Kleber Garcia de Lacerda Júnior, médico mineiro especialista em doenças tropicais é hoje respeitado como um grande conhecedor das orquídeas brasileiras conhecidas sob o nome de "Catasetínea" (Catasetum, Cycnoches e Mormodes). Tendo passado cerca de 12 anos na região amazônica em razão de seu trabalho, empenhou-se em pesquisar a família orquidácea região norte, indo além dos estados brasileiros excursionou também por parte da Colômbia, Equador e Venezuela. Um trabalho pioneiro no Estado de Rondônia, em l979 e l980, levou-o à descoberta de diversas espécies novas de Catasetum, Mormodes e uma Lycaste, e muitas novas citações para o Brasil.  
  Atualmente, em colaboração com outros pesquisadores, está revisando o gênero Catasetum Rchb.f. ex-Kunth. Além das espécies novas já descritas, tem 6 novas descobertas ainda não publicadas (catasetíneas, Bulbophyllum e Laelia), em fase de estudos finais. Foi homenageado pelo botânico Pedro Ivo S. Braga que lhe dedicou a espécie Catasetum kleberianum, descoberta em l981.Atualmente tem-se dedicado também à flora orquidológica de Minas Gerais onde reside e atua em clínica médica e psiquiatria. Mas volta com freqüência ao norte para dar continuidade aos seus estudos. Nesta entrevista ele nos fala das condições ambientais da região amazônica (temperatura, umidade, regime de chuvas), dos gêneros e espécies que ocorrem na região, Brassia, Cattleya, Epidendrum, Galeandra, Scuticaria, Bifrenaria Oncidium. Pleurothallis e Octomeria, Caularthron e, muito especialmente, das Catasetinae (Catasetum, Cycnoches e Mormodes) enfim da diversidade em Orchidaceae da Amazônia. Fala também da influência de diversos outros pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, em seu trabalho , discorre longamente sobre os diversos habitats da região, florestas de terra firme e suas espécies de sombra, sobre os campos e cerrados, as campinaranas (ou caatingas amazônicas), sobre as florestas de várzea, de igapó, sobre as campinas abertas, sobre o macucu (Aldina heterophylla Spr. ex Benth) com nada menos do que 45 espécies de orquídeas. Associação de Orquidófilos e esclarece muitas dúvidas sobre sinonímia e nomenclatura. Enfim, conheça um pouco do desconhecido mundo formado pela Amazônia brasileira.

  Orchid News - Kleber, você é hoje considerado um grande conhecedor das "Catasetíneas", você poderia falar como começou seu interesse pelo estudo das orquídeas, primeiro como cultivador e depois como orquidólogo? Você já era formado em medicina ou tudo isto começou antes?

Kleber Lacerda - Mesmo antes de graduar-me sempre me interessei pela Biologia, em particular pela Entomologia. A Botânica havia sido sempre secundária, mas despertou-me interesse maior quando em uma excursão na Serra do Cipó observei plantas carnívoras, selaginelas e algumas orquídeas. Durante parte de minha residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da UFMG, no Campus Avançado em Doenças Tropicais no Amapá, umas poucas incursões na mata foram suficientes para iniciar leituras que me estimularam a curiosidade sobre a flora amazônica em particular. O cultivo e estudo de orquídeas desenvolveram-se concomitantemente, mas em virtude das muitas mudanças de local de residência nunca pude formar uma grande coleção, e mais de uma vez tive que desfazer-me das plantas, distribuindo-as para alguns amigos.


ON - Mesmo tendo ido para a região amazônica em função de seu trabalho, esta estadia foi extremamente proveitosa do ponto de vista do estudo da família orquidácea. Quanto tempo você passou lá?

KL - Residi doze anos na Amazônia brasileira, dos quais cinco no interior dos Estados do Pará e Amazonas e oito em Manaus, e dois anos na região amazônica do Equador. Depois retornei para Minas Gerais, mas muitas vezes tendo que voltar ao Norte para continuar atividades médicas. Como meu trabalho exigia viagens freqüentes para muitos lugares, onde havia frentes de serviço de construção pesada e áreas industriais, em toda a chamada "Amazônia Legal", foi muito fácil descobrir nichos ecológicos ainda inexplorados; viajar em pequenas aeronaves, lanchas e helicópteros por conta própria, teria sido impossível... Às vezes, ao invés de voltar para Manaus nos fins de semana, como meus companheiros faziam, eu resolvia ficar na frente de trabalho e explorar a região, quando ela se mostrava promissora do ponto de vista botânico.


ON - Lendo seus trabalhos sobre a Amazônia pode-se verificar o grande conhecimento que você adquiriu daquela região com esta longa estadia. O que você tem a nos dizer sobre as condições climáticas, das dificuldades de adaptação?

KL - A espécie humana adapta-se com facilidade a inúmeras condições ambientais, e é muito difícil uma pessoa não suportar o clima amazônico; das plantas não se pode dizer o mesmo.
Tive oportunidade de experimentar o cultivo de diversas espécies vegetais de regiões subtropicais e temperadas quando morei em Manaus, tais como hortaliças, palmeiras, árvores, plantas ornamentais diversas e orquídeas, com resultados surpreendentes, às vezes até cômicos - por exemplo, pimenteiras que atingiram três metros de altura, tomateiros que cresciam escandentes acima do telhado da casa, cenouras que ficavam com enormes folhagens mas com raízes raquíticas, Dendrobium (principalmente nobile) que vegetavam magnificamente mas nunca floresciam, plantas que mudavam de cor e perdiam os pelos foliares, outras que nunca frutificavam, etc. Isso em função de fatores como regime pluviométrico, temperatura, umidade relativa do ar, intensidade e duração da luminosidade durante o ano (fotoperiodismo), composição e pH do solo (substrato), ausência de polinizadores e muitos outros mais.
A maior parte da população vive na planície amazônica, com altitude abaixo de 200 m.a.m., quente durante todo o ano (média das máximas em torno de 33 ºC, e das mínimas - noturna - em torno de 24 ºC); considerar que a umidade excessiva do ar causa uma sensação de calor mais intensa. Há um curto período carente de chuvas, de 2 a 4 meses. No interior, entretanto, a temperatura cai muito abaixo disso, principalmente à noite, e nas regiões mais altas chega a fazer frio. Nas campinas próximas a Manaus, à noite costuma fazer 18 ºC e algumas vezes menos. A reprodução deste clima em outras regiões não é difícil; aqui em BH tenho uma pequena estufa onde consigo, a baixíssimo custo, manter algumas orquídeas amazônicas com sucesso.
  Cattleya eldorado. Foto/photo: Kleber Lacerda   É claro que nem todas as espécies reagem da mesma forma;
Brassia
, Cattleya eldorado, Cattleya lawrenceana, Epidendrum, por exemplo, têm
uma certa flexibilidade no que diz respeito às condições de temperatura, umidade e luminosidade;
no entanto, Cattleya violacea, Galeandra, Scuticaria, Caularthron e outras são bem exigentes e necessitam limites mais estreitos das condições.
  Nas Catasetinae e Oncidium o comportamento varia conforme a espécie, ou mesmo conforme a região de origem, dentro de uma mesma espécie.
Isso é válido para plantas nativas, condicionadas por resposta metabólica adaptativa. Plantas reproduzidas por semente e desenvolvidas artificialmente geralmente adaptam-se com maior facilidade ao cultivo em outras regiões.



ON - Você já disse que residiu também na região amazônica do Equador além da amazônica brasileira, quais estados e países você pesquisou também? De que maneira suas pesquisas foram orientadas, você trabalhou sozinho ou contou com a colaboração de outras pessoas?

KL - Não posso me considerar autodidata porque contei com diversos professores que informalmente muito me auxiliaram na introdução à Botânica, com ênfase na família Orchidaceae. Em Manaus, o Dr. Pedro Ivo, Professor da pós-graduação do INPA e depois em Belo Horizonte como Titular do Dep. de Botânica da UFMG, foi quem me ensinou a estudar e pesquisar dentro dos princípios científicos mais rígidos e através de quem pude aprimorar-me, e de quem pude absorver princípios éticos sem dificuldade, pois dele fluem espontaneamente. Com a Dra. Marilene Nogueira, antes no INPA e agora professora titular do Dep. de Botânica da UFMG, consegui entender como pesquisar em Morfologia e a adquirir olhar crítico para as nuanças das formas vegetais. O convívio com diversos colegas da Associação de Orquidófilos da Amazônia, como o botânico Francisco Miranda, e pesquisadores de outras áreas, possibilitou intercâmbio de conhecimentos e desenvolvimento pessoal. No Equador tive oportunidade de estar algumas vezes com o Dr. Calaway Dodson, expoente na taxonomia de Orchidaceae, suficientes para entender como se trabalha nesta área, que foi a que mais me atraiu. Em trabalho de campo pude acompanhar o eminente Prof. Robert Dressler e equipe em expedições científicas, na região oriental do país - e assim absorver técnicas de trabalho. Muitas vezes, João Batista F. Silva foi meu companheiro de excursões na Amazônia brasileira e colaborador com preciosas informações. Mais recentemente, com o Dr. Gustavo Romero da Universidade de Harvard, E. U. A., e com os companheiros da ABRACC, destacando o saudoso Prof. Hamilton Bicalho, informações importantes vão se juntando para formação de um grande banco de dados. O Dr. Vitorino C. Paiva Neto tem sido um importante interlocutor a quem devo por sua sempre desprendida cooperação. Aqui e acolá tenho conseguido encontrar pessoas que contribuem positivamente, todas as quais que não é possível listar agora.
No Brasil pude esquadrinhar todos os Estados da região Norte, tanto nas proximidades de onde residi, em curtas viagens em jipes e embarcações, quanto em regiões distantes, fronteiriças, em aeronaves e pequenos barcos, em incursões mais prolongadas.
  Inesquecível foi uma aventura na região apelidada "Cabeça de Cachorro", na fronteira com a Colômbia, rio Içana e afluentes, quando encontrei o novo Mormodes issanense; foram 15 dias de surpresas, descobertas, perigos e episódios tragicômicos...   Mormodes issanense. Foto/photo: Kleber Lacerda
 

Ainda tento ir ao Norte pelo menos uma vez ao ano; a última aconteceu em maio de 2000, quando com o Prof. Pedro Ivo tentamos chegar ao lugar onde encontrei o Catasetum kleberianum descrito por ele, mas não pudemos prosseguir quando já estávamos a uns 30 km do destino, porque inundações haviam destruído totalmente a estrada; continuar via fluvial demoraria uma semana e não dispúnhamos de tempo.
Atualmente tenho me dedicado à flora orquidológica de Minas Gerais, tentando esclarecer dúvidas principalmente em Laelia, e pelo menos uma vez por mês vou a um hábitat onde pesquiso durante um a três dias. O Dr. Karl Meyer de BH tem sido um grande companheiro em muitas excursões e tenho tirado proveito de seu rico conhecimento da flora orquidológica mineira e do Espírito Santo.
No exterior pude percorrer praticamente todas as regiões do Equador, com orquidófilos locais, com pesquisadores norte-americanos e com os amigos Dr. Karl Meyer e Dr. Vitorino C. Paiva Neto. Também visitei hábitats de orquídeas na Venezuela e na Colômbia e na região andina do Peru, no início da década de 80.