A IMPORTÂNCIA DA ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA
por Malena Barretto

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Um tema muito discutido no momento é o aquecimento global e suas causas.  Sabemos hoje que as intervenções humanas na natureza são responsáveis por grande parte das mudanças climáticas e a ciência prevê catástrofes provocadas pela alteração do clima.
Transformações irreversíveis no solo, no ar e na água estão em curso na biosfera.
É um grande desafio que temos pela frente; a manutenção das florestas e o desenvolvimento sustentável são as estratégias mais seguras para conter o aquecimento global.
Constatamos um desmatamento acelerado, apesar de todas as previsões e a consequente extinção de espécies. 
No Brasil, país megadiverso, dá a impressão de que não temos muito a perder destruindo as nossas florestas. Quando contemplamos uma pintura de Albert Eckhout (c.1607- 1666) vemos a imagem de uma terra de paisagem exuberante, povoada de diversas aves e outros animais, abundante em frutos e com recursos naturais inimagináveis.
Na realidade, a flora e a fauna brasileiras continuam sendo descobertas e a ciência encontra novas espécies com surpreendente frequência, embora muitas das espécies nativas estejam extintas, não se encontram mais na natureza ou estão gravemente ameaçadas de extinção por estarem em perigo devido à iminente destruição de seus habitat.
Formamos um conceito de que os recursos naturais do Brasil são inesgotáveis tal é a sua riqueza. 
Desde o tempo de Mauricio de Nassau no séc. XVII, o Brasil é uma terra cobiçada pela sua diversidade biológica, uma cobiça predatória que hoje não faz mais sentido. Temos uma grande responsabilidade na meta de preservar a vida e ainda assim não assumimos esse compromisso.
Durante o período colonial no Brasil, muitas expedições foram empreendidas com o objetivo de mapear o território e registrar a flora, a fauna e os costumes dessa terra tão vasta e desconhecida.
Os artistas sempre tiveram um papel importante na condução das pesquisas científicas para identificação e catalogação de espécies nativas, a exemplo da obra Flora Fluminensis de José Mariano da Conceição Veloso (1742- 1811) que teve como ilustradores João Francisco Muzzi e frei Francisco Solano entre outros artistas anônimos para produção de 1640 desenhos.
Devemos ressaltar o papel importante do desenho botânico como fundamental para elucidar visualmente a descrição de uma espécie pelo pesquisador.
O texto científico é complementado com o olhar do artista que está atento a registrar todos os detalhes da espécie. A experiência do artista em trabalhar com a orientação de um pesquisador é essencial para que ele desenvolva um olhar específico de observação científica; o artista recebe do pesquisador a informação necessária para ressaltar no desenho características relevantes da espécie a ser retratada.
Ao adquirir prática em observar, o ilustrador desenvolve autonomia, porém, recorre aos especialistas sempre que necessário. A relação entre cientista e artista é de colaboração mútua na realização do trabalho de pesquisa e de ilustração.  
Em 1817, chegou ao Brasil a Missão Austríaca formada por naturalistas que vieram com a imperatriz D. Leopoldina.
Teve como colaboradores botânicos além de Mikan, Schott e Raddi, Johann Baptist Emanuel Pohl (1782-1834) que publicou o livro ilustrado Plantarum Brasiliaeicones  e Karl Phillip Von Martius (1794- 1868), organizador da obra monumental Flora Brasiliensis.
A Missão Austríaca registrou 6.500 espécies botânicas nos três anos de pesquisa e coleta em território brasileiro. As ilustrações em gravura das publicações científicas do sec. XIX eram baseadas em desenhos feitos pelos artistas que acompanharam as expedições como Thomas Ender (1793-1875) e Johann Buchberger (?- 1821).  
Artistas que participavam da elaboração das pranchas e que não tiveram contato com a planta na natureza faziam seus desenhos tendo como referência exsicatas, descrição científica e relatos.
O esforço dos ilustradores botânicos em representar com fidelidade uma espécie é um ponto a ser considerado.
Admirável é o trabalho do cientista e artista, João Barbosa Rodrigues (1842-1909) que ilustrava ele mesmo suas pesquisas; sua publicação Sertum Palmarum Brasiliensium de 1903 com descrições e ilustrações é muito conhecida.
Barbosa Rodrigues também colaborou com a Flora Brasiliensis, 267 gravuras de orquídeas brasileiras são cópias
 
de desenhos de sua autoria.
A artista inglesa Margaret Mee (1909-1988) chegou ao Brasil em 1952 e fascinada pela beleza da natureza dedicou-se a retratar espécies da flora brasileira em especial da Mata Atlântica e da Amazônia, sua obra é extensa, de alto valor artístico e tem sido apreciada em publicações e exposições.
A artista vinculava seu trabalho à causa ambiental, sua arte contribuiu para divulgar e proteger as espécies botânicas algumas delas só conhecidas pelas suas pinturas, não foram mais encontradas na natureza.  
Margaret Mee foi uma defensora da preservação das florestas, em suas entrevistas a jornais brasileiros, em palestras nos EUA ou na Inglaterra, a artista, preocupada com o futuro das nossas matas, defendia a manutenção das florestas em uma época que o “milagre brasileiro”, o avanço do progresso estava em plena expansão. Denunciava o desmatamento, as queimadas e a perda das espécies para ciência e para vida.
Ao programar suas viagens, Margaret Mee estudava o ambiente e sua flora com a intenção de conhecer, comparar e relacionar as espécies botânicas com seus habitat. 
Margaret trabalhou com alguns biólogos entre eles Guido Pabst (1914 – 1980), especialista na família Orchidaceae que identificou várias orquídeas que a artista trazia de suas viagens, entre elas Sobralia margaretae Pabst.  
Poucos ilustradores estavam em atividade na época em que Margaret Mee viveu no Brasil, entre eles Maria Werneck de Castro (1905 – 2000) que registrou a flora do cerrado durante o tempo que morou em Brasília. 
Seu trabalho mais significativo foi feito em parceria com Jorge Pedro Pereira Carauta (1930 – 2013) - uma série de pinturas de espécies do gênero Dorstenia da família Moraceae, algumas das espécies com propriedades medicinais e muitas delas ameaçadas de extinção.
Maria Werneck decidiu pintar plantas ameaçadas de extinção com o objetivo de compilar um registro das espécies brasileiras que poderiam desaparecer na natureza. Foi uma defensora do meio ambiente e sua profissão como ilustradora botânica tinha como princípio a luta pela preservação.
Em 1981, apresentou uma exposição na Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro com o título “Em defesa do Patrimônio natural – Dorstenia: Um gênero em extinção (aquarelas)”.  
D. Maria, como era conhecida, foi também incentivadora de novos talentos. Em sua palestra na Biblioteca do Congresso em Washington em 1994, Maria Werneck faz referência aos artistas viajantes europeus que pintaram a nossa flora e fauna e com entusiasmo fala dos jovens ilustradores científicos brasileiros.
A Fundação Botânica Margaret Mee, criada em 1989, deu um grande impulso na formação de ilustradores botânicos brasileiros com a Bolsa de Aprimoramento Artístico no Royal Botanic Gardens of Kew, Inglaterra.
Essa bolsa possibilitou um aperfeiçoamento técnico e científico e deu oportunidade a muitos artistas que desejavam aprender a técnica de aquarela.  
Os novos ilustradores botânicos começaram a difundir seus conhecimentos dando aulas, se reunindo em instituições científicas e Jardins botânicos, trabalhando para pesquisa, promovendo exposições e publicando livros.  
Artistas brasileiros foram atraídos pela profissão de ilustrador botânico motivados pela questão ambiental que surgia com mais força nos anos 90 do séc. XX, quando estavam em evidência a nossa diversidade biológica e a urgência de sua preservação. O artista aliado à ciência se colocou em lugar apropriado para pintar e registrar a beleza das espécies.
O olhar estrangeiro teve sua época, mas hoje a produção dos ilustradores botânicos brasileiros é muito grande.
Da expressão artística das pinturas em aquarela de Gustavo Marigo à precisão científica dos desenhos a bico-de-pena de Rogério Lupo, temos uma variedade de estilos que encantam o público leigo, servem à causa ambiental e apoiam a ciência.
 Inspirados pela vida e obra de Margaret Mee e Maria Werneck que associaram o seu trabalho de pintura de espécies à luta pela preservação dos nossos ecossistemas, os ilustradores botânicos se posicionam como ativistas sempre prontos a se juntar às causas de proteção do meio ambiente.
Seus desenhos e pinturas botânicas são documentos, testemunhos da existência das espécies e servem como divulgação do mundo natural e conscientização sobre a necessidade de preservar a vida no planeta.