Introdução Cláudio Nicoletti de Fraga, botânico, curador das coleções vivas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, é capixaba de Vitória, capital do Espírito Santo, o mais rico estado brasileiro em número de espécies da família orquidácea, pelo menos, proporcionalmente ao seu tamanho. Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, defendeu sua tese de mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, abordando as orquídeas daquele estado. "A Ecologia, Fitogeografia e Conservação das Orchidaceae da Restinga do Estado do Espírito Santo" é um trabalho que traz um importante acréscimo ao conhecimento das orquidáceas nas restingas já que poucos trabalhos foram exclusivamente dedicados à presença desta família nestas comunidades. Nesta entrevista nos fala sobre a influência de seu pai na escolha de sua carreira, seu trabalho na reserva de Santa Teresa e no Jardim Botânico no Rio de Janeiro e também sobre seus projetos futuros e principalmente sobre as orquídeas da restinga do Espírito Santo, suas descobertas de novas ocorrências e novas espécies encontradas naquele estado, ao longo de suas pesquisas. |
ON:
Gostaria que você traçasse um pequeno perfil seu, onde nasceu,
como se interessou pelo estudo da botânica, pelas orquídeas.
Cláudio:
Nasci em Vitória, no estado do Espírito Santo e atualmente
estou trabalhando no Rio, no Jardim Botânico, embora mantenha casa
em Santa Teresa no Espírito Santo, onde minha mulher ainda reside.
ON:
Tentamos guardar tudo, mas às vezes perdermos muitas mensagens
quando o computador dá um problema qualquer. E também com
este serviço de Guest-book (Livro de visita). Um serviço
onde, de repente, eles detonam tudo e simplesmente nos comunicam que,
por problemas técnicos, todas as mensagens lá depositadas
foram perdidas. Aí a gente diz: "- Caramba, eu tinha 800 ou
1.000 mensagens, não salvei e o serviço foi tirado do ar.
Perdi tudo". Dá a maior frustação, pois o feed
back que recebemos das pessoas é muito importante e incentivador.
Agora, estamos agilizando a gravação das mensagens fora
do computador para evitar essas perdas. ON: Começamos em l996 e a página foi crescendo muito. Cláudio: Está muito grande. ON: A página tem realmente uma penetração bem grande, nós recebemos muitos e-mails do mundo inteiro, de toda parte do Brasil, de pesquisadores, de amadores, de iniciantes, de sociedades orquidófilas brasileiras e estrangeiras pedindo para reproduzirem um artigo em suas revistas e boletins. Sempre que podemos, nós respondemos as mensagens, mas não dá para guardar todas elas. Quando a pessoa se identifica como pesquisador, temos uma pasta só para estas mensagens e que serve como referência futura, para fazer um contato, esclarecer uma dúvida, etc... É uma maluquice, o que recebemos de e-mails pedindo link, informações, tecendo comentários sobre a página. Cláudio: A minha página era pequena e chovia e-mails. Era 4 ou 5 e-mails sobre a página, pedindo as mais loucas informações. Minha mulher achava o máximo: - Nossa, que coisa impressionante. ON: Qual é a sua página na Internet? Cláudio:
Era o Projeto Cores - Conservação das orquídeas da
restinga do Espírito Santo. Não tenho mais. ON: Qual é a sua formação? Cláudio: Eu me formei em biologia pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, mas antes de fazer biologia, eu era mecânico, tinha feito SENAI e Escola Técnica Federal. ON: Mecânico de quê? Cláudio:
Mecânico de máquinas pesadas, industriais, fui estagiário
da Vale do Rio Doce, trabalhei numa empresa de bombas hidráulicas,
de esquadrias de alumínio, vendia box, janela. Trabalhei também
como desenhista de parte estrutural de prédio. Eu não queria
estudar, resolvi ter uma profissão rápidamente para ter dinheiro
e parar de estudar, ou seja, ter uma certa independência. Cláudio: Fiz o pré-vestibular e, como todo bom aluno de escola técnica, fui fazer o vestibular de engenharia mecânica e, graças a Deus, não passei. Hoje vejo assim, mas na época fiquei triste. Meu pai, que é uma pessoa muito presente na minha vida, falou que enquanto eu não me conscientizasse que era analfabeto, não passaria em coisa nenhuma. Aí resolvi cursar o pré-vestibular como se fosse analfabeto. Fiz o vestibular para Biologia, fui o segundo lugar, entrei na Universidade, fiz o curso de graduação em 4 anos, tive estágio patrocinado pela Aracruz, depois pela Bahia Sul e tive duas bolsas de iniciação científica já trabalhando efetivamente como botânico. |
ON: Como entrou neste mundo de orquídeas? Cláudio:
Fui orientado por um botânico do Espírito Santo chamado Oberdan
José Pereira. Eu quis fazer área de restinga e ele não
só topava que a gente estudasse qualquer grupo de plantas como também
orientaria, desde que fosse área de restinga pois era o setor onde
ele trabalhava. Por que? Porque dentro de um projeto dele de conhecer a
flora como um todo, ele precisava de pessoas que esclarecessem dúvidas
em famílias problemáticas, então a orquídea
se encaixava muito bem nisto e ele me apoiou.
Cláudio: O projeto englobava as orquídeas da restinga do Estado do Espírito Santo para ser feito em 1 ano. Obviamente que não consegui, mas viajei o estado de cabo a rabo, de cima para baixo, de trás para frente. ON: Você já citou a "Fundação O Boticário", mas você recebeu também outros recursos? Cláudio:
Depois que terminei a faculdade, fui dar aulas como professor substituto,
passei no mestrado no final deste período, casei, vim para cá
contando com a bolsa que só saiu 6 meses depois. Passei um aperto
desgraçado e isto me fez mandar o projeto para o Boticário,
me inscrever num prêmio, tomar caminhos que não tomaria, por
comodismo, se tivesse a bolsa. |
ON: Gostaríamos de conversar sobre sua tese de mestrado "Ecologia, Fitogeografia e Conservação da Restinga do Estado do Espírito Santo". Este estado é, na verdade, um dos estados mais ricos em matéria de orquídeas, só perdendo para Minas Gerais, embora proporcionalmente ao seu território, ele tenha muito mais do que seu vizinho. Cláudio: O Espírito Santo ainda é um lugar para ter mais espécies do que Minas Gerais. Eu que comecei a trabalhar com coleta em 94, tenho seis plantas novas. Já descrevi uma, Bulbophyllym gomesii, uma nova espécie da floresta atlântica, tenho uma Sobralia, dois Bulbophyllum e uma Masdevallia para serem descritos e um Myoxanthus que está no prelo. ON: Seis plantas em 7 anos.Cláudio: São coisas muito diferentes, gritantes, a Sobralia, por exemplo, |
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é uma planta de quase 3 metros de altura, que a flor é do tamanho de um híbrido de uma Cattleya, como é que nunca ninguém viu uma planta desta? ON: Eu já vi a foto e me perguntei como ela pode passar despercebida. Cláudio: Na verdade, eu gostaria de lhe passar um dia as fotos das espécies novas, quando o trabalho efetivamente saísse para não criar confusão. ON: Então fica a promessa, de quando o trabalho sair, de publicá-lo aqui no Orchid News. Voltando ao assunto, esta Sobralia nova tem uma história muito interessante, você a está descrevendo com o Toscano de Britto. Cláudio: Ele tinha algo muito parecido. Nós falávamos sobre a Sobralia, mas não sabíamos exatamente do que cada um falava. Eu falava: "- A minha espécie nova", ele falava: "- A minha espécie nova". Entramos em contato e só se elucidou efetivamente do que estávamos falando quando começamos a discutir sobre a planta e mostrei a foto. Na verdade, acho que o Toscano tem duas espécies novas e eu só tenho esta. Ele propôs uma parceria, mas tinha um complicador que era o trabalho de descrição de diversas espécies que ele já tinha iniciado com o Philips Cribb e eu acho que esta Sobralia era uma delas e, finalmente, vamos descrevê-la juntos, pois já tenho esta coleta bem feita e já mandei material herborizado e tudo. ON: Quando você acha que será possível levantar o número de espécies do Espírito Santo? Cláudio: Quando se estudar a parte da região serrana que dá para o interior. Todos os dados que existem são da parte virada para o mar. Quando se fala, por exemplo, que a cidade de Domingos Martins é o reduto das espécies, fala-se da serra virada para o mar. ON: É tudo virado para o mar? Cláudio: Não é, mas Venda Nova do Imigrante, onde está Luciano Zappi, é. Santa Tereza onde estava o Ruschi é. Santa Tereza é no topo, então o Ruschi ... ON: Olhava para os dois lados... Cláudio: É, mas olhou pouco para o outro. Tem, por exemplo, Pseudolaelia dutrae que é uma planta tipicamente de campos rupestres, de altitude, aquelas pseudolaelias mais próximas de Pseudolaelia corcovandensis, que aparecem também em Minas Gerais. Bulbophyllum terezensis, outra planta que ele descreveu do lado continental da serra e que aparece também em Minas Gerais, nos campos rupestres, em São José e em outras serras. Já Renata canaanensis (Pseudolaelia canaanensis) é um negócio muito local, mas há indícios de que está aparecendo também para o sul do Estado na região de Venda Nova do Imigrante. Pleurothallis rupestris, conhece? Aquele Pleurothallis gordinho que fica nos campos rupestres, um planta com a folha roliça, acicular, roliça, baixinha com as flores vermelhas. Ele é usado com detector de campo rupestre. Tem lá no Espírito Santo, na serra voltada para o continente. Existem vários exemplos assim, em outras famílias como Melastomataceae, Bromeliaceae. Na parte sul, tem Laelia tenebrosa, mas não se tem idéia do que tem de Laelia tenebrosa no estado. Por que? Porque não se tem idéia ainda do que sobrou das florestas de tabuleiro, então... ON: Quando você diz que não se tem idéia, isto não é uma metáfora, realmente não se tem idéia. Cláudio:
Não, não se conhece, não se tem idéia. ON: O que são exatamente as florestas de tabuleiro e qual a sua localização? Cláudio:
Você tem que se remeter às eras geológicas. A Mata
Atlântica do Espírito Santo, assim como a do Rio de Janeiro
(menos a de Campos), é Mata Atlântica de encosta, do período
Pré-Cambiano. É um terreno muito antigo, a rocha foi se
transformando em terra. De vez em quando vêm aqueles matacões
(pedras) no meio da floresta e você se pergunta como isto apareceu.
Não apareceu é o que sobrou da transformação.
É muito comum no Rio de Janeiro e também no Espírito
Santo até a região de Santa Teresa e depois ela vai para
dentro, para Pancas, Barra de São Francisco que são locais
de pouca gente conhece. Este é um tipo de terreno peculiar à
serra do Mar. ON: Este deslizar é de quilômetros mesmo. Por que Hiléia? |
Cláudio:
Quilômetros de distância. Aquelas florestas são chamadas
de Hiléia porque ela tem uma semelhança muito forte, pelo
menos fisionomicamente, com a verdadeira Hiléia que fica na região
amazônica. Floristicamente chega-se à conclusão que diversas flores também são bem comuns com a região amazônica. Por exemplo, restringindo-se só ao norte do Espírito Santo, o gênero mais comum é o Catasetum. Se eu pegar o estado todo, têm muitas espécies de Pleurothallis, tem Epidendrum, mas no norte do Espírito Santo a presença do Catasetum é um negócio muito interessante. Tem Catasetum discolor que está na areia ao longo de toda a restinga, |
Catasetum discolor (feminino) |
Catasetum discolor (masculino) |
mas tem Catasetum purum, Catasetum macrocarpum, Catasetum luridum. São espécies que estão ali, bem diferentes das que ocorrem na parte do sul. É uma floresta diferente. |
Catasetum purum |
Catasetum macrocarpum |
Catasetum luridum |
Estes ambientes ainda não estão estudados, sob nenhum ponto, nós estamos falando em orquídeas, mas se fôssemos falar de árvores, quantas árvores, quantas leguminosas têm no Espírito Santo? Ninguém sabe. O Espírito Santo é um grande buraco botânico, para tudo. Hoje eu tenho a sorte de poder ampliar minha pesquisa no meu doutorado. Hoje eu entreguei minha proposta que é fazer as orquídeas das restingas do sul da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro, comparando-as com estas matas do interior. Vou pegar como matas do interior, Itacaré, Una, Reserva de Linhares, Santa Lúcia, em Santa Teresa e aqui no Rio de Janeiro, Macaé de Cima que já está publicado e também outros resultados de matas internas. Eu quero comparar a flora da restinga com a flora das áreas internas para saber se as plantas se distribuem de norte para sul ou se é de dentro para fora. Eu tenho um resultado que parece ser de dentro para fora, agora eu quero provar. Como é que eu poderia fazer um negócio destes se eu já não tivesse o Espírito Santo levantado? No Rio de Janeiro, é diferente, tem material em herbário para caramba. ON: De dentro para fora, como? Cláudio:
Vamos começar pela costa. A restinga está na beira da praia
e foi formada pelo mar. Numa determinada época geológica
da terra que aí já não é mais o período
Terciário, mas o Quaternário, já na era humana inclusive,
a era que o homem já estava na terra, o mar subiu e teve sua transgressão.
Ele transgrediu a sua linha de costa, entrou para dentro do continente,
subiu alguns metros e espraiou para onde era plano, principalmente onde
tinham as tais florestas de tabuleiro, ao norte. ON: Claro, outra formação... Cláudio: Têm umas coisas que chamam atenção. Na restinga, por exemplo, têm aquelas moitas que estão também no Paraná, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo, mas as espécies que têm nestas moitas são diferentes nestes lugares. A questão é descobrir o que é que mantém aquela forma, aquela fisionomia ou será que as espécies se substituem e a fisionomia se mantém? Como se dá este processo? Então este meu estudo sobre orquídeas vai ser um estudo pioneiro que vai dar a base para que outros sejam feitos nesta linha para que, no futuro, fazendo os estudos fito-geográficos possa se entender o eco-sistema. As espécies são substituídas, ou seja, a distribuição delas se interrompe, começa aqui, acaba ali. Mas estas espécies são parentes ou não? Esta substituição não importa na forma, pois você vê aquela moita de restinga sempre igualzinha, entra lá dentro e vê que é completamente diferente. No Espírito Santo tem uma planta, uma Myrtaceae chamada Neomitranthes obtusa que é o principal forófito (cavalo para a orquídea),as orquídeas ficam epífitas nele. No Rio de Janeiro não tem esta planta, eu não conheço bem ainda as restingas daqui, mas alguma planta substitui esta lá.
Cláudio: Eu vejo que diversas coisas que são dadas somente para Minas, ocorrem também no Espírito Santo. ON: Na Bahia também seria o caso. Cláudio: Seria o caso. Quando você fala que planta não respeita divisa, isto eu sei, mas investimento respeita divisa. Uma aplicação para realização de um estudo sobre a flora comestado de São Paulo está realizando e o Rio de Janeiro está iniciando respeita divisa. São estados que têm o poder do recurso, de disputar mais recursos. O Espírito Santo, coitado, é terra de ninguém, é o estado pobre do sudeste, então ele é o estado que vai continuar atrasado em relação ao estudo de sua flora. ON: Por que, no passado, na época das grandes viagens, ele não foi tão estudado quanto Minas, por exemplo? Cláudio: Bem, as grandes viagens passavam, muitas vezes, uma só vez por um lugar. Em Minas, diversas pessoas fixaram porque era perto do ouro. On: Era um estado rico na época. Cláudio: Se pegar o mapa do Espírito Santo, de sessenta anos atrás, do rio Doce para cima, era brejo desconhecido, floresta desconhecida para dormentes, área indígena dos Botocudos, já para o lado de Minas. Este brejo desconhecido é parte da restinga que estudei. Há 60 anos atrás o Espírito Santo estava nesta situação no mapa brasileiro. ON: Sessenta anos é muito recente. Cláudio: É muito recente. Por exemplo, em Minas Gerais, se estabeleceram pessoas porque havia uma demanda no lugar. O Espírito Santo não tinha esta demanda. O estado teve um crescimento com o café, mas nunca se viu café plantado no tabuleiro, na restinga, nem na parte interna da Mata Atlântica, a não ser quando é irrigado. Não tinha irrigação naquela época. Onde foi parar o café? Santa Teresa, Santa Leopoldina, Domingos Martins, Vila Nova do Imigrante. Estou falando da parte virada para o mar. Efetivamente o que se conhece é aonde a pessoas passaram. É uma tripa muito pequena. Tiveram botânicos que viram e ficaram, Regnel ficou muito tempo em Minas Gerais, veio da Suécia e se fixou ali. Mas por que? Porque existiam empresas envolvidas principalmente com mineração. Buscar minério era um sucesso, então... ON: Em função da riqueza... CL: Em função da riqueza ou em função da nobreza. O Rio de Janeiro era a capital, Dom João VI inventou de fazer um Jardim Botânico, instalou lá um herbário, criou Museu Nacional, instalou outro herbário. Nesta cidade nasceram pessoas ou ficaram pessoas, tipo Pabst, que gostaram de saber o que era um herbário. Pabst criou um dele, particular, como se você, na sua casa, começasse a colocar exsicatas dentro dos armários e acabou tendo um herbário com 80.000 plantas. Hoje é o Herbário Bradeanum. ON:
Orchid News número 11 traz como matéria principal este Herbário.
É importante conhecê-lo. Cláudio: Teve o Augusto Ruschi, com início de história efetiva em l950. ON: Que ficou mais conhecido, popularmente, pelo estudo dos beija-flores. Cláudio:
Beija-flor em Santa Teresa posa no seu dedo, você dá água
na garrafinha. Se o Augusto Ruschi queria estudar beija-flor ou se o beija-flor
bateu nele e ele resolveu estudar aquilo, eu não sei, mas que lugar
fantástico é Santa Teresa, realmente... ON: Uma incidência altíssima por m²... Cláudio: É nítido isto. Augusto Ruschi, no primeiro dia de coleta, coletou do número 1 ao cinqüenta e poucos. Neste dia, coletou 50 plantas. Em Santa Tereza, quando eu fui trabalhar no Museu Mello Leitão, no meu primeiro dia de trabalho, coletei 63 plantas floridas enquanto na restinga ao longo de três anos, só encontrei 73 plantas. No meu primeiro dia de coleta, em Santa Teresa, 63 plantas sem repetições. Imagina, num só dia de coleta coletar 60 e tantas plantas floridas! Não sei qual o número de coletas que Ruschi chegou a fazer, pois além de orquídeas, coletou outras coisas. Ele mandou estas plantas para o Hoehne, botânico do Instituto de Botânica de São Paulo, fundador do Instituto, que descreveu duas orquídeas, a número 5 e a número 48: Campylocentrum crassirhizum e Pleurothallis ruschii. São duas plantas que efetivamente se mantêm, são duas coisas completamente diferentes e só têm ali. Eu nunca vi Pleurothallis ruschii em outro lugar. Estou descrevendo Myoxanthus ruschii que achamos na outra reserva de Santa Teresa, mas está no topo, não está na encosta. Ou é um lugar privilegiado ou então é um lugar que tem uma instituição científica que pode levar biólogos e biólogos que podem coletar. Deve ter isto também em Domingos Martins, em Santa Leopoldina, na parte de trás da serra, Itarana, Itaguaçu, tem um monte de áreas pouco estudadas. Santa Lúcia, eu vou usar na minha tese de doutorado. |
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(*) Localização da área de estudo. Em
função das características das unidades geomorfológicas
e ao maior ou menor desenvolvimento dos depósitos quaternários,
Martin et al. (1997) delimitam para o litoral do Espírito Santo cinco
setores. |
No
setor três, o desenvolvimento dos depósitos quaternários
volta a ser fraco, com o sopé das falésias chegando bem
próximo ao mar, estendendo-se de Barra do Riacho até Tubarão
(entrada da Baia de Vitória). Todos estes setores da planície quaternária litorânea apresentam, em comum, o fato de estarem delimitados para o interior pelos platôs Terciários da Formação Barreiras, formando o Litoral Norte do Estado do Espírito Santo (figura A). O setor quatro corresponde à zona de afloramentos de rochas cristalinas pré-cambrianas que entram em contato direto com os depósitos quaternários, caracterizado por apresentar um litoral bastante recortado, com os depósitos bem desenvolvidos nas porções côncavas e ausentes nas partes salientes, formando praias em enseadas com uma pedra em cada ponta, indo da entrada da baía de Vitória até o final de Itapemirim, formando o litoral Central do Espírito Santo (figura B). |
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O
setor cinco estende-se da foz do Rio Itamemirim, limite entre os municípios
de Itapemirim ao norte e Marataízes ao sul, até a divisa com
o Estado do Rio de Janeiro. Este setor é caracterizado por um fraco
desenvolvimento em virtude da formação de falésias
na linha de praia, em Marataízes. Apresentando extensões consideráveis
nos vales entalhados na Formação Barreiras em Presidente Kennedy,
próximo à foz do Rio Itabapoana, formando o Litoral Sul do
Estado do Espírito Santo (figura C). (*) Retirado da tese de pós-graduação (nota do editor) |
ON: Em sua tese de mestrado, você abordou ecologia, fitogeografia e conservação das orquidáceas da restinga do estado doEspírito Santo. Por que você escolheu estes temas e como foi a abordagem? Cláudio: Eu vou explicar porque resolvi fazer desta forma. Eu fui estudar no Museu Nacional e meu mestrado era em botânica. Dentro de botânica, você pode se voltar para qualquer linha. Eu poderia ter estudado um grupo, mas, para isto, você tem ver material-tipos, correr atrás de muita exsicata de material e como o mestrado era muito curto, eu resolvi seguir pela linha da florística. Eu não tinha um orientador para a revisão de uma seção ou de um gênero e revisar um gênero, mesmo bem pequeno, como a Notylia, por exemplo, complicava. Vim para o Rio de Janeiro porque estava recém-casado e era perto de minha casa, morava em Vitória, mas eu não tinha uma pessoa que me orientasse assim no Rio de Janeiro. Então resolvi fazer um levantamento florístico de uma área. Já tinha começado este projeto de tentar fazer as orquídeas das restingas do Espírito Santo que, na época, foi um devaneio meu, mas era algo já começado e que poderia ser terminado se fosse fazer o mestrado. Está explicado porque resolvi estudar a presença, a ausência, como se comportam e onde ocorrem as orquídeas nas restingas do Espírito Santo. Diversos aspectos das orquídeas nas restingas representam a palavra ecologia, neste título. |
O
estudo
fitogeográfico me atraiu, porque notei que no Espírito Santo
havia uma barreira fitogeográfica que é o Rio Doce ou estas
florestas terciárias, estas florestas de tabuleiro. Eu observei que a restinga do norte era muito diferente da restinga do sul. A análise da distribuição das orquídeas mostrou um grupo de plantas exclusivas da restinga do norte e um outro grupo exclusivo da restinga do sul. Toda vez que se identifica uma planta, procura-se saber um pouco mais sobre ela, de onde ela é, onde ocorre. Comecei a ver que tinha muita planta na restinga do Espírito Santo que era planta amazônica como a Galeottia ciliata. Era uma coisa estranha. O que ela está fazendo aqui? Comecei a ver que também tinha na floresta de tabuleiro. E falava-se que a floresta de tabuleiro tinha uma ligação muito forte com a Amazônia. Este tipo de coisa me intrigou e me levou a estudar fitogeografia. |
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O
estudo de conservação, eu não iria fazer, ele acabou
existindo em virtude de ter recebido recursos de "O Boticário"
para estudar a conservação. Vi que poderia pegar um relatório
com dados de conservação e incluir na tese. Resolvi incluir
este resultado de última hora, na última semana antes de entregar
a tese, na casa de minha orientadora. Ele é, para mim, talvez, o
mais bacana que tem na tese. Depois teve o dinheiro da WWF também condicionado à conservação. Então foi para receber recursos, mas hoje vejo de outra forma: a conservação é a mola mestra de tudo. Você tem que estudar visando a utilidade. Porque ficar no gabinete fazendo taxonomia, estudo de grupo ou fitogeografia, não iria levar a absolutamente nada. |
Apresento
o status de conservação de cada espécie e forneço
dados para a conservação de espécies e habitats. No
final da tese, chego a inferir áreas para unidade de conservação,
em função de, por exemplo, Laelia grandis ou Sophronitis
grandis. Por que? Porque é uma planta que está ali no sul da Bahia, norte do Espírito Santo, não tem mais em lugar nenhum. Encontrei esta planta numa área de restinga ainda pouco impactada, mas que não é unidade de conservação. Achei que valia pena separar esta área como unidade de conservação. Se isto vai ser concretizado ou não, aí já teria que me candidatar a um órgão público, talvez algum cargo eletivo para efetivar certas coisas. |
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Mas acho que, como contribuição, o capítulo conservação foi, para mim, fazer algo além do científico. Então são realmente os três grandes assuntos que a minha tese abordou. |