ON - Voltando especificamente à região amazônica, parece que hoje em dia o número de gêneros nesta região chega a ultrapassar 100 e o de espécie 600, isto corresponderia a mais 25% do total de espécies brasileiras. Em um de seus textos você diz que se existe um gênero que pode representar a flora orquidácea da Amazônia, este gênero é o Catasetum. Depois dele, qual o gênero predominante naquela região, quer dizer o gênero que apresenta mais espécies e o gênero que embora com menos espécies é mais espalhado?

KL - A Amazônia brasileira sempre foi considerada relativamente pobre em número de espécies de orquídeas, e realmente o é, se compararmos ao que existe relatado para países como o Equador, Colômbia, Peru e Venezuela, e considerando nossas continentais dimensões. Entretanto, cabe dizer que o Brasil dentre estes citados é o país menos pesquisado com relação à flora orquidológica - talvez em situação como a da Bolívia. Nas duas últimas décadas, entretanto, muitas descobertas e citações de espécies que antes se pensava existir somente nos países vizinhos têm sido feitas, destacando-se neste aspecto o trabalho de João Batista F. Silva, que com a Dra. Manoela têm publicado bastante a respeito; com isso, poderemos chegar aos números citados.
Entretanto, comparando-se com a região Sudeste, especialmente os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais (descontando-se, é claro, as áreas destruídas...), a diversidade em Orchidaceae da Amazônia é muito menor. A densidade também é muitíssimo menor, pode-se caminhar durante dias em certos tipos de vegetação na Região Norte para encontrar poucas plantas. Além disso, poucas espécies amazônicas no Brasil (diferentemente da Colômbia e Equador) têm valor horticultural, ou seja, de pouco interesse ornamental.
  maxillaria pauciflora. Foto/photo: Kleber Lacerda   Acredito que as Maxillaria,
dentre os gêneros, seja o mais abundante
e encontrado em todos os tipos de vegetação.

A Cattleya, somente em áreas restritas. Pleurothallis e Octomeria, dentre as "microorquídeas", também se encontram
em quase todos lugares.
As Catasetinae, entretanto, têm realmente
na Amazônia seu centro de dispersão,
principalmente Catasetum e Cycnoches,
sendo que Clowesia e Dressleria predominam
na Colômbia e América Central e Mormodes
parece estar meio repartido entre o Brasil e o México.
  Tanto que pelas diferenças de alguma espécies mexicanas já há quem cogite em separá-las, criando mais um gênero.


ON - É bem verdade que não existe uma "região amazônica única" mas diversas. Seria esta dificuldade que muitos encontram para cultivar (fora do hábitat) as espécies que vêm de lá. Fala-se em matas de terra de firme, campinas, altitudes, em chuvas diárias, muito calor, frio à noite. Como é isto? Isto quer dizer que nem todas as espécies necessitam das mesmas condições climáticas, quer dizer que há espécies que precisam de muita sombra, outras de muita luz, umas de muito umidade, outras de menos? Quais seriam as espécies que necessitariam menos luz? e as mais exigentes neste ponto específico? Que espécies trariam uma dificuldade maior para serem cultivadas?

KL - Aqui cabe citar que a subdivisão fitogeográfica da Amazônia brasileira foi proposta por Duke e Black, posteriormente modificada por Prance e correlacionada com Orchidaceae por Pedro Ivo S. Braga em suas teses. Braga fez um amplo estudo das campinas da Amazônia Central e mostrou as diferenças na flora orquidológica das mesmas.
Não posso deixar de tecer comentários sobre temperatura, pluviometria e umidade do ar. O regime térmico na Amazônia é praticamente constante, com oscilações cuja grandeza não é suficiente para paralisar atividades biológicas. As temperaturas noturnas, ainda que menores do que as diurnas, na maior parte da Amazônia não descem abaixo de 19 ºC, exceção para as áreas de encostas. O vapor d'água vem do oceano e da floresta. Embora predomine na região um clima quente e úmido, a variação na distribuição de chuvas, que pode apresentar defasagens de até seis meses de uma região para outra, proporciona a existência de muitos tipos de clima.
Na floresta amazônica as temperaturas médias são altas durante todo o ano, mais ou menos entre 26 e 29 ºC, chegando a máxima absoluta a 38,8 ºC e a mínima absoluta a 22 ºC, o que explica um clima tão quente durante o ano todo. A mais alta temperatura da Amazônia ocorre nas áreas de cerrado do Leste, próximo ao Maranhão, onde no período seco pode chegar a 41 ºC.
Há regiões em que chove diariamente durante todo o ano, como nas matas serranas do alto rio Negro. As plantas dentro de um ecossistema formam grupos organizados de forma distinta e estratificada, conseguindo assim luminosidade e ventilação adequadas; alguns gêneros de orquídeas desenvolvem-se de forma exuberante nestas condições. Ausência de estação seca é regra, não exceção. Em várias partes, entretanto, ocorre pouca ou nenhuma precipitação durante alguns meses do ano, o que se acentua mais ao Norte (como nos campos de Roraima) e ao Sul (como no Estado de Rondônia). Com tantos fatores a influenciar, o regime pluviométrico anual varia consideravelmente de uma parte para outra, acarretando diferenças, por exemplo, na época de floração de uma mesma espécie conforme a região de ocorrência - invertendo-se completamente o espectro fenológico quando em latitudes mais afastadas dos hemisférios Norte e Sul. Onde quase não há variações sazonais de temperatura e luminosidade, o fator que mais parece induzir as fases do desenvolvimento das orquídeas - floração, enraizamento, crescimento vegetativo - é o regime de chuvas, que deve ser imitado em condições artificiais de cultivo.
Também convém aproveitar para esclarecer sobre os tipos de vegetação
A paisagem amazônica é apresentada por uma floresta densa com grande diversidade florística e grande biomassa, genericamente denominada floresta tropical úmida ou floresta tropical pluvial. A quantidade de epífitas é variável conforme o tipo de vegetação. Os principais tipos de vegetação que aí ocorrem são a floresta de terra firme; as florestas inundadas (floresta de várzea, floresta de igapó, etc.); os campos de terra firme; as campinas, a vegetação serrana e a vegetação de restinga. Há regiões de transição e a distribuição não é uniforme, podendo haver "ilhas" ou "manchas" dispersas de um tipo em outro. A maioria das orquídeas se adapta a apenas um ou alguns destes tipos, não sendo encontradas nunca em tipos vegetacionais desfavoráveis.
  As florestas de terra firme cobrem 90% da Amazônia brasileira (3,3 milhões de km2). A altura das copas fica em torno de 30 a 40 m em geral, com troncos relativamente finos que se ramificam mais nas partes próximas ao topo, em disputa por luz. Os troncos geralmente não passam de 1 m de diâmetro na base, exceto a   Floresta em terra firme. Foto/photo: Kleber Lacerda
  sumaúma, a castanheira e o piquiá, que podem ter mais de 3,5 m de diâmetro e ultrapassar 50 m de altura.
Estas florestas são completamente fechadas por cima, mas embaixo são limpas e é possível caminhar com facilidade sobre uma espessa camada de material orgânico em decomposição. Espécies raras podem ser endêmicas de uma área ou terem distribuição ampla; isto quer dizer, por exemplo, que Coryanthes speciosa Hook. pode ser encontrado em ampla área, mas sempre poucos exemplares de cada vez, e que Pleurothallis kerrii Braga só pode ser encontrada, ainda assim em baixa prevalência, em uma limitada área. São, por baixo, escuras, com espécies adaptadas à baixa iluminação. Próximo ao solo, microorquídeas e gêneros como Batemania, Lycomormium, Paphinia, Peristeria, Polycycnis, Stanhopea, Xylobium e outros proliferam entre liquens e briófitas, enquanto cipós, bromélias e orquídeas que gostam de maior luminosidade se esparramam sobre as copas. Cerca de 80% das florestas de terra firme não são alagáveis; a mais expressiva é a mata alta com fisionomia homogênea, mas são importantes as matas de cipós próximas ao rio Tocantins, as matas secas com árvores caducifólias na transição com o cerrado do Brasil Central, as matas de bambu do Estado do Acre, as campinaranas e as matas serranas.

  As campinaranas ou caatingas amazônicas, que formam manchas em toda a Hiléia, mais expressivas no alto rio Negro, são fonte das águas ricas em ácidos húmicos e fúlvicos que formam os rios de água preta.
Suas árvores têm em média 20 m de altura nas partes mais altas e 7 a 8 m nas partes mais baixas; seus troncos são finos e podem ter epífitas desde a base até o topo.
Com mais palmeiras, mais umidade e permitindo maior penetração de luz, são ricas em espécies de orquídeas.

  Campinarana. Foto/photo: Kleber Lacerda
  As matas serranas ou de neblina, nas áreas mais elevadas, com maior ventilação, umidade intensa e temperaturas mais baixas, são também muito interessantes floristicamente.
As florestas inundadas correspondem de 5 a 10% da Amazônia; são periodicamente inundadas pelas cheias dos rios. A composição florística é marcada pela presença de palmeiras (buriti, açaí, paxiuba, buçu). Estas abrigam diversas espécies de orquídeas, notadamente dos gêneros Catasetum e Galeandra e a Bifrenaria longicornis Lindl.
As florestas inundadas podem ser classificadas em:
  Florestas de várzea: cobrem as planícies que ficam vários meses inundadas pelos rios de água branca.
Biomassa mediana, bastante limpa por baixo, luminosidade variável.
São exuberantes nos trechos superiores do Amazonas (Solimões) e nas regiões entre os rios Trombetas e Tapajós.
  Floresta de várzea. Foto/photo:Kleber Lacerda
  Floresta de igapó. Foto/photo:Kleber Lacerda Florestas de igapó: são inundadas permanentemente ou durante meses pelos rios de águas pretas ou claras.
Têm biomassa pobre, iluminação difusa, vegetação especializada, árvores com raízes expostas para suporte ou respiratórias.
As epífitas são numerosas. As águas são transparentes ou escuras, muito ácidas, paradas ou
  quase paradas. Encontra-se aí Cattleya violacea, Oncidium lanceanum, Brassia e muitas outras orquidáceas. A umidade é intensa, principalmente à noite, durante todo o ano, mesmo nos meses sem chuvas. A ventilação e maior luminosidade nas margens dos rios facilita a proliferação das orquídeas e outras epífitas consorciadas.
Florestas dos terraços de inundação e manguezais ou várzeas de maré são muito pobres em orquídeas.
  Campo e cerrado. Foto/photo:Kleber Lacerda Além das florestas de terra firme e das florestas inundadas, existem na Amazônia brasileira as formações vegetais abertas, que são: os campos e cerrados, de gramíneas, em Roraima no Brasil e na "Gran Sabana" na Venezuela; os campos de terra firme na ilha de Marajó, em Humaitá (no rio Madeira), Prainha e Monte Alegre (baixo Amazonas), e outros; os campos de várzeas, inundados e ensolarados, com poucos
  arbustos e palmeiras, as campinas e a vegetação serrana baixa. Destas, apenas as duas últimas são notáveis do ponto de vista orquidológico.
As campinas abertas ocupam 34.000 km2 na Amazônia Central, em pequenas áreas descontínuas geralmente circundadas por florestas de terra firme. O solo é extremamente pobre, arenoso, a biomassa é medíocre, a vegetação é raquítica com escleromorfismo acentuado. Os arbustos e árvores pequenas ocorrem em grupos, sob os quais se reúnem inúmeras orquídeas, como Epidendrum, Encyclia, Sobralia, Catasetum, Eulophia, etc. Há um número enorme de epífitas e endemismos particulares. Nas campinas do Estado do Amazonas, no Brasil, destaca-se a Cattleya eldorado Linden; nas campinas do Estado do Pará pode-se encontrar a Cattleya violacea Rolfe, embora em densidade muito menor. Com estas condições climáticas, é possível encontrar apenas em uma espécie de árvore, o macucu (Aldina heterophylla Spr. ex Benth) nada menos do que 45 espécies de orquídeas, dos gêneros a seguir:
Maxillaria (9), Epidendrum (5), Pleurothallis (5), Encyclia (5), Sobralia (3), Catasetum (3),
Cattleya
(2), Orleanesia (2), Brassavola (1), Brassocattleya (1), Caularthron (1), Rudolfiella (1), Bulbophyllum (1), Rodriguezia (1), Aganisia (1), Bifrenaria (1), Scuticaria (1), Jacquiniella (1), Nanodes (1) - isto em apenas uma campina aberta do Estado do Amazonas.
Finalmente, dentro das formações vegetais abertas, temos a vegetação serrana baixa, de fisionomia variável, muita penetração de luz, ventos, nevoeiros freqüentes e temperatura noturna bem menor, encontrada nos limites da planície amazônica. As epífitas são abundantes nestas formações, ainda indevidamente pesquisadas.
Obviamente, temperatura respeitando os limites citados e o fator umidade relativa do ar ajustado conforme a região de origem são os maiores desafios dos cultivadores de orquídeas amazônicas em regiões subtropicais e temperadas, e a maiores latitudes. Manter umidade relativa do ar próxima à saturação constantemente pode ser necessário para que algumas espécies resistam mais do que uns dois ou três anos em cultivo.
Mesmo em um mesmo gênero, como por exemplo Catasetum, as exigências culturais são muito diferentes conforme a espécie.