por Luiz Menini Neto



O Estado de Minas Gerais ocupa 588.384 km2, o que corresponde à cerca de 7% do território nacional, encerrando, em sua área, parte de três grandes biomas brasileiros: caatinga, floresta atlântica e cerrado, que, conjuntamente, abrigam grande variedade de fitofisionomias distintas, o que resulta numa admirável diversidade (Costa et al., 1998).
Destacam-se ainda no Estado, os campos rupestres, uma vegetação herbáceo-arbustiva que ocorre em áreas montanhosas acima de 900 metros e são reconhecidos por sua grande riqueza de espécies e endemismo (Joly, 1970; Giulietti et al. 1987, 2000; Menezes & Giulietti, 2000).
A flora do estado sofreu e ainda sofre com as extensas áreas destruídas ao longo dos séculos, em decorrência dos vários ciclos econômicos pelos quais o país passou. Isto se torna preocupante na medida em que, ainda hoje, pouco se conhece da diversidade existente neste grande estado e muito está sendo destruído em alta velocidade, através de desmatamentos para plantio, criação de gado e/ou mineração.
Levantamentos florísticos incluindo ervas terrestres ou epífitas, ocorrentes em áreas florestais, em especial aqueles pertencentes à família Orchidaceae, são escassos para o estado. Desta forma, os levantamentos são necessários, com o intuito de conhecer e preservar o que ainda resiste à devastação provocada pelo homem.
A seguir será apresentada uma compilação dos resultados de alguns trabalhos realizados com as Orchidaceae no estado de Minas Gerais (publicados nas revistas Rodriguésia 55(84): 137-156. 2004; Lundiana 5(1): 9-27. 2004; e Boletim CAOB 48(2): 35-40. 2002, respectivamente – este último apresentando apenas os dados parciais), os quais são parte de levantamentos florísticos de espécies vasculares nas três áreas.




Trabalho realizado em parceria com
Valquíria R. Almeida (mestranda - Museu Nacional / UFRJ) e
Rafaela C. Forzza (Jardim Botânico do Rio de Janeiro)


Foto / Photo: R. C. Forzza


A Reserva Biológica da Represa do Grama (RBRG) abrange uma área de 263,8 hectares compreendendo as fisionomias de floresta semidecidual montana, florestas aluviais e florestas estacionais semideciduais.
É um importante remanescente da floresta atlântica, estando localizada no município de Descoberto, na Zona da Mata mineira.
Sua área possui seis nascentes que deságuam em dois córregos dos

quais a água é captada para o abastecimento parcial dos municípios de Descoberto e São João Nepomuceno. Devido ao status de “reserva biológica”, a visitação não é aberta ao público, facilitando de certa forma, sua preservação. Em contrapartida, a ação de caçadores e "palmiteiros", bem como a derrubada de árvores e a transformação de trechos de sua área em pastos é uma ameaça tanto à fauna quanto à flora da Reserva. Esses fatores, aliados ao fato de haver apenas um vigia responsável pela área, pode por em risco o futuro de sua diversidade biológica.


A família Orchidaceae está representada na RBRG por 27 espécies curiosamente distribuídas em 24 gêneros (Tabela 1), sendo que apenas três gêneros possuem duas espécies: Epidendrum, Gomesa e Polystachya.
Comparettia coccinea, Huntleya meleagris, Psilochilus modestus, Vanilla cf. gardneri, Warrea warreana e Xylobium variegatum são talvez as espécies mais raras de Orchidaceae dentro da Reserva, todas elas conhecidas de apenas uma população, sendo que a da primeira é bastante reduzida. Por outro lado, Gomesa recurva tem ampla distribuição, com grandes populações espalhando-se desde a base até a copa das árvores.
Epidendrum secundum apresenta apenas uma grande população, observada sobre uma rocha próxima ao curso d’água. Quanto à outra espécie de Epidendrum ocorrente na Reserva, E. densiflorum, foram observados apenas dois indivíduos distantes cerca de 20 metros um do outro, pendendo sobre o curso d’água, à meia-sombra, um epifítico e o outro rupícola.
Espécies como Eltroplectris janeirensis, Oeceoclades maculata, Prescottia stachyodes, Sauroglossum nitidum, todas terrestres, foram observadas em locais sombreados em vários pontos dentro da Reserva, embora na maioria das vezes com indivíduos isolados, ou poucos indivíduos próximos, nunca formando grandes populações.
Outro táxon que deve ser destacado é Wullschlaegelia aphylla com coleta registrada para Minas Gerais apenas em 1856 (Born et al. 1999), podendo ser uma espécie rara, pouco coletada devido a ser pouco conspícua ou mesmo por ser identificada erroneamente nos herbários, em função de sua semelhança com espécies de Burmanniaceae. Na Reserva, esta espécie de hábito saprófita, foi observada em uma grande população no chão da mata, em local sombreado. Podemos destacar também o primeiro registro de Polystachya micrantha para o estado, sendo antes citada apenas para os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, segundo Pabst & Dungs (1975).
Vale ainda destacar a ocorrência de espécies como Cyrtopodium cardiochilum e Eltroplectris janeirensis, registradas apenas para os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro (Pabst & Dungs, 1975; Menezes, 2000); Eurystyles actinosophila com registro para os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo (Pabst & Dungs, 1975) e outras como Catasetum cernuum, Comparettia coccinea, Encyclia patens, Gomesa recurva e Pleurothallis hypnicola distribuídas pelos estados das regiões sudeste e sul do Brasil (Pabst & Dungs, 1975, 1977). A distribuição geográfica destas espécies tem, possivelmente, uma íntima relação com os remanescentes de floresta atlântica que ocorrem nestes estados.


Foto / Photo: R. C. Forzza
Catasetum cernua (inflor. masc.)
Foto / Photo: R. C. Forzza
Catasetum cernua (inflor. fem.)
Foto / Photo: L. Menini Neto
Sauroglossum nitidum

Foto / Photo: R. C. Forzza
Huntleya meleagris
Foto / Photo: L. Menini Neto
Cyrtopodium cardiochilum
Foto / Photo: R. C. Forzza
Cyrtopodium cardiochilum (habitat)


Deve ser chamada atenção para o número de espécies terrestres (mais de um terço das espécies), pois nos escassos levantamentos florísticos onde a família Orchidaceae é incluída, muitas vezes os representantes terrestres perfazem uma pequena porcentagem do total.
Os dados aqui apresentados mostram a importância ecológica da Reserva Biológica da Represa do Grama e vêm auxiliar as intenções de preservação do que resta da floresta atlântica, bioma considerado um dos 25 hotspots mundiais (áreas com grandes concentrações de espécies endêmicas – isto é, espécies que só ocorrem em determinado local – sejam elas animais ou vegetais, e com perda acelerada de habitat) (Myers et al., 2000), sob pena de perdermos grande parte da diversidade de flora e também de fauna que o Brasil ainda apresenta


cont.


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