Orquídeas Nativas de Florianópolis



Marcelo Vieira Nascimento é natural de Florianópolis – SC.
É geógrafo pela Universidade Federal de Santa Catarina além de mestre em engenharia civil e especialista em Planejamento Urbano e Meio Ambiente.
Atuou como geógrafo (hoje aposentado) na Prefeitura Municipal de Florianópolis.  
É também especialista em Botânica de Plantas Ornamentais (UFLA – Universidade Federal de Lavras – MG), além de ser membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
No âmbito da orquidofilia, foi presidente da Federação Catarinense de Orquidofilia, professor de cursos de cultivo de orquídeas em vários municípios do Brasil e no exterior.
Possui mais de 80 trabalhos científicos publicados em anais de congressos, revistas nacionais e internacionais, sendo 35 dedicados a Família Orchidaceae.
Já publicou três livros: Orquídeas para Iniciantes e A Familia Orchidaceae da Ilha do Campeche – Florianópolis/SC e Orquídeas Nativas de Florianópolis.
ON: Entre as suas diversas publicações, o livro Orquídeas Nativas de Florianópolis se destaca pelo conteúdo. Você poderia falar um pouco sobre ele?

MN: É um inventário das espécies sob o ponto de vista de um geógrafo/botânico. Diversos autores participaram de sua elaboração: Eliane Veras da Veiga, Gabriel Stroisc da Costa, Leonardo Ramos Seixas Guimarães. Ele foi concebido em diversos capítulos apresentando um breve histórico sobre Florianópolis e sua natureza. Aborda ainda a passagem de naturalistas e botânicos por Santa Catarina e especificamente sobre Florianópolis, os marcos jurídicos e normativos para biodiversidade e a Família Orchidaceae, morfologia e estrutura botânica das orquídeas, sobre a coleção Biológica particular Orquidário Amélia Cirimbeli Brillinger, sobre a Laelia purpurata e suas variedades, além de um glossário de termos botânicos e, naturalmente, as espécies e gêneros de oquídeas nativas de Florianópolis. O livro está em sua segunda edição revista e ampliada, possui 476 paginas, 35 ilustrações cientificas (Botânicas), a cores e mais de 560 fotos. Engloba 97 gêneros e 287 táxons, sendo 285 espécies e dois híbridos naturais. Deste 210 (73,2%) são epífitas, 58 (20,2%) terrícolas, 17 (5,9%) rupícolas e duas hemiepífitas (0,7%), ocorrendo em diversas fitofisionomias. Foi considerado o melhor produto gráfico produzido em Santa Catarina em 2019, na categoria de livros ilustrados/técnicos/científicos, recebeu o diploma especial de mérito da Academia Catarinense de letras e o Prêmio José Vieira da Rosa de Geografia.

ON: Geógrafo de formação, como ocorreu esta mudança de rumo? O que levou você a começar a estudar as orquídeas e se tornar um botânico?


MN: Sim, sou Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina e sou técnico em Agrimensura pela Escola Técnica Federal de Santa Catarina – ETFSC, hoje IFSC. O agrimensor é um profissional que vive no campo, literalmente nas matas, abrindo picadas, mapeando e medindo terras ou instalando loteamentos, estradas de ferro, estradas vicinais, rodovias federais e estaduais. E no Brasil onde temos mato, com certeza teremos orquídea. Exerci esta profissão por três anos, mas não posso dizer que este tenha sido o meu primeiro contato com as orquídeas. É muito anterior, começa ainda como criança, entre 8 e 10 anos, no lugar onde nasci. Num morro bastante conhecido nos arredores do centro urbano de Florianópolis - Morro do Tico - Tico.  Neste morro, pude ver apreciar e ter meus primeiros contatos com as orquídeas, pois, de certa maneira, acompanhava os homens do centro da Cidade, que “subiam” no morro para caçar orquídeas e naquele momento era pura diversão e ainda ganhávamos uns trocados para carregar sacos de linhagem cheios de orquídeas retiradas daquelas matas, sendo que a Laelia purpurata e a Cattleya intermedia já estavam presentes.
A Cattleya intermedia, eles chamavam de orelha de cachorro e as purpuratas de parasitas. 
Meu segundo contato com as orquídeas se deu aos 14 anos, quando participando de um grupo de jovens da Catedral Metropolitana de Florianópolis fiquei amigo de jovens de uma mesma família (Nereu e Francisco). O pai desses jovens, Prof. Nereu do Vale Pereira, figura bastante conhecida na cidade e com muita respeitabilidade, era professor da Universidade Federal de Santa Catarina, possuía um orquidário e alguns livros sobre orquídeas em sua vasta biblioteca, numa casa de praia, em Ribeirão da Ilha, um distrito do Município de Florianópolis.  
Com amizade concretizada com esta família, comecei a “passar” os finais de semana na casa de praia do Prof. Nereu. Como já tinha certo interesse por flores e principalmente por orquídeas, passei a acompanha-lo quando estava no seu orquidário e ali, possivelmente, nascia a paixão, o amor e a vontade de conhecer mais profundamente as orquídeas.
Nascia o orquidófilo Marcelo. 
Quando da realização da inscrição para o vestibular na UFSC, três cursos me fascinavam e mantinham meu interesse: Geografia, Biologia e Agronomia. Acredito que qualquer das três opções de certa maneira me levariam para o mundo das orquídeas. A escolha do curso de Geografia se deu em função do curso de Agrimensura e por ser uma profissão que forma generalista nos mais diversos assuntos, inclusive da botânica e da biogeografia. Passaram-se os anos já formado, prestei concurso para a Prefeitura Municipal de Florianópolis, para geografo, fui aprovado em primeiro lugar e iniciei minhas atividades na Assessoria de Meio Ambiente, que anos depois se tornaria a Fundação Municipal de Meio Ambiente – Floram.
Lá estava eu novamente à frente da minha paixão: as orquídeas.
Estabelecido economicamente e formando uma família, chegaria a hora de criar meu próprio orquidário (Orquidário Nossa Senhora do Desterro), uma coleção de coleções de gêneros e espécies de orquídeas brasileira, com objetivo puramente científica e não com fins comerciais.
Como Geógrafo, apesar de ser um “generalista”, sempre quis buscar mais informações e me aprofundar no conhecimento da família Orchidaceae. Para tanto,  nos últimos 30 anos fui adquirindo livros sobre esta família botânica e hoje posso dizer que devo ter a maior e mais importante biblioteca particular sobre a família Orchidaceae, hoje são 1.456 livros.
Também para me aprofundar cientificamente, realizei uma pós-graduação na UFLA-MG, o curso era Botânica de Plantas Ornamentais – Minha tese foi “A Família Orchidaceae as Ilha do Campeche" que resultou num livro que está esgotado.
Nascia o Orquidólogo Marcelo.

ON: Este livro é um importante trabalho para o conhecimento da família Orchidaceae brasileira, catarinense, em especial para o município de Florianópolis e, por consequência para o estado de Santa Catarina. É um trabalho muito completo para um determinado local, numa área mais restrita.


Lagoa de Peri
MN: Sim, temos consciência que o livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis” é um trabalho complexo e extremamente completo para uma área, que podemos dizer “restrita”, que por ser um município localizado completamente dentro da Mata Atlântica (ou que ainda resta dela), mas também por ter este território estudado estar localizado numa ilha (98%) "A Ilha de Santa Catarin" que considero como o limite austral para centenas de espécies tanto terrestres como aquáticas.
Sobre este tema, tomo a liberdade de transcrever o que o Arquiteto e Urbanista José Tabacow – Auxiliar direto de Roberto Burle Marx, comentou em sua rede social, sobre o nosso livro.
Tenho grande orgulho em ter as principais obras sobre orquídeas editadas aqui no Brasil, além de dois ou três livros sobre orquídeas venezuelanas e argentinas. A esta, veio se juntar agora “Orquídeas Nativas de Florianópolis” de Marcelo Nascimento. Não tenho qualquer receio em classificar esta última aquisição como a mais importante, pela ampla informação taxonômica, ecológica e geografia. Realmente foi uma agradável e inesperada surpresa folhear este livro que incluo naquela classificação de “obra de fôlego”. Explico está “inesperada”: Iludido pelo título, imaginei tratar-se de uma obra com sentido mais catalográfico e restrita ao pequeno território da Ilha de Santa Catarina. Assim embora o autor tenha ficado fiel ao título, não se contentou em apenas indicar locais de ocorrência das espécies na Ilha. Geógrafo que é de formação, foi buscar informações precisas sobre a dispersão de cada espécie incluída, por todo território brasileiro e mesmo fora dele. Ora, como a Ilha de Santa Catarina, embora já ao sul do cinturão intertropical, marca o fim da tropicalidade que até aqui se estende em razão da corrente do nordeste, o livro acaba tendo uma abrangência que se estende quase que por toda a mata atlântica e mais, por alguns biomas interiorizados, em outros casos pelo próprio continente americano. Trata-se, pois de uma obra sobre orquídeas americanas em geral, e que também ocorrem na Ilha de Santa Catarina. Assim temos à disposição uma obra mais completa, fartamente ilustrada e obrigatória na estante dos que se interessam por essa família, tão tropical, tão número, tão Bonita”.
José Tabacow – abril de 2021.
ON: Foram quantos anos de pesquisa?

O trabalho já vinha sendo executado por mim há mais de 8 anos. Iniciei com uma grande pesquisa bibliográfica sobre orquídeas em Florianópolis, na região da Grande Florianópolis, em Santa Catarina e no Brasil. Também visitei pessoalmente ou remotamente todos os Jardins Botânicos (brasileiros e do exterior), que poderiam ter informações e/ou depósitos de exsicatas de orquídeas de Santa Catarina assim como foram feitas pesquisas em herbários nacionais ou no exterior com o mesmo objetivo.
A partir destas consultas, revisões da nomenclatura dos nomes dos gêneros e das espécies, criamos um banco de dados reunindo as informações obtidas. Após todas verificações e conferências, obtivemos 87 gêneros e 114 orquídeas que já tinham sido de certa maneira estudadas e/ou coletadas e depositadas em Herbários.
Com esta primeira lista de 114 orquídeas, iniciei os trabalhos de campo, ainda de forma individual (não tinha constituído a equipe técnica/cientifica cujo  resultado dos trabalhos seria este livro).
Minha preocupação em primeiro lugar era localizar onde estas orquídeas estavam ou poderiam ser encontradas, fotografar, tanto o habitat como a espécie (vegetal completo e flores), como também realizar coletas para realização de exsicatas e coletas (extremamente restritiva), para que pudessem ser cultivadas no orquidário "Coleção Biológica Particular", criado com autorização do IBAMA e do ICmBio.
A cada expedição de campo, encontrávamos novas espécies que não estavam catalogadas na lista inicial. 
O trabalho ganhava peso e para mim muita importância, no que diz respeito da quantidade de espécies que não estavam catalogadas e/ou registradas. Naquele momento, entendi que para dar continuidade ao trabalho deveria buscar auxilio financeiro em editais públicos voltados à cultura. Elaborei o projeto "Orquídeas Nativas de Florianópolis" e apresentei o mesmo na Lei de Incentivo a Cultura do Município de Florianópolis, o mesmo foi aprovado por unanimidade e recebi a autorização para a captação dos recursos para a realização do mesmo, através de doação de empresas e pessoas físicas, estabelecidas em Florianópolis, através de renúncia fiscal para os impostos ISS e/ou IPTU. Assim,  pude constituir a equipe técnica/cientifica para elaboração do livro


Laelia purpurata

ON: Como este projeto foi planejado  e realizado? 

MN: Podemos dividir o livro em duas etapas de realização: durante os primeiros 8 anos, foi um trabalho individual realizado por mim mesmo.
Os dois anos restantes, um trabalho conjunto com a com a equipe técnica/cientifica totalizando 10 anos.

ON: Um número infinito de excursões em campo?

As expedições de campo foram essenciais para compor o ambiente fitogeográfico do livro e o encontro com as orquídeas nativas de Florianópolis. Nos primeiros 8 anos,  foram realizadas mais de 80 expedições de campo, por toda área municipal, inclusive a pequena área territorial do município que se encontra no continente. A concentração dessas expedições na sua grande maioria ocorreu dentro de unidades de conservação Federal, Estadual e Municipal que existiam dentro do território do Município de Florianópolis porque são as áreas ainda não sofrem uma ação antrópica. Com a equipe técnica/cientifica montada, ao longo de 2 anos, realizamos mais 43 expedições de campo, sempre como o mesmo objetivo: encontrar, fotografar, coletar, (na medida do possível) para realizar exsicatas e leva-las para o orquidário, cultiva-las e esperar sua floração para a identificação da espécie.  A grande maioria das espécies foram encontradas com floração com uma boa população, fizemos exsicatas que foram depositadas no Herbário do Jardim Botânico de São José – SC.  Totalizando 435 exsicatas depositadas.

ON: Houve registro de novas ocorrências para o Município?

Quando iniciamos o trabalho (individual), tínhamos 87 gêneros e 114 espécies de orquídeas que já tinham sido de certa maneira estudadas e/ou coletadas e depositadas em Herbários. Com a publicação do livro temos hoje 97 gêneros e 287 táxons, sendo 285 espécies e dois híbridos naturais. Destes 210 (73,2%) são epífitas, 58 (20,2%) terrícolas, 17 (5,9%) rupícolas e duas hemiepífitas (0,7%), ocorrendo em diversas fitofisionomias. O gênero com maior número de espécies é Acianthera Scheidw, (29), seguido de Epidendrum L. (19) Anatlhalis Barb. Rodr. (14), Habenaria Willd. (12), Pabstiella Brieger&Senghas (11) e Octomeria R. Br. (10). Em contraste, 49 gêneros foram representados por uma única espécie.  Além disto, foram coletadas 40 espécies de ocorrência inédita para o município de Florianópolis, sendo sete não previamente registradas para o Estado de Santa Catarina. 135 espécies (e os dois híbridos naturais) registradas para Florianópolis são endêmicas do Brasil e 95% delas também são consideradas endêmicas da Mata Atlântica. 

ON: Encontrou alguma espécie não descrita? Alguma espécie que havia sido considerada extinta no local ou espécies ameaçadas de extinção?

Encontramos 4 espécies que ainda estão sendo estudadas para sabermos se são novas espécies ou novas variedades. São do gênero Acianthera.  14 espécies registradas em Florianópolis são citadas como ameaçadas em três categorias: Vulnerável (VU), Em perigo (En) e Criticamente em Perigo (CR).



                             

ON: O livro conta com fotos e ilustrações botânicas, inclusive o belo trabalho da capa. Você poderia falar um pouco sobre como foi o trabalho e também um pouco sobre estes ilustradores?


Sempre tive um sonho de realizar um livro desta natureza, mas também que ele pudesse ligar o século XIX e o Século XXI. E esta ligação para mim seria através das ilustrações cientificas (neste caso botânicas).
Tínhamos recursos financeiros reduzidos, mas ao mesmo tempo tínhamos uma orquídea (Laelia purpurata), extremamente singular e especial para nós de Santa Catarina. Para ela dedicamos dos capítulos do livro:  Laelia purpurata, A Rainha das Orquídeas do Brasil, neste capitulo é possível conhecer a sua verdadeira história na botânica mundial e sua saga para tornar-se a Flor Símbolo de Santa Catarina e de Florianópolis e na sua Variedade Sanguínea a Flor Símbolo do HEMOSC – Hemocentro de Santa Catarina.
O outro capitulo é dedicado as variedades horticulturais da Laelia purpurata, tanto na categoria – Variedades do Colorido da Flor (14 variedades), tanto na categoria Variedades de forma do colorido (13 variedades).
Em Florianópolis, Instalados no bairro da Trindade, no coletivo artístico Nacasa, os ilustradores sobre a coordenação de Leandro Lopes, trabalham num ambiente de trocas mútuas, alguns recém-chegados e outros participantes do curso há mais de 10 anos. 
Conheci o Leandro e o Coletivo Nacasa, através da minha filha Julia Staedele Nascimento, que era aluna há algum tempo e propus que fossem feitas ilustrações botânicas das variedades horticulturais Laelia purpurata.

E assim o livro Orquídeas Nativas de Florianópolis, ganhava seu capitulo “Artístico” e único.

| Adriana Rodrigues | Júlia Staedele | Maria Inés Castiñeira | Ana D'Almeida | Julia Sardinha | Alexandre Viana | Simona Ivone | Leandro Lopes |


ON: Você não vai parar, sabemos disto, qual é o próximo passo? Mais pesquisas em andamento?

MN: Sim. No momento, estou trabalhando na publicação do livro “Fritz Müller – Desterro (1822-1897)” com o lançamento previsto para junho/julho de 2022, que pretende ser a maior e melhor biografia sobre ele. Muitos, mas muitos documentos que estavam “perdidos” na burocracia e nos porões das nossas instituições por mais de 150 anos estão sendo encontrados,.
A história deste cientista é, infelizmente, pouco conhecida e difundida não só no Brasil como em todo mundo, tirando a Alemanha e no livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis”, ele é homenageado no capítulo dedicado aos Naturalistas e Botânicos que estiveram em Florianópolis e em Santa Catarina.
Em toda sua vida, Fritz Muller publicou 264 trabalhos nas mais renomadas revistas científicas do Sec. XIX., além do Livro “Fur Darwin”. “A Favor de Darwin” sendo o primeiro livro que discutia as teorias de Darwin, não com novas teorias, mas sim no campo prático da Ciência.
Darwin teve acesso ao livro de Fritz Müller e a partir daí se tornaram amigos (apesar de nunca terem se encontrados) através de cartas. Foram mais de 90 cartas trocadas entre eles.
Como Naturalista Viajante do Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde além de enviar coleções de insetos e plantas, publicou 13 artigos científicos.

Publicado este livro, já temos o projeto pré-aprovado em algumas instituições brasileiras para publicar os livros “Orquídeas Nativas de Santa Catarina” e “Bromélias Nativas de Santa Catarina”.

 

Marcelo Vieira Nascimento
mar@floripa.com.br
55(48) 999145928.