Pygmaeorchis brasiliensis, a orquídea pigmeia,
reaparece após quase cem anos

Luiz Menini Neto 1,2
Marcelo Rodrigues Miranda 3
Samyra Gomes Furtado 1

1 Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Biológicas, Herbário Leopoldo Krieger, CEP 36036-900, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
2 Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza, Instituto de Ciências Biológicas, CEP 36036-900, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
3 Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, 11670-401, Caraguatatuba, São Paulo, Brasil


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Conhecemos muito (embora estejamos longe de conhecer tudo) sobre poucas espécies e, conhecemos pouco (em muitos casos, quase nada) sobre muitas espécies. Há muitas lacunas de conhecimento sobre a biodiversidade (sejam taxonômicas, biogeográficas, filogenéticas, ecológicas, etc.) e não é diferente com as orquídeas, sobretudo aquelas denominadas popularmente de micro-orquídeas, algumas das quais são tão pequenas, que podem caber em um dedal.
Pygmaeorchis é um gênero composto por duas espécies de orquídeas muito pequenas, com escassas informações na literatura e ausentes nas coleções de plantas vivas. O nome do gênero significa orquídea pigmeia (do grego pygmaios, anão, pigmeu e orchis, se referindo às orquídeas, embora em tradução literal o termo signifique testículo).
Foi uma escolha muito feliz feita pelo seu autor, Alexander Curt Brade (Brade 1939), quando descreveu Pygmaeorchis brasiliensis Brade, com base em dois exemplares provenientes de florestas nebulares do Itatiaia e Serra dos Órgãos.
Um dos exemplares foi coletado por ele na primeira localidade no ano de 1929 e o outro foi coletado por Luiz Lanstyak na segunda localidade, em 1937. Ambos os exemplares foram depositados no Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RB).
Pouco mais de quatro décadas mais tarde, foi descrita Pygmaeorchis seidelii Toscano & Moutinho (Toscano de Brito & Moutinho Neto 1981), proveniente da região de Ouro Preto (Minas Gerais), encontrada como epífita sobre Velloziaceae e conhecida apenas pelo tipo.
Esse era todo o conhecimento que tínhamos sobre a distribuição das duas espécies desse gênero e a escassez de informações é patente na obra Genera Orchidacearum, onde são sumarizados os parcos dados sobre as espécies de Pygmaeorchis (van den Berg 2006).
No final de 2020, P. brasiliensis foi novamente encontrada na natureza, mas dessa vez no sul do estado de Minas Gerais (no município de Carrancas), em floresta nebular em torno de 1560m de altitude, sobre candeia.
Essas são condições provavelmente similares àquelas em que foi encontrada tanto no Itatiaia, quanto na Serra dos Órgãos. Miranda et al. (2021) publicaram essa redescoberta, depois de 83 anos desde o último registro conhecido em herbário.
É a adição de mais um tijolinho no nosso conhecimento do gênero Pygmaeorchis, embora ainda necessitemos de maior esforço em busca de outras informações.

Assim, temos exemplos da importância da construção desse conhecimento científico pouco a pouco. Do ponto de vista da taxonomia e nomenclarura, tivemos condições de apontar que o exemplar considerado por Brade (1939) como o tipo (Lanstyak nº 160) está desaparecido e, por isso, foi necessário indicar o espécime Brade 9584 como lectótipo para a espécie.
Em relação ao seu status de conservação, no Livro Vermelho da Flora Endêmica do Estado do Rio de Janeiro, Menini Neto et al. (2018) consideraram a espécie como Deficiente de Dados, pois havia apenas dois registros conhecidos nesse estado, como supracitado, e nenhuma informação sobre ela passados mais de 80 anos de sua descrição.
Com a informação publicada por Miranda et al. (2021), atualmente sabemos que ela não é endêmica do estado do Rio de Janeiro (ocorrendo também em Minas Gerais), e, felizmente, que não é uma espécie que está extinta, como poderíamos pensar, levando em consideração o extenso período de tempo sem qualquer informação sobre ela.
A proposta é de que a consideremos na categoria ‘Em Perigo’, pela distribuição fragmentada e em poucos locais conhecidos, além de reduzida Extensão de Ocorrência e Área de Ocupação.
Teoricamente, há a possibilidade de que existam populações protegidas em duas importantes unidades de conservação brasileiras, Parque Nacional do Itatiaia e Parque Nacional da Serra dos Órgãos, uma vez que os registros originais foram realizados em localidades dessas duas regiões montanhosas.
No entanto, como tantas outras micro-orquídeas e, devido justamente ao fato de serem de tamanho
 
reduzido, são difíceis de serem vistas e, por isso, raramente registradas (Flores-Palacios & García-Franco 2001), sendo sempre necessária a contínua busca em campo dessas espécies para que possamos ter condições de melhor avaliação de seu status de conservação e formular ações concretas que visem sua proteção
Esse reaparecimento, depois de tanto tempo, destaca o quão pouco nós ainda conhecemos sobre a nossa biodiversidade, apesar do inegável avanço que ocorreu desde a época da monumental Flora Brasiliensis de Martius, culminando na não menos impressionante Flora do Brasil 2020 (disponível para acesso em http://floradobrasil.jbrj.gov.br/).
Ressalta a necessidade de continuarmos realizando os estudos de campo responsáveis por registrar essa biodiversidade, considerada a maior do planeta e tão atacada ao longo dos séculos, trazendo conhecimento que sirva de subsídio para sua conservação.
E, por fim, destaca o quão relevante é a ciência e o fato de que nosso conhecimento pode e deve ser atualizado constantemente, além do quão surpreendente pode ser a natureza, nos “escondendo” pequenas joias como essa (e, de certo modo as protegendo dos olhos de eventuais “predadores”).
Esperamos que a divulgação desses dados inspire os leitores a pensar com mais carinho nas nossas orquídeas, não apenas como belos exemplares ornamentais que nos enchem os olhos com suas formas e cores, mas como seres vivos, com o mesmo direito de existir no ambiente que qualquer outro ser vivo tenha.







Referências
Brade, A.C. (1939) Orchidacae novae brasilienses IV. Arquivos do Serviço Florestal 1: 41–46.
Flores-Palacios, A. & García-Franco, J.G. (2001) Sampling methods for vascular epiphytes: their effectiveness in recording species richness and frequency. Selbyana 22: 181–191.
IUCN (2019) Guidelines for Using the IUCN Red List Categories and Criteria. Version 14. Prepared by the Standards and Petitions Subcommittee. Available from: http://www.iucnredlist.org/documents/RedListGuidelines.pdf (acessed 23 March 2021)
Menini Neto, L., Moulton, L., Moraes, M., Meneguzzo, T., Messina, T., Santos Filho, L., Negrão, R., Wimmer, F., Avancini, R., Novaes, L., Margon, H. & Braga, R. (2018) Orchidaceae. In: Martinelli, G., Martins, E., Moraes, M., Loyola, R. & Amaro, R. (Orgs.) Livro vermelho da flora endêmica do estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Estado do Ambiente, Rio de Janeiro, pp. 365–376.
Toscano de Brito, A.L.V. & Moutinho Neto, J.L. (1981) Species novae in Brasilia Orchidacearum II. Bradea 3: 193–196.
van den Berg, C. (2006) Pygmaeorchis. In: Pridgeon, A.M., Cribb, P.J., Chase, M.C. & Rasmussen, F.N. (2006) Epidendroideae (Part One). Genera Orchidacearum. Vol. 4. Oxford University Press, New York, pp. 303–305.


Fotos: R.H. de Abreu
Ilustração: Samyra Furtado