Devido ao tamanho desta entrevista, caso você deseje, baixe-a para seu computador e leia-a com calma off-line. Clique em Edit/Editar no seu browser. Marque Selecionar Tudo/Select All e depois Copiar/Copy (ou pressione as teclas Ctrl+C). Vá até seu editor de texto favorito, abra um documento novo e em Edit/Editar, marque Colar/Paste (ou pressione as teclas Ctrl+V). Dê um nome ao documento e salve para seu HD. Pronto! A qualquer momento você poderá ler a entrevista.





Por ocasião de uma exposição de orquídeas, realizada no Parque Nacional de Itatiaia, onde Francisco Miranda compareceu como expositor e palestrante, aproveitamos essa convivência de 3 dias para batermos um longo papo sobre um pouco de quase tudo. Conheça também o trabalho de sua mulher, Cristina Miranda, ilustradora botânica, no nosso tópico "Galeria de Arte".
Vamos a este interessante bate-papo.


Francisco, o seu trabalho é tão extenso que nem sabemos por onde começar. Se pelo levantamento executado no Pão de Açúcar, pelo trabalho das Laelias ou das orquídeas da Amazônia.

O trabalho de orquídeas do Pão de Açúcar foi o primeiro levantamento que fiz, isto foi em 1982 ou até antes. Foi um levantamento básico e nós tivemos um pouco mais de trabalho porque tivemos que escalar a pedra por todas as faces para chegarmos a uma conclusão sobre o que havia lá.Pão de Açucar/Sugar Loaf. Photo:Sergio Araujo Se bem me lembro, nós achamos umas 12 espécies de orquídeas. Depois disto já foram encontradas 2 ou 3 mais mas nós nos restringimos à área de pedra, às orquídeas rupícolas, não às que vivem nas matas próximas ao Pão de Açúcar.

Você ainda encontrou muita Laelia lobata naquele habitat?

Não, encontramos apenas um único exemplar. Uma touceira relativamente grande, um espécimen próximo ao topo mas que nós vimos florido uma única vez depois que o trabalho ficou pronto, mas o Pão de Açúcar não é o habitat principal dela. Ela existe em todas as pedras próximas ao mar, no Rio de Janeiro, ela tem potencial para ocorrer nestes lugares. Já encontrei na Pedra Bonita, perto do Centro de Botânica, perto da Estrada de Vista Chinesa. Em todas aquelas pedras tem. Laelia lobata.Photo:Sergio Araujo
No morro do Alto Mourão, lá em Niterói, perto de Itaipu, era uma planta bastante comum e, que eu saiba, ela foi bastante coletada mas o seu centro de distribuição é na Pedra da Gávea, onde existe mais Laelia lobata, aos milhões só que o paredão é vertical, de difícil acesso. Que eu saiba, é uma espécie restrita ao estado do Rio de Janeiro, numa extensão de 30km que vai da Pedra da Gávea ao Alto-Mourão, em Niterói.

E o trabalho que você vem fazendo sobre as Laelias?

Eu venho trabalhando na revisão das Laelias brasileiras desde 1982, já tendo feito visitas aos habitats nos últimos quinze anos, apenas interrompidas durante o período em que morei na Amazônia, de 1983 a 1985.
Ele está quase pronto e estou procurando juntar o máximo de informações sobre os habitats, variação genética e informações de cultivo. Estou tentando fazê-lo o mais completo possível. O livro está bem embasado e é interessante que se torne um livro de referência e tem também algumas mudanças nomenclaturais. Se alguém precisar da descrição de uma espécie, encontra lá.

A expectativa é muito grande em torno da publicação do livro, quando você pretende publicá-lo?

O texto está todo pronto e se eu realmente me concentrasse no livro agora, em 1 mês ou 2 meses, eu terminaria.
A idéia inicial era publicá-lo para a Conferência Mundial mas, na verdade foi até bom que não tenha saído, pois eu deixaria de incluir mais duas ou três espécies floridas. Estou tendo a chance de fotografar mais algumas espécies em flor e outras só no ano que vem. Se eu publicasse logo, estas fotos teriam que ficar para uma segunda edição.
Quanto ao editor, ainda não está muito certo, tenho propostas que estou examinando com muito cuidado.

O seu livro é fruto de um longo trabalho de 15 anos. Ele será o livro definitivo das Laelias?

Pode se dizer que sejam 15anos de trabalho, embora não em tempo integral. Espero que seja definitivo até que apareça outro, mas a verdade que muitos habitats têm sido destruídos de tal forma que vai ser difícil colher mais informações sobre eles do que eu tentei fazer ao longo destes anos todos.

Nesses últimos 15 anos houve uma aceleração muito grande na destruição de habitats?

Quando eu fui em 1982, por exemplo, numa área de mineração, o campo rupestre estava perfeito. Em 1985, o que havia era um buraco. Agora doze anos depois, não deve ter nem um buraco, deve estar um corte de montanha.

E as mudanças na nomenclatura que você citou?

Quando se faz uma revisão, você é obrigado a checar os tipos e verificar o nome que deve ser dado àquela planta tipo. Desde as descrições originais, nos trabalhos que têm sido feito sobre Laelia, os tipos não têm sido checados direito, quaisquer erros porventura existentes naquelas descrições, continuaram passando até os dias de hoje. Num trabalho de revisão, você é obrigado a fazer o dever de casa que é checar todos os tipos. Ao fazermos isto, nós chegamos à conclusão de que algumas espécies estavam sendo nomeadas erroneamente, então tivemos que fazer a correção e pelo menos uma das espécies é bastante conhecida.
Eu não faço com nenhum prazer esta mudança de nomes mas este é um trabalho que realmente precisa ser feito direito e eu já tenho tudo isto pronto.

Estas mudanças, uma vez feitas, passam a ser oficiais? As organizações vão reconhecer esta nova nomenclatura?

A taxonomia não é uma ciência exata, então se eu estudo Laelia e digo uma coisa, outros que também estudam, chegam a uma outra conclusão e se os dois trabalhos são publicados, eles vão ser julgados, vamos dizer assim, pelos botânicos que seguirão e dependendo da argumentação colocada, um será aceito em detrimento do outro.
Não existe nada oficial. O que existe de oficial sobre classificação são os nomes conservados. O Comitê de Taxonomia se reúne e conserva tais e tais nomes que são propostas oficiais de tais pessoas. Com relação aos nomes que não são conservados, a opinião aceita é a mais bem embasada e estou tentando embasar bastante meus conceitos, de forma que não possam vir a ser contestados.

Estas mudanças vão ser feitas no livro? Quais são estas espécies?

Algumas destas mudanças nomenclaturais já fiz na Bradea, outras vão ser feitas no livro, que será documentado com muito fotografia e terá uma distribuição mais ampla. Por exemplo, Laelia flava não é um bom nome, mas não vou ficar dando os detalhes todos do procedimento para se mudar este nome,visto que já está na Bradea e estará no livro, bem explicado. Laelia lucasiana também não é um bom nome, é um sinônimo também. A própria Laelia rupestres que passou a chamar Laelia crispata, volta ao status de rupestres, porque houve uma interpretação errônea do Cymbidium crispatum que deu origem ao nome. Estas 3 são as mais conhecidas, existem outras que estarão no livro.
Existem problemas com outras, cujo tipo não correspondem e como o que vale é o tipo e não o que os colecionadores falam...
Têm mais algumas plantas que já se tem até como conceito que são espécies diferentes mas que não foram descritas, que precisam ser separadas e descritas.

Este trabalho cobrirá todas as espécies de Laelia?

No Brasil sim, mas não mexi com as mexicanas, eu encontrei quase todas elas no habitat, com exceção de quatro espécies. Laelia fidelensis é uma que não encontrei o habitat. Das rupícolas, não encontrei duas no habitat, a Laelia blumenscheinii e a Laelia macrobulbosa e também a Laelia brevicaulis na Bahia, uma espécie muito próxima da Laelia harpophylla. Fora estas quatro, acho que encontrei todas as outras.

Com exceção da Laelia fidelensis, que é um caso a parte, o que você atribuiria a não ter encontrado estas 4 espécies no habitat? Elas já estariam extintas?

Extintas não. O problema é saber a área exata. Estou há anos atrás de Laelia cardimi e gracilis, todas as vêzes me dizem que ocorrem na Serra do Cipó, eu já passei a 100 metros de distância do habitat na época da floração da Laelia gracilis e não achei.
Algumas tem uma área de distribuição muito ampla, outras muito restrita. Você tem que ter referências exatas de onde a planta ocorre. Se você pensar numa área de montanha, nem com 10 vidas você consegue andar nela toda. Muitas eu encontrei por acaso, muitas por referência, outras eu tive que levar o coletor para me mostrar onde era, as que eu não achei, nem o coletor sabia onde era ou então os coletores foram outros.

Então não há nada registrado em termos de habitat?

Claro! Há a localidade-tipo do material que você examina mas o mateiro tem na memória e diz que há 10 anos atrás encontrou a planta naquele determinado lugar. Se você der azar e não encontrar a planta naquele local, você não acha em lugar nenhum.

Eles não criam uma certa dificuldade para mostrar o habitat?

Exatamente. Tem que se ir com jeito, ter um bom relacionamento com eles, explicar que não vamos pegar planta, que só queremos fotografar, estudar. Normalmente isto facilita muito as coisas.
Outras plantas foram encontradas por pessoas que já morreram. Estas você vai precisar de um pouco de sorte para encontrá-las.

O que você acha da polêmica em torno da Laelia fidelensis?

A planta existe e quem encontrou esta planta deve ter trazido daquela região mas é uma área muito vasta. Sem dúvida é uma espécie, quanto a isto não tem problema nenhum e certamente brasileira , pois não existe em outro lugar. Não tenho dúvidas quanto a ser uma boa espécie. Eu tenho dúvidas se ela é realmente de São Fidelis, mas isto vai ficar para outro esclarecer. Tentei encontrar, fui umas três vezes nos locais em que me informaram que havia e não achei. As localizações eram provavelmente erradas.

Quais são os principais habitats de Laelia que você tem visitado para fazer este trabalho?

Laelia purpurata.Photo:Sergio Araujo
A região de matas costeiras, no sul do país , onde é o habitat de Laelia purpurata.
O Rio de Janeiro e o Espírito Santo que são habitats de quase todas as outras Laelias de flores grandes. O sul do Bahia, habitat da Laelia grandis e principalmente os campos rupestres que são habitats de quase todas as Laelias rupícolas em Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. O Rio de Janeiro também tem alguma coisa de Laelia cinnabarina, na Pedra da Gávea, sempre em área de afloramento rochoso onde estas espécies ocorrem com maior freqüência.

Você poderia falar um pouco sobre estes habitats?

No Rio de Janeiro, os afloramentos rochosos que fazem parte da Serra da Mantiqueira. A segunda linha de montanhas próximas ao mar, não são áreas onde a umidade é alta o ano inteiro. Estas Laelias gostam muito de alternância de período de umidade e período de seca.
À medida que você vai mais para o interior, para Minas, você passa a Serra da Mantiqueira, onde você encontra pouca coisa, depois vem a região de Belo Horizonte indo até Serra da Piedade e Serra do Caraça que ficam a 100km de lá, uma área de montanhas que tem forte concentração de minério de ferro. Isto começa indo pela estrada do Rio para Belo Horizonte, na Serra do Ouro Branco, Congonhas e Serra da Moeda, quer dizer é uma área de 150 km de diâmetro, de serras altas na faixa dos 1000, 1500 , 1700 m e é onde grande parte destas espécies ocorrem. Esta área central, perto de Belo Horizonte, é o centro de distribuição das espécies com flores roxas, tem umas 10, mas isto não quer dizer que todas elas sejam desta cor. Tem a Laelia flava que tem flores amarelas, tem a Laelia milleri com flores vermelhas mas a maior parte delas tem flores roxas. Depois, existe outro centro de dispersão de espécies de Laelias rupícolas, nos arredores de Diamantina. É o centro de dispersão das espécies com folhas amarelas, tem 4 ou 5 espécies, mas em compensação lá tem Laelia rupestres que tem flor roxa, Laelia angereri que tem cor de abóbora.
Indo para a Bahia, tem a Serra do Sincorá, com período de seca bem longo,onde nós só temos duas espécies de Laelia rupícola. Tem a Laelia sincorana, que é uma das espécies de flores grandes que pode viver como rupícola e principalmente em cima de Velosia. Nesta serra, nós temos basicamente 3 espécies, o que não dá para falar em termos de dispersão. Tem planta com flor roxa, amarela. Para localizar esta serra, que fica no centro do estado, você traça um X sobre o mapa da Bahia e é exatamente no meio dele que ela se encontra.
Basicamente é isto. A Laelia não ocorre no nordeste, com exceção da Bahia, não ocorre na Amazônia e nem na região central do Brasil, com exceção da Laelia lundii, que ocorre até os arredores de Brasília, na descida, nas matas ciliares dos rios voltados para Minas Gerais. Na verdade, ela vai um pouquinho para dentro de Goiás mas ela não é uma espécie típica da região. São plantas típicas da região sul e sudeste. Todos elas precisam, como já disse, de um pouco de alternância de seca e umidade, algumas que vivem próximas à costa, na Mata Atlântica, são plantas mais adaptadas à umidade mais constante durante o ano inteiro. Não existe um período seco muito característico na costa do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, por exemplo.

As Laelias rupícolas precisam de altitude, de frio, de luminosidade?

Não necessariamente altitude e frio mas luminosidade sim. Veja bem, a Laelia cinnabarina ocorre na Pedra da Gávea, a Laelia gloedeniana ocorre no litoral do Espírito Santo, eu tirei uma fotografia muito interessante com a Laelia em flor e o mar lá embaixo, numa faixa de 150m de altitude, quer dizer muito próxima ao mar onde a umidade é muito alta. As Laelias rupícolas, nos arredores de Belo Horizonte, realmente vivem em localidades um pouco mais frias, numa faixa de 1.100 m. até 1.500 e a Laelia kettieana vai até 2000m na Serra do Caraça, que é o ponto mais alto daqueles arredores.

Laelia briegeri. Photo:Sergio Araujo Quando você vai para Diamantina, por exemplo,
a Laelia briegeri vive em bolsões, em altitudes em torno de 800m,
onde é bastante quente,o que quer dizer que é uma planta que gosta mais de calor.






Mas com as noites frias?

Noites fresquinhas, não são tão frias assim. Tem certas épocas no ano, no inverno claro que esfria de noite mas no verão é bem quentinho, mesmo à noite. O sol é realmente muito forte. É extremamente quente durante o dia.

E a qual é o habitat da Laelia purpurata?

Ela tem seu principal habitat no estado de Santa Catarina onde ocorre no litoral quase todo, sendo abundante na ilha de Santa Catarina. Ela aparece no norte do Rio Grande do Sul mas não vai até o Banhado de Taim, sendo abundante na região de Torres, de Osório, nas dunas, a 100km de Porto Alegre.
Não aparece no Paraná, por algum motivo qualquer. Tem aquele recôncavo, deve ser um problema de distribuição de semente. Pode ser que na época que dá semente, não haja vento, tem algum motivo só que não descobrimos qual. Ela reaparece em Santos , Ubatuba, Caraguatatuba e vai até o norte do estado. Embora o habitat mais próximo do Rio de Janeiro que se tenha notícia seja pertinho da divisa (Pissinguaba) dos dois estados , ela não chega a ocorrer aqui.

Em termos de habitats, o que você encontrou de mais destruído?

As regiões próximas à Belo Horizonte têm sido bastante destruídas pela mineração.
Nos arredores de Diamantina não, a região está mais ou menos intacta, não se nota grande impacto.

O grande predador tem sido a mineração e não a coleta?

A mineração sim mas a coleta não.
Hoje em dia não existe tanta pressão por coleta destas planta pois os indivíduos de melhor qualidade têm sido reproduzidos artificialmente. Não faz mais nenhum sentido você ir lá e retirar 1.000 plantas. Tem plantas que existem aos milhares mas, por outro lado, outras têm um habitat muito restrito. Até o ano passado, retrasado, a Laelia milleri era vendida, em flor, à beira da estrada, em Belo Horizonte. Nós encontramos o habitat de onde se estavam coletando as plantas, mas ele está sendo destruído pela mineração. Se não se coletar as plantas, a mineração acaba destruindo do mesmo jeito, estão cortando o morro fora.
Laelia jongheana. Photo:Sergio Araujo É meio difícil dizer se a coleta é que está realmente destruindo as plantas. Neste caso específico estaria até sendo útil, mas não em outros casos como a Laelia jongheana que está sendo retirada de uma área que não é ameaçada, onde não está havendo nenhuma mineração, nada. A notícia que tenho é que foram retirados mais de 30.000 exemplares do habitat e é ilegal tirar plantas da natureza. Estive antes lá desta retirada e ainda não retornei. Não sei dizer que tipo de impacto isto teve no habitat. Quando estive lá, encontrei muita Laelia jongheana. Muito é um conceito subjetivo mas quando se retira 30.000, é muito também e é preciso ver em que isto afetou a população local. Vou fazer uma força para voltar o ano que vem, na época de floração, quando realmente dá para se ver e verificar o que sobrou lá, se realmente dá para perceber esta retirada.

E a Laelia jongheana é uma das espécies mais ameaçadas. Qual é o seu habitat?

É uma coisa engraçada, muitas pessoas pensam que ela só ocorre no Pico de Itambé, em Minas, mas a localidade tipo é na Serra do Caraça. Hoje em dia não se encontra mais lá talvez até porque não se procure direito em virtude de ser uma área bem vasta. Até agora era considerada como endêmica de um local de Minas, mas foi encontrada agora no Espírito Santo, o que prova que ela tem uma distribuição mais ampla do que se pensava.

Ela não tem nenhuma mobilidade natural?

Normalmente estas plantas estão basicamente bem adaptadas ao habitat, não há mobilidade alguma, as populações não estão em expansão ou em declínio que se possa notar. A maior parte das espécies está bem adaptada ao local onde elas existem e ocorrem em grande quantidade com exceção da Laelia cardimii, outra que encontramos na serra do Cipó que é uma espécie bastante rara. Mesmo onde ela ocorre, é muito difícil. Você tem que tomar muito cuidado para poder voltar do habitat e contar a história. É uma pirambeira de tal forma que se você não tomar cuidado, vai lá para baixo.

E a Bahia, também é muito desmatada. A cultura do cacau é responsável pela destruição dos habitats?

O sul da Bahia é uma região muito desmatada para retirada de madeira, mas a cultura cacaueira preserva muito, pois os pés de cacau precisam da sombra da mata. Por esta razão, eles mantêm as árvores grandes para o sombreamento e quando se olha de longe, parece quase uma mata natural, aquelas árvores enormes, cheias de epífitas mas as árvores de pequeno porte são substituídas pelo cacau. Provavelmente é a cultura que menos provoca destruição. Em cima dos pés de cacau tem Cattleya leopoldii, amethystoglossa. Quando você vai um pouco mais para o interior, em área de matas mais secas, elas são completamente derrubadas para a retirada de madeira. Eu tenho foto disto e mostro sempre. Na Serra do Sincorá, houve grande pressão de retirada de Laelia sincorana,que foi feita aos milhares logo que ela foi redescoberta mas ainda tem muitas por lá. É uma espécie muito comum na região.
O maior problema que está havendo são os incêndios na mata pois ela dá no chão ou em cima de Velosia e como é tudo muito seco, no inverno eles ateiam fogo e queimam áreas enormes e a quantidade de plantas que se perde é enorme também.

E o que está acontecendo nos habitats do Rio?

Grande parte das espécies vive na chamada Mata Atlântica. No Estado do Rio, existe, no máximo, 6% ou 7% da mata original e isto porque a região de Parati ainda está mais ou menos intacta. Se você pegar do Rio de Janeiro para o norte do Estado, você não tem nada.

Laelia crispa. Photo:Sergio AraujoSó sobrou o morro da Velha Joana, mas a parte sul do estado, que é também habitat da Laelia crispa, está um pouco mais preservada.






Mas se olharmos em torno de Angra de Reis a situação muda. Não se faz nenhum estudo de impacto ambiental?

A região da baixada tem sido completamente derrubada para loteamento. Aquela área de solo arenoso era lotada de orquídeas, Laelia ali é o de menos, é o resto todo que está sendo derrubado. Eu não sei de nenhum projeto de loteamento que tenha feito um estudo do impacto ambiental antes de ser realizado.

E o Espírito Santo?

A cobertura vegetal do estado do Espírito Santo está reduzida a 4% do original e esta destruição é devida à agricultura. É simplesmente a ocupação do território. As pessoas pensam que as matas de grande porte ocorrem em solo muito rico mas não é verdade, o solo é muito pobre. Depois que a mata é retirada, o solo dura um ou dois anos. Então o pessoal tira a mata agora e quando acabar, vai-se derrubar outra mata.
É o conceito que a mata não acaba.

Como aconteceu no Rio e em São Paulo com as plantações de café.

É verdade, você olha isto aqui (apontando o Parque Nacional de Itatiaia) e diz que não vai acabar nunca, mas se começar a tirar, tratar com descaso, vai tudo embora rapidamente.
Sempre me lembro de um conhecido meu que era piloto na Amazônia e dizia que não tinha problema desmatar pois ele olhava para o horizonte e só via mata e eu sempre respondia que ele tinha mais é que voar 3, 4 horas para se ter a idéia de que a mata ainda existe. Se você voa 10 minutos e já sai dela, é porque ela já acabou, não tem mais nada.
Laelia perrinii. Photo:Sergio AraujoVoltando ao estado do Espírito Santo, ele está muito destruído, principalmente a região central e este é um problema muito sério para a Laelia perrinii, para a Laelia xanthina e para algumas outras espécies de Cattleyas como a schilleriana.Laelia xanthina. Photo:Sergio Araujo São espécies que estão sendo bastante cultivadas artificialmente, quer dizer a espécie não vai se perder, pode ser até que se perca o habitat.







Mas a planta cultivada artificialmente não vai criar uma modificação na mutação e na evolução desta espécie, a longo prazo?

Você quando faz a propagação artificial de uma planta, você está procurando melhora em algum aspecto. Ou uma planta que dê mais flores ou flores mais redondas. Ao cabo de alguns anos, você terá a espécie mas será, digamos assim, modificada, dirigida para o que se quer, a carga genética original da espécie estará bastante modificada. Quem tem obrigação de manter, preservar a espécie como ela é, são os botânicos, o IBAMA, os institutos de pesquisa. O comerciante não tem nenhuma obrigação de fazer isto. Ele vai fazer isto para ter um retorno.

Não há como localizar alguém que seja responsável por essa preservação e cobrar isto?

Ninguém vai ser responsável por isto. O estado vai dizer que é a prefeitura, a prefeitura vai dizer que é o Governo Federal e ninguém preserva nada pois não tem fiscalização. Só tem fiscalização se você coletar material botânico. Pode ser até preso, mas as madeireiras continuam derrubando, tirando e não acontece nada.

Este seu trabalho de levantamento é, sem dúvida alguma, de grande importância. Você conseguiu algum financiamento de alguma organização? Ou é tudo feito por sua conta? Você não tem nenhuma espécie de subsídio para realizá-lo?

Não, por isto a idéia é fazer os livros para conseguir pagar um pouco da minha despesa, mas eu também faço porque eu gosto.
Se eu estivesse ligado a alguma instituição científica talvez tivesse alguma facilidade para um financiamento, eu poderia fazer um projeto como eu já vi alguns sendo feitos que incluiria viagens, publicação de relatórios mas, no esquema de vida que tenho hoje dia, não dá para incluir uma coisa deste tipo.
Eu me dedico a este trabalho nas horas vagas, que já não são muitas mas, em compensação, eu tenho uma flexibilidade total. Se eu resolver ir para a Serra do Cipó amanhã e eu tiver tempo e se for uma prioridade para mim, eu vou. Se eu estiver atrelado a um projeto, eu teria de ir de acordo com um cronograma de viagens a cumprir, teria que justificar porque estaria querendo fazer estas viagens numa determinada época do ano. Teria muito dificuldade de seguir um cronograma. Se eu fosse um bolsista ou um coordenador de algum projeto, não teria outra escolha. Eu poderia até tentar conseguir um financiamento para fazer este tipo de trabalho mas,como eu disse, isto me tiraria muito da minha flexibilidade de tempo. Há 10 anos atrás, eu faria isto de bom grado mas hoje em dia não tenho condições.