Orchidaceae no Parque Nacional do Viruá, RR, Brasil

Edlley Max Pessoa




Edlley Max Pessoa é biólogo, mestre e doutor em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Pernambuco e desenvolve pesquisa em Sistemática de Angiospermas.
Atualmente é professor Adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso e é membro permanente dos Programas de Pós-graduação em Biodiversidade, Ambiente e Saúde (PPGBAS-UEMA), Biologia Vegetal (PPGBV-UFMT) e PROFBIO (em rede).
É editor de área do periódico internacional PHytotaxa.
Sua linha de pesquisa atual tem interesse no uso de abordagens integrativas na sistemática de táxons com taxonomia complicada e delimitação de espécies problemática.
O foco está em Orchidaceae neotropicais e em outras famílias de monocotiledôneas.

ON: Edlley, você desenvolveu diversas pesquisas no âmbito da Botânica, mas vamos focar nos seus trabalhos sobre a família Orchidaceae.
De qualquer modo, é uma literatura extensa impossível de se abordar todos os assuntos que você já desenvolveu um trabalho.
Você poderia nos falar o trabalho que você fez no Parque Nacional do Viruá, Roraima, “Orchidaceae no Parque Nacional do Viruá, RR, Brasil: Aspectos taxonômicos e Biogeográficos”. Este trabalho teve a orientação do Professo Marccus Alves e tem como co-orientador o Professor Fábio de Barros.

 
EP: Primeiramente agradeço o convite para essa entrevista, me sinto honrado.
O trabalho com as Orchidaceae do PARNA Viruá foi, na verdade, desenvolvido como o capítulo principal da minha dissertação de mestrado.
Foi uma experiência nova para mim trabalhar na Amazônia, já que sou do Recife, e acostumado com a Floresta Atlântica. O primeiro impacto foi descobrir que a Amazônia não é uma floresta contínua e que existem formações abertas também, que eles chamam de Campinas, Campinaranas ou Lavrados.
Com relação as orquídeas, outra surpresa foi encontrar espécies em Roraima, que também ocorriam no Nordeste do Brasil, nos servindo como registros de um passado onde essas as florestas Amazônica e Atlântica estavam conectadas.

Além disso, nas áreas abertas ocorria uma série de espécies de gêneros que eu não esperava inicialmente encontrar lá, como Habenaria, Cleistes, Epistephium e outros.
Esses que são mais comuns no Cerrado, por exemplo.
Cleistes rosea
Epistephium parviflorum
Habenaria schwackei

ON: A formação vegetal se distribui entre Campinarana, área de transição campinarana/floresta ombrófila e floresta inundável.
A campinarama tem semelhança com os campinaranas em torno de Manaus?
Mesmo tipo de vegetação? A questão de umidade?

campinarana
floresta ombrófila
floresta inundável.

-EP: Não! É incrível como essas áreas abertas amazônicas mudam a composição florística.
As Campinaranas do Rio Negro, próximas de Manaus, são ricas em espécies epífitas, são muito mais diversas do que as de Roraima.
As Campinaranas do PARNA Viruá são inundáveis e não permitem a colonização por alguns forófitos ideais para orquídeas, as espécies de árvores que ocorrem lá nem sempre são boas para orquídeas.
Entre as epífitas apenas Galeandra, Catasetum, e mais raramente Aganisia. Já no solo, entre as Gramíneas, Cyperaceae e Xyridaceae, estão Habenaria, Epistephium, Cleistes, Nohawilliamsia, Epidendrum e Duckeella.


-ON: As espécies são comuns a todos os ambientes ou a ocorrência é mais definida por formação da vegetação?

-EP: São 67 espécies de orquídeas no parque, poucas ocorrem em todos os ambientes, e das 13 espécies encontradas nas Campinaranas, 12 eram restritas a esse ambiente. Algo semelhante com as florestas alagáveis (com 52 espécies) e as de terra firme (17 espécies) que compartilham apenas 13 espécies.


-ON: São tantas ocorrências interessantes que fica difícil escolher.
É um estudo de 2013, mas ainda hoje não se conhece, por exemplo a Lockhartia viruensis, que você e Marccus Alves descreveram e publicaram no periódico Brittonia em 2012.
O que diferencia esta espécie da Lockhartia imbricata?

Lockhartia viruensis

-EP: O hábito é idêntico, assim como muitas outras espécies de Lockhartia, ou seja, sem flor é impossível distingui-las. Porém, o labelo é bem diferente, o labelo em L. viruensis é inteiro com ápice redondo, o calo é papiloso, além disso as alas da coluna são inteiras.

-ON: A Duckeella pauciflora teve sua primeira (e única?) citação para o Brasil no seu trabalho. Não é uma orquídea muito conhecida. O que você pode nos falar sobre ela?

-EP: É uma planta terrícola belíssima, com flores amarelo vivo! Duckeella é um gênero raro com ocorrência em áreas abertas da Amazônia e sem flores passa despercebido, pois não parece uma orquídea. Talvez por isso tenha poucas coletas.
Duckeella pauciflora

Notylia angustifolia
-ON: A Notylia angustifolia tem a sua citação de Roraima e uma citação para Rondônia (Martuscelli, P.). Possivelmente, ela ocorre também no estado do Amazonas? É apenas uma questão de não ter sido ainda localizada?

-EP: Sou co-orientador de um doutorando que está estudando Notylia desde 2021. É um gênero complexo com muito mais nomes do que espécies reais na natureza. As plantas do Viruá foram identificadas como N. yauaperyensis, porém durante o processo de publicação algum revisor solicitou alteração para N. angustifolia. O fato de serem sinônimos ainda precisa ser checado. Essas confusões com nomes, e publicações de espécies já descritas com novos nomes locais causa essas distribuições anômalas, que na verdade são falsas.


-ON: Trichocentrum recurvum é outra espécie com citação para os estados de Roraima e Rondônia. Seria também a mesma coisa?

-EP: Alguém me enviou recentemente fotos dessa espécie do Pará. Logo nesse segundo caso eu concordo que seja um problema de coletas. A Amazônia é muito carente de botânicos, e está sendo destruída antes de podermos conhece-la melhor.

-ON: Specklinia aristata  tem a sua citação para Roraima, tem também para o Amazonas e para o estado de São Paulo.
Seria, realmente, a mesma espécie com ocorrência em regiões tão distantes?

-EP: Essa espécie é comum em outros países, porém no Brasil existem poucos registros.
A planta de São Paulo é muito parecida e parece ter sido bem identificada. Eu tenho coleta dessa espécie para o Estado do Ceará, coletada em 2015 ou 2016, porém nunca me dediquei a escrever algo sobre o achado.
Essas amostras da Floresta Atlântica mereciam um estudo detalhado. 


-ON: Anathallis amazonica é uma espécie encontrada e descrita por você, poderia citar quais outras você encontrou?

-EP: Até o momento, segundo o IPNI, sou autor de 33 táxons, sendo 27 em Orchidaceae.
Destes 29, dois são seções no gênero Campylocentrum, o qual estudei no doutorado, e cinco são transferências de gêneros. Os 20 que sobram são espécies novas, a maioria descritas em colaboração.
Já descrevi espécies para todas as regiões e ecossistemas do Brasil nos gêneros Campylocentrum, Epidendrum, Anathallis, Chysis, Lockhartia, Masdevallia, Specklinia e Stelis.
Considero-me especialista apenas nos dois primeiros, os quais tenho dedicado maior empenho para resolver a taxonomia.


-ON: Observa-se que você encontrou diversas espécies de Campylocentrum? Qual era a formação vegetal em torno? E que tipo de luminosidade?

Campylocentrum huebneri
Campylocentrum micranthum
Campylocentrum poeppgii

-EP: Campylocentrum foi o gênero que estudei durante o meu doutorado. Foram nove novas espécies descritas para diferentes ecossistemas. Algumas de áreas de altitude e frias como o Itatiaia (RJ), outras coletadas em áreas secas do cerrado mineiro, ou mesmo em alagados de São Paulo. Não há uma preferência do gênero como um todo por um ambiente específico, varia bastante de espécie para espécie. Porém, posso dizer que, o cultivo de Campylocentrum é desafiador. Das coleções vivas que visitei, quando íamos procurar os indivíduos, geralmente estavam mortos ou morrendo. Existiam indivíduos em bom estado de saúde no JBRJ no orquidário (casa de vegetação/Nursery) próximo a Escola de Botânica Tropical, não sei se ainda vivem no orquidário de baixo. 

 
-ON: Respondendo seu questionamento sobre o cultivo de Campylocentrum, a coleção do Jardim Botanico possui alguns espécimes. O Campylocentrum brachycarpum é cultivado na estufa de vidro, onde floresce bem e os outros são cultivados na casa de vegetação (climatizada), mas ainda não floriram.
Interessante como a Cleistes rosea está presente em quase todo o País.

-EP: Sim, porém não é uma certeza. Soube que o Prof. Dr. João Batista da UFMG está estudando essas plantas.
Quem sabe em breve não teremos novidades?

Cleistes rosea


ON: No Flora do Brasil, acesso 05.05.22 https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB25927, Trichocentrum cebolleta não tem registro de ocorrência no Brasil, no entanto você o encontrou no Parque...

EP: Sim, atualmente considera-se amplamente que T. cebolleta (ex. Cohniella, ex. Oncidium) não ocorre no Brasil.
Estudos desenvolvidos na Costa Rica demonstraram que esse nome era aplicado para diversas espécies diferentes.
No caso do Brasil, esses pesquisadores apontaram a existência de três espécies, T. caatigaensis (na Caatinga), T. cepula (no Cerrado), e T. sprucei (na Amazônia).
Na flora do Brasil (2020), as duas primeiras são consideradas sinônimos.
Por fim, um aluno meu de mestrado, que defendeu agora em 2021, estudou as populações brasileiras, utilizou uma abordagem integrativa, com genética molecular, citogenética e morfometria geométrica dos labelos. Nossos resultados serão publicados em breve numa revista internacional, posso adiantar que os dados indicam que no Brasil ocorre apenas uma espécie, não três como advogam os Costa-riquenhos, nem duas como consta na Flora do Brasil. Porém, de fato não se trata de T. cebolleta.
O artigo do Parna Viruá foi desenvolvido em 2012, e publicado em 2014.
Eram outros tempos, com pouco entendimento sobre o grupo.