Expedição Cattleya jongheana

Marcelo Rodrigues

Cattleya jongheana ou Laelia jongheana é uma espécie muito ornamental que anteriormente pertencia ao gênero Hadrolaelia, gênero caracterizado pela ausência de espatas florais (a flor é protegida pelas folhas na ocasião da antese).
Trata-se de uma espécie muito ameaçada, com status de conservação "Em perigo" (EN), provavelmente já foi extinta em muitos dos seus antigos habitats como a zona da mata mineira e quadrilátero ferrífero, região muito desmatada e degradada pela ação humana (CNCFlora).

A viagem
Estudamos minuciosamente uma possível ocorrência dessa espécie mais ao norte do Estado de Minas Gerais, seguimos algumas pistas fracas e, sem nenhuma certeza, seguimos para tentar encontrar o enigmático habitat dessa bela espécie e registrar a Cattleya jongheana florida no habitat.

(Para fins de conservação, a localidade exata da expedição será omitida)


Disocactus sp.

Chegamos na região do Vale do Jequitinhonha numa manhã ensolarada de agosto, fomos inicialmente ver um habitat já conhecido da Constantia cristinae que estava em plena floração.
O local era de fácil acesso e as pequenas plantas vegetavam na lateral de um bloco de pedra. São plantas muito pequenas e as flores são diminutas.
O contraste das tepalas lilases com as verrucosidades amarelas do labelo formam um efeito muito bonito.

Foi interessante observar que algumas flores estavam sem o labelo ou com parte dele devorado, provavelmente por vespas ou abelhas nativas (prováveis polinizadores).
Alguns metros à frente encontramos uma pequena população de Constantia microscopica emitindo hastes florais. Em outros locais estas duas espécies coabitam nas mesmas condições, as vezes se sobrepondo na parede vertical da rocha.
Nos arredores desse habitat encontramos também alguns exemplares de Cyrtopodium sp., alguns exemplares de Disocactus sp. e várias Cattleya rupestris em flor.


Um pouco mais à frente avistamos uma orquídea terrestre florida, que depois constatamos se tratar da Veyretia aphylla.

Veyretia aphila

Seguimos por mais alguns quilômetros e paramos em outro local para ver outra população maior de Constantia.
Para chegar até os blocos de pedra onde elas estavam, tivemos que atravessar uma área parcialmente alagada.






No caminho avistamos diversos exemplares de Cyrtopodium paludicola vegetando praticamente dentro d’agua, fato que me causou certo espanto, pois acreditava que as espécies terrícolas desse gênero eram exclusivamente de substratos mais secos, como normalmente são encontradas.
Avistamos também uma pequena população de Gomesa hydrophila e algumas Habenaria cf repens em flor, todas vegetando em solo encharcado.
A travessia foi dispendiosa e decidimos abortar a missão e retornamos para o carro frustrados e com os sapatos completamente encharcados.




Chegamos finalmente em nosso destino final e iniciamos a subida no início da tarde. O caminho que trilhamos para subir foi, outrora, uma rota de tropeiros num passado distante. Ocasionalmente encontrávamos vestígios de muros e calçadas de pedra que demarcavam o caminho a ser seguido.
No caminho encontramos um cavaleiro que descia a serra montado em seu cavalo baio que puxava uma mula ainda jovem, era o Sr. Altamiro, um genuíno sertanejo de grande altivez, as marcas visíveis de uma vida sofrida eram ofuscadas pelo seu sorriso alegre. Carregava suas poucas coisas em dois alforjes feitos de couro animal e costurado a mão com tiras do mesmo material.
Altamiro nos disse que tinha passado alguns dias em seu rancho no sertão da serra, onde tem alguns animais soltos nas savanas naturais que são abundantes no topo da serra. Essa é uma prática comum em muitos locais onde a vegetação natural de gramíneas é abundante, prática já proibida na maioria das unidades de conservação.
Perguntei se ele conhecia uma orquídea de flores grandes e rosadas que vivia sobre as árvores e, possivelmente, existia naquela região.
Ele analisou minha descrição e respondeu que sabia de duas, uma “rendada” que ficava no alto das árvores e uma outra com cachos caídos, que ficava nas partes mais baixas (não conseguimos constatar qual era essa segunda planta).
Ele explicou que elas ficavam nos talhões de mato encravados junto aos cursos d'agua ou próximo a áreas encharcadas. Disse ainda que tinha visto algumas plantas floridas há alguns dias atrás. Naquele instante os ânimos já foram nas alturas e a esperança ascendeu em nossas mentes.
Conversamos ali por mais um tempo e nos despedimos, com algum pesar, pois a conversa estava extremamente agradável.
A tarde já estava caindo quando finalmente alcançamos um lugar para pernoitar. Era uma área plana próxima a um precipício, tínhamos ali uma visão privilegiada do Vale do Jequitinhonha.
Foi muita sorte encontrarmos aquele lugar tão especial, quase todo o caminho que percorremos era de floresta alta e sem um bom lugar para dormir. Em volta do acampamento avistamos algumas aráceas bem interessantes como Thaumatophyllum adamantinum e vários espécimes de Anthurium cf afine.
A noite foi muito animada, conversamos e nos divertimos até tarde.

Acordamos bem cedo com o som do esturro de um lobo guará, no vale logo abaixo do nosso acampamento. Apesar de estar bem perto, não foi possível avistar o animal.
Era por volta de cinco da manhã e o sol já estava ensaiando seu espetáculo no horizonte sobre o vale.
Coamos um café e seguimos montanha acima em busca do nosso objetivo

 

 

 

 

 


Prosthechea sp. e Anthurium sp.




Amanhecer do dia visto do acampamento


O Vale do Jequitinhonha é famoso pela sua aridez e pobreza, mas naquele lugar a abundância de água era surpreendente. De todos os locais que estive visitando na cadeia do espinhaço, este é, sem dúvida, o local mais úmido e com maior disponibilidade hídrica.
Deixamos nossas pesadas mochilas escondidas no mato,   prosseguimos montanha acima e quando estávamos atravessando um pequeno córrego na beira de uma mata preservada, o Reginaldo me disse calmamente:
O
lha ela lá!



Quando olhei, lá estava a grande flor rosa se destacando no alto de uma árvore que compunha uma pequena floresta ciliar.
Estava a cerca de 500 metros de distância de onde estávamos, o tamanho da flor a tornava perfeitamente visível apesar da grande distância.

Foi uma visão inesquecível.

Naquele momento avisamos pelo rádio os outros integrantes que, sem demora, subiram ao nosso encontro.
Prosseguimos avistando uma após outra, sempre em galhos altos, vinte ou trinta metros acima do solo.


Uma visão única.
As flores surpreendentemente são maiores que a própria planta.

Naquela mata ciliar encontramos ainda Prescottia stachyodes, Sophronitis brevipedunculata e uma Bifrenaria epífita.
Dali seguimos subindo a serra, no caminho avistamos pequenas populações de uma pequena Cattleya (hoffmansegella) com botões de flores amarelas (provavelmente Cattleya bradei) e um Zygopetalum maculatum com labelo quase branco.
Nosso objetivo já tinha se concretizado, mas ainda torcia para ver uma Cattleya jongheana, florida sobre Vellozia.

Chegamos em uma área descampada e avistamos de longe grandes flores rosadas sobre uma grande Vellozia de dois metros ou mais de altura.
Acreditei naquele momento que teria as fotos que tanto queria. mas chegando perto percebi que eram as flores da própria Vellozia, (Vellozia glabra). A semelhança é impressionante, tanto no conjunto de cores, como na forma.




 

Vellozia glabr
Seguimos visitando os habitats. Não havia muita riqueza de espécies, mas ainda vimos alguns exemplares de Oncidium forbesii que, mesmo sem flor, pode ser facilmente diferenciado dos seus congêneres por possuir normalmente apenas uma folha apical, diferente das demais espécies, que normalmente tem duas folhas no ápice do pseudobulbo.
Nas partes mais baixas da floresta tinha uma espécie de Grobyia sp. com cápsulas já bem formadas e nas áreas mais abertas avistamos vários exemplares de Begonia grisea com seu aspecto rustico. As folhas são aveludadas e acinzentadas, efeito causado pelos tricomas estrelados que são abundantes no limbo da folha.
Ainda pudemos ver alguns exemplares de Gomesa ramosa com suas panículas de flores amarelas estendidas sobre o vale.


Begonia grisea

Grobya sp.
A descida foi cruel, os joelhos doíam com a irregularidade do terreno. Estávamos todos muito cansados pelos dois dias de longas caminhadas nas serras de Minas Gerais.
Apesar do cansaço a satisfação era geral.

Mais uma expedição bem-sucedida com encontros e visões surpreendentes desse ecossistema único chamado Campo Rupestre.