Em contraste, as flores de C. elatus possui sépalas verdes, pétalas brancas, um labelo estreito e inteiramente branco. A cor da flor de C. carinianus se assemelha à do C. chloroleucus Barb. Bodr. (= Stigmatosema polyaden (Vell.) Garay) porque o lobo mediano do labelo é dilatado com duas faixas laterais marrons obliquamente dispostas (Pansarin & Pansarin, 2010).

A vegetação natural do interior do Estado de São Paulo foi amplamente substituída por áreas de pastagens e cultura (Ferreira et al., 2010a). Assim, os fragmentos florestais remanescentes são considerados fundamentais para a conservação. O habitat do Cyclopogon carinianus é um fragmento remascente de floresta mesófila estacional com abundância de indivíduos de Cariniana legalis (Jequitibá-rosa), incluindo um que, com 40 m de altura, é considerada como a mais antiga árvore viva da América do Sul (3025 anos). Áreas de transição entre a vegetação do Cerrado e a Mata Atlântica, como a que ocorre no Parque Estadual de Bassununga, são consideradas ricas em espécies. A preservação destas áreas naturais é uma necessidade urgente (Pansarin & Pansarin, 2008, 2010; Ferreira et al., 2010a). Mesmo com as intervenção antrópicas ocorrendo nestas florestas nativas no interior de São Paulo, novas espécies de orquídeas continuam sendo encontradas e descritas (Ferreira et al., 2010b).

Agradecimentos

O autor agradece Patricia Eckel pela revisão da diagnose latina.
A pesquisa foi apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Process 2007/07445-7).

 

Literatura citada

Ackerman, J. D. 1995. An orchid flora of Puerto Rico and the Virgin Islands. Memoirs of the New York Botanical Garden 73: 1–203.
de Barros, F., F. Vinhos, V. T. Rodrigues, F. F. V. A. Barberena, C. N. Fraga & E. M. Pessoa. 2011.
Orchidaceae. In: Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
(http:// floradobrasil.jbrj.gov.br/2012/FB000179).
Ferreira, A. W. C., M. I. S. Lima & E. R. Pansarin.
2010a. Orchidaceae na região central de São Paulo, Brasil. Rodriguésia 61: 243–259. D. H. Baptista & E.R. Pansarin. 2010b.
Triphora uniflora A. C. Ferreira, Baptista & Pansarin (Orchidaceae: Triphoreae): uma nova espécie e primeiro registro do gênero Triphora Nutt. para o estado de São Paulo, Brasil. Acta Botanica Brasilica 24: 288–291.
Pansarin, E. R. & L. M. Pansarin.2008. A família Orchidaceae na Serra do Japi, São Paulo, Brasil. Rodriguésia 59: 99–111.
Pansarin, E. R. & L. M. Pansarin. 2010. The family Orchidaceae in the Serra do Japi, São Paulo state, Brazil. Springer, Vienna.
Pridgeon, A. M., P. J. Cribb, M. W. Chase & F. N. Rasmussen. 2003. Orchidoideae (Part two) Vanilloideae. Genera orchidacearum, volume 3. Oxford University Press.